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4. AS ETAPAS DA EVOLUÇÃO DO ENSINO E FORMAÇÃO NA GUINÉ-BISSAU

4.3 Ensino Pós Colonial

A educação ao longo da história tem sido usada como fator de transformação e de manutenção de valores que determinam a dinâmica social. Durante décadas, sobretudo no final do século XX, foi dado maior realce à educação voltada para a formação profissional do que a educação calcada em valores éticos e morais, excludentes. Dada a importância que o conhecimento – aquisição de habilidades profissionais para transformar e gerar produtos – assume na sociedade capitalista, para acelerar a industrialização, para capacitar e treinar profissionais, o debate no cenário internacional toma novo fôlego diante das metas desenvolvimentistas. A partir de então, segundo Lampert (1995), o investimento na educação passou a ser calculado em termos de retorno econômico e financeiro, e não pelo interesse de formar cidadãos capazes de serem agentes multiplicadores da dinâmica social e de mudanças de paradigmas. Orientada pelos princípios que ditam a lógica do mercado (mais-valia), a política educacional passa a ser moldada em acordo com um modelo político concentrador e cada vez mais excludente.

Toda a política do investimento na educação passa a apresentar um viés mercadológico, útil e rentável, e por sua vez desprovido de ética, moralidade e solidariedade. Mesmo com as limitações impostas pela falta de recursos do Estado pós-

80 colonial o PAIGC ainda foi capaz de sustentar os princípios do ensino ligado ao trabalho produtivo, à educação integrada à vida comunitária, a gestão democrática das escolas com a participação de professores e alunos em atividades políticas como fomento ao desenvolvimento humano. Para a implantação deste sistema de ensino, o Comissariado de Educação convidou Paulo Freire e a equipe do Instituto de Ação Cultural (IDAC), que trabalhava com este educador em Genebra, para prestarem consultoria durante a implantação de uma Campanha Nacional de Alfabetização de Adultos.

Com a alfabetização de adultos, Paulo Freire propôs que se repensasse a história coletiva, há pouco marcada pela libertação do colonialismo. Para tanto, com o auxílio do Estado da Guiné-Bissau, procurou reforçar a criação de uma identidade nacional. O intuito era a formação de um novo homem e uma nova mulher que, através da alfabetização, engajassem-se na luta pela reconstrução nacional. O educador visava reinventar a educação para a construção de uma cultura nacional popular. Freire defendia que a intromissão de valores da cultura dominante na Guiné-Bissau era um fenômeno social e cultural, e que sua extrojeção demandava uma transformação através de uma ação cultural (FREIRE, 1981, p.44). Para tanto, Freire defendia que o povo guineense deveria conquistar sua palavra. Logo após a independência, o país adotou o regime marxista leninista, baseado no suporte de Moscou, o que foi decisivo na definição dos apoios dos países socialistas. Esse posicionamento em face à Guerra Fria facilitou apoio no âmbito da educação. Em 1976, após dois anos de independência, já se falava em atingir meta de 10% da taxa de escolaridade, maior que a de toda a África Ocidental acima do Equador. Entretanto, a taxa de analfabetismo ainda não havia saído do umbral dos 95%.

Grandes investimentos foram realizados no setor da educação. O país chegara a concentrar o maior número de especialistas internacionais na área. Técnicos de altos gabaritos vieram de todos os cantos do mundo: de Cuba, da então República Democrática da Alemanha (RDA), da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), das ONGs, (uma das quais dirigidas por Paulo Freire), além da presença de um número substancial de professores brasileiros, portugueses e russos. Enfim, uma gama de valiosas

81 contribuições foi deixada na Guiné-Bissau, mas poucas puderam ser aproveitadas para que hoje pudéssemos dizer que frutos foram colhidos das sementes ontem lançadas.

Vale também lembrar que o país, ao conquistar a sua independência, dispunha somente de 14 pessoas com formação superior. Igualmente, importa lembrar que os índices de base publicados pelo Estado guineense para o ano de 1976-1977, segundo Harriet C. Mcguire (1993, p.76), indicavam um total de 2.785 alunos em todos os níveis de ensino, desde a pré-primaria até a secundária.

