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4 DISPOSITIVOS ANALÍTICOS: FASES DE INCORPORAÇÃO DA LDI PELO

4.2 Ensino-aprendizagem dialógicos

As mudanças que elenquei para os papeis de docentes e discentes e suas práticas preveem maior envolvimento dos aprendizes em processos ativos de construção do conhecimento. E, para que essa construção seja alcançada, o ensino dialógico parece um caminho a ser seguido.

34 O novo ethos envolve práticas de letramento que são mais "participativas", "colaborativas" e "distribuídas"

em sua natureza, que as de letramentos convencionais. Ou seja, as práticas de letramento dentro do novo ethos são menos individualizadas e menos centradas na autoria única de letramentos convencionais. As regras e normas que as regem são mais fluidas e menos duradouras que as que normalmente associamos aos letramentos convencionais (KNOBEL & LANKSHEAR, 2007).

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Um ensino que pressuponha dialogismo é, neste caso, um ensino que possa prever mudanças nas concepções de linguagem assumidas por professores e alunos. Na esteira do que propõe o filósofo russo Mikhail Bakhtin (1895-1975), precursor no desenvolvimento da concepção de língua como prática de interação social, entendo que a linguagem não é uma forma objetiva para a rotulação de realidades externas, mas antes um recurso utilizado por atores sociais. Assim, o conhecimento de quem está falando e as circunstâncias do evento de fala (os atores envolvidos, a esfera de atividade e tom e entonação da fala) são cruciais para a compreensão profunda dos significados trocados na vida cotidiana (BAKHTIN, 1981, p. 341-342).

Ainda nesta perspectiva, o diálogo não é apenas um termo para descrever a estrutura do discurso, mas, sim, um fenômeno que penetra a própria estrutura das palavras. Dessa forma, os vários significados que as palavras expressam são moldados na interação dialógica no momento da enunciação (WEGERIF, 2008). O diálogo não é simplesmente uma condição prévia para a aprendizagem, pois é essencial para a construção do conhecimento e desenvolvimento humano em geral.

É importante portanto frisar que a noção de diálogo que adoto não diz respeito a falas de qualquer tipo (como, por exemplo, em Barnes, 1976), mas, sim, ao entendimento de que diálogo é uma forma de questionamento compartilhado (em oposição à conversação).

Alexander (2006) considera que o diálogo em sala de aula ocorre entre: professor-sala de aula, professor-grupo, professor-aprendiz ou entre aprendiz-aprendiz. O importante é que haja um entendimento comum por meio de discussões35 e

questionamentos que sejam estruturados e cumulativos que guiem e minimizem erros. Alexander (2006) propõe uma abordagem de ensino dialógico que visa melhorar não só as habilidades comunicativas dos aprendizes, como também utilizar a argumentação, por meio de diálogos, para "apresentar e negociar ideias e perspectivas" (COFFIN & O’HALLORAN, 2008, p. 219). Nesta perspectiva de ensino dialógico, a argumentação é vinculada ao diálogo através de teorias socioculturais de aprendizagem e desenvolvimento.

35 Segundo Alexander (2006), a discussão é a troca de ideias que levem em conta a partilha de informação

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A fala dialógica se preocupa em promover a comunicação por meio de trocas autênticas, ou seja, há uma preocupação genuína com o que está sendo dito pelo outro numa tentativa de compartilhamento e construção de significados (ALEXANDER, 2006). Essas trocas autênticas que priorizam o significado em detrimento da forma pela forma já eram preconizadas pela abordagem de ensino comunicativa, conforme mencionado no capítulo anterior, e também valorizadas para CALL integrativa. Essa perspectiva de ensino obriga a repensar não apenas as técnicas de ensino e os procedimentos metodológicos nos quais nos apoiamos em aula, mas também as relações de poder instauradas em salas de aula tradicionais. Em suma, o ensino dialógico tem como objetivo:

[...] aproveita[r] o poder da fala para estimular e ampliar o pensamento dos aprendizes e avançar sua aprendizagem e compreensão. O ensino dialógico ajuda o professor, mais precisamente, a diagnosticar necessidades dos discentes, organizar suas tarefas de aprendizagem e avaliar seu progresso. Ele capacita o aluno para a aprendizagem ao longo da vida e o incentiva a ser ativo em sua cidadania (ALEXANDER, 2006, p. 01).

Como em toda abordagem, o ensino dialógico, segundo Alexander (2010), engloba um amplo repertório de estratégias e técnicas, para o presente trabalho, nos apoiaremos, com vistas as analises, em quatro repertórios principais: a) fala de vida cotidiana; b) fala para aprendizagem; c) fala para o ensino e d) fala para organização de sala de aula. Em particular para o ensino de uma língua adicional, o desenvolvimento de diálogos como resposta a propósitos e contextos educacionais variados pode ser uma ferramenta poderosa em direção à aprendizagem e construção de conhecimentos acerca da língua alvo de maneiras mais participativas. A seguir, explano brevemente, segundo Alexander (2010), como cada repertório poderia contribuir com o ensino-aprendizagem em sala de aula:

a) Fala de vida cotidiana: uma das funções do professor nesse tipo de diálogo é a de ajudar os aprendizes a se expressar dentro e fora do ambiente educacional, na língua alvo, por meio de discussões que podem envolver interrogações, exposições de pontos de vista, exploração de determinado tópico, avaliação de determinado assunto, dentre outros temas;

b) Fala para aprendizagem: algumas das formas de melhorar as habilidades comunicativas dos aprendizes são por meio de narrativas, explicações, análises,

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especulações, imaginação, avaliações, discussões direcionadas, diálogos ancorados por andaimes dentre outros. A discussão direcionada, em especial, envolve a troca de pontos de vista divergentes com vistas à solução de um impasse ou problema. O diálogo ancorado por andaimes também é particularmente relevante pois envolve: interações que incentivam o aluno a pensar de maneiras diferentes; questões que exigem muito mais do que simples recordação; respostas que são acompanhados e construídas em vez de simplesmente recebidas; um feedback que informa e leva o aluno a pensar para frente, bem como o incentiva; contribuições que são estendidas em vez de fragmentadas; e trocas que encadeiam linhas coerentes e aprofundamento da investigação;

c) Fala para o ensino: muitas vezes utilizada para exposição ou explicação de determinados assuntos relacionados aos objetivos da aula, como era feito em salas de aula tradicionais, esse repertório busca formas de exposição ou explicações que permitam intervenções dos aprendizes;

d) Fala para organização de sala de aula: nas salas de aula dialógicas, professores exploram o potencial de cinco principais formas de interação para organização com propósitos diversos, sempre tendo em mente a maximização de perspectivas de diálogo. São essas as principais formas de interação: ensino para classe inteira; trabalho em grupo (liderado pelo professor); trabalho em grupo (liderado pelo aluno); um-para-um (professor e aluno); um-para-um (aluno e aluno) (ALEXANDER, 2010, p. 100-105).

O desencadeamento desses repertórios para o diálogo em sala de aula pode ser ancorado por artefatos tecnológicos imbricados na sociedade contemporânea. De acordo com o mesmo autor (ALEXANDER, 2004, apud MERCER et al., 2010), a abordagem dialógica de ensino envolve o gerenciamento do diálogo e atividades dentro de sala de aula para que professores e alunos possam comentar ativamente e construir conhecimentos com base nas ideias uns dos outros, co-construindo inclusive interpretações. Pesquisas têm apontado, segundo Wegerif e Yang (2011), que tecnologias multimodais como a LDI, ou um projeto comum, podem contribuir para criação de “espaços dialógicos”. Segundo esse mesmo autor, esses espaços são definidos como:

[...] espaços de possibilidades que se abrem quando dois ou mais incomensuráveis perspectivas são mantidas juntas na tensão criativa de um

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diálogo. Usamos o termo 'incomensuráveis' nesta definição para enfatizar a importância e a necessidade da abertura dialógica. Em diálogos reais falamos de diferentes perspectivas de mundo e esta diferença não pode ser simplesmente resolvida na unidade [dissolução da diferença] porque eu não posso me tornar você e vice versa. Como Bakhtin observa em muitas ocasiões, esta diferença não é um "problema", mas é constitutivo do fluxo de significados em diálogos (WEGERIF & YANG, 2011, p. 03).

Desse modo, considero que a LDI seja uma possibilidade de artefato tecnológico que permita a mediação/ancoragem para a criação do que parecem ser novos espaços para aprendizagem. Contudo, e adicionalmente, é necessário ainda que eu proponha, com base nas interações em sala de aula, um dispositivo analítico que permita entender como a interatividade impacta os usos da LDI e como a agentividade do professor pesquisado pode transformar o ensino com o uso de tal artefato.

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