Nos dados levantados a partir do Ministério da Educação da Guiné-Bissau, encontram-se as agências das Nações Unidas que iniciaram a concessão de bolsas de estudos aos guineenses muito mais cedo do que os doadores bilaterais, que não tinham programas junto ao PAIGC antes da independência. Em razão do fato de o programa das Nações Unidas para a formação e treinamento na África Austral (United Nations Education

and ataraining Program for Southern África – UNETPSA) ter concedido dez bolsas de

estudos ainda em 1973, torna necessário pesquisar se tal programa já mantinha qualquer atividade junto ao movimento independentista antes de sua vitória, infelizmente não foi possível localizar arquivos que o dissessem.

As transformações educacionais efetuadas logo após a independência do país devem ser compreendidas como fruto da preocupação dos governantes guineenses, antigos líderes no movimento de independência, em introduzir radicais mudanças no sistema de ensino colonial, ainda prevalecente. Foram tais reformas que possibilitaram o início do processo de democratização da educação, fazendo que maior número de guineenses, independentemente de origem social, pudesse freqüentar a escola contribuindo para a progressiva eliminação da segregação e estratificação social.

Na definição da política educacional após a ascensão da independência, um lugar privilegiado é atribuído à luta contra o analfabetismo e à adaptação dos programas de ensino. Esse buscava entender as necessidades das específicas realidades sócio-culturais

82 nacionais e africanas para prover-lhes preparo para enfrentar suas maiores carências, dentre as quais o ensino tecnológico, para o desenvolvimento econômico, foi marcante.

Tornava-se evidente que a nova etapa da política educacional consistia em resolver as contradições entre o sistema escolar herdado do Estado colonial e a experiência oriunda da luta de libertação nacional nas áreas libertadas. Por essa razão, pode-se afirmar que o sistema educativo implementado na pós-independência, cuja articulação continua a ser objeto de estudo e experiências diversas, ainda se debatem contra as mazelas herdadas do sistema de ensino colonial principalmente através do sistema de escolarização nascido durante a luta de libertação nas zonas libertadas do PAIGC.

Desde a independência, Guiné-Bissau anda a procura de um modelo institucional para melhorar o seu sistema educativo. Abaixo, o orçamento de Estado na área da educação proporciona uma visualização da alocação de recursos na educação.

Tabela VIII - Despesas de Estado pós-colonial nos três níveis de ensino: 1978- 1983

Ano Ensino básico Secundário Profissional Orçamento no setor da Educação

1978 61.3 % 10.6 % 1.6 % 73.5 %(1978)

1981 56.3 % 8.8 % 2.8 % 67.9 % (1980)

1983 54.0 % 9.5 % 2.9 % 66.4 %(1982)

Fonte: JOÃO, José Huco Monteiro e Fernando Delfim da Silva, Exame longitudinal do comportamento dos indicadores do sistema educativo durante o Programa de Ajustamento Estrutural, in : FAUSTINO, Imbali (coord.), Os efeitos socioeconômicos do Programa de Ajustamento Estrutural na Guiné-Bissau, Bissau: INEP, 1993, p.209.

Segundo os autores Huco Monteiro e Geraldo Martins (1996, p.147), esta procura desembocou na elaboração de disposições que visavam consolidar a institucionalização do Ministério. Por um lado dotando-lhe de instrumentos de política macro-educativa (Sistema Nacional de Educação e Formação - SNEF, Estratégia do Desenvolvimento do Setor da Educação, Regulamento da carreira docente, Estatuto base das escolas privados, Plano de médio prazo). Por outro, de estruturas mais operacionais para a concepção, planificação,

83 administração e gestão do ensino (nomeadamente o Instituto Nacional para o Desenvolvimento da Educação - INDE, o Instituto Nacional de Formação profissional - INAFOR e a Direção Geral de Planificação e Projetos). Foi também durante este período que a Guiné-Bissau adquiriu o mais importante instrumento de investigação e consulta o INEP.