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A partir do início deste capítulo, vimos sublinhando que a cultura é incorporada de poder – pois representa esferas de disputa onde diferentes grupos sociais lutam quanto à forma como a realidade deve ser compreendida – as representações sociais/culturais e ideologias envolvem poder – devido à capacidade de legitimar ou silenciar determinadas vozes e contribuir para a hegemonia; e, igualmente, a língua(gem)/discurso se constitui de poder, uma vez que contribui para a construção de realidades e identidades, e, portanto, o ensino de línguas estrangeiras, a LI neste caso, envolve relações de poder.

Por um lado, em nossa opinião, o aprendizado de uma nova língua é benéfico, pois além de possibilitar a comunicação com outros povos, ajuda o aprendiz a enxergar o mundo real por outra ótica, e assim ele pode 'abrir a mente' e desenvolver outras visões de mundo. Contudo, pensamos que o perigo no processo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras reside na focalização e legitimação de determinadas visões de mundo, ao passo que as demais visões sejam ignoradas/estranhadas e venham a ser excluídas. Assim, o aprendiz pode ter visões de mundo estreitas e 'fechar as portas' para o resto do mundo. Por esse motivo, o ensino de inglês, e outras línguas estrangeiras, deve ser reflexivo e crítico. Pensamos que o primeiro passo, é reconhecer que o ensino de línguas envolve relações de poder, e, portanto, uma dimensão política. Repercutindo Giroux (1987, p. 60), em um modelo de ensino crítico, o poder e o discurso não são simplesmente “ecos homogêneos” da lógica, mas representam uma “polifonia de vozes mediadas por diferentes estratos da realidade; realidade essa moldada pela interação de formas dominantes e subordinadas de poder”.

Pensamos que partir de uma abordagem intercultural no ensino de línguas é uma maneira de ensinar de forma crítica, pois possibilita o diálogo entre culturas e diferentes visões de mundo. A interculturalidade refere-se à capacidade de compreender outras culturas e comportar-se de forma eficaz e apropriada na nova cultura (KRAMSCH, 1998). Em nossa opinião, envolve também a capacidade de manter os próprios valores culturais e, portanto, a identidade cultural perante outras culturas. Sobretudo, o ensino intercultural envolve o diálogo entre sua cultura e várias culturas relacionadas à nova língua(gem) para que se possa desenvolver o raciocínio crítico, em vez de desenvolver um olhar estreito da realidade do mundo.

É relevante, portanto, que o professor ajude seus alunos a desenvolverem a competência intercultural. Na visão de Meyer (apud BUTTJES & BYRAM, 1991, p. 137), tal competência se refere à capacidade de comportar-se de forma apropriada e de maneira flexível perante as ações, atitudes e expectativas de culturas estrangeiras. Para agir de maneira adequada e flexível, o aprendiz

há de ter consciência das diferenças culturais entre sua própria cultura e a do estrangeiro, e ter a capacidade de solucionar conflitos gerados pelas diferenças entre as culturas.

Pensando ainda com o autor supracitado, a competência intercultural se refere também à capacidade de “estabilizar” [stabilize] a própria identidade no processo de interação entre culturas, e de ajudar outras pessoas a “estabilizar” suas identidades (ibid). Campos e Figueiredo (2010, p. 16) compartilham dessa visão, sublinhando que o aprendiz que desenvolve uma competência intercultural está consciente de sua própria identidade e cultura, consegue construir relações entre culturas e mediar diferenças culturais, explicando, compreendendo e avaliando-as. Portanto, a competência intercultural garante que as identidades dos aprendizes sejam respeitadas e que os valores culturais estabelecidos sejam avaliados criticamente (BUTTJES & BYRAM, 1991).

Outra maneira de ensinar línguas estrangeiras de forma crítica é desenvolver a consciência acerca da teia de discursos no ambiente da sala de aula e questioná-la. “A produção da autoconsciência (...) exige uma capacidade de decodificar e criticar as ideologias inscritas na forma ou nos princípios estruturadores subjacentes à apresentação de imagens nos materiais curriculares: os 'silêncios' de um texto de sala de aula também têm que ser descobertos” (GIROUX, 1986, p. 99). O mesmo autor traça um paralelo entre a ideologia e a consciência crítica, salientando que todo ser humano tem a capacidade de pensar de forma dialética, ou seja, pensar criticamente perante a ideologia, isto é, a produção e existência da ideologia significam que o indivíduo pode refletir e agir para transformar, desafiar (ou sustentar) interesses nela contidas:

Localizar uma teoria da ideologia na esfera da consciência crítica é enfatizar na base normativa de todo conhecimento e apontar para a natureza ativa dos agentes humanos em sua construção. A gramática subjacente à ideologia encontra sua expressão mais alta na

capacidade humana de pensar dialeticamente. Ver criticamente tanto o objeto de

análise quanto os processos envolvidos em tal análise como parte de um modo complexo de produção do significado, representa não simplesmente o lado ativa da ideologia, mas sua dimensão mais crítica. Assim, a ideologia implica em um processo pelo qual o significado é produzido, representado e consumido. O aspecto crítico desse processo representa um

entendimento reflexivo dos interesses encarnados no próprio processo, e como esses

interesses poderiam ser transformados, desafiados ou sustentados, de forma a promover ao invés de reprimir a dinâmica do pensamento crítico e da ação. A ideologia nesse sentido sugere que todos os aspectos da vida cotidiana têm um valor semiótico, são abertos

à reflexão e à crítica, da mesma forma que a ideologia aponta para a necessidade de uma sensibilidade crítica a todos os aspectos da auto-expressão (GIROUX, 1986, p. 204, grifos

nossos).

Portanto, ambos, professor e alunos, deveriam engajar-se em diálogos reflexivos; criticar os discursos no LD; debater sobre as representações sociais e culturais nele presentes; prestar atenção aos próprios discursos; flagrar possíveis ideologias e desenvolver discursos contra-hegemônicos e resistentes (CANAGARAJAH, 1999); reconhecer que não vivemos em um mundo perfeito e que existem desigualdades sociais entre outros conflitos sociais que devem ser abordados no processo de ensino-aprendizagem de línguas, e assim por diante. Teóricos tais como Freire (1970), Apple (1982), Canagarajah (1999), entre outros, apelam para o desenvolvimento de discursos de

transformação social e de ‘emancipação’ na sala de aula.

Na visão de Giroux (1986), as instituições educacionais não podem ser analisadas como instituições removidas do contexto socioeconômico em que estão situadas, pois são espaços políticos envolvidos na construção e controle do discurso, do significado e das subjetividades. Portanto, é importante que o professor “reconheça o jogo dialético entre interesse social, poder político e poder econômico...” possivelmente presentes no seu contexto (ibid, p. 68). Tendo essa perspectiva em mente, buscamos executar no capítulo 3 uma análise adequada acerca da escola de idiomas pesquisada. Antes, no entanto, apresentamos a metodologia de pesquisa a seguir.

CAPÍTULO 2 Da Metodologia

Ordenamos, neste capítulo, a metodologia empregada para a execução deste estudo: a pesquisa qualitativa e interpretativa de base etnográfica. Começamos explicitando a natureza da pesquisa e apresentando a nossa escolha de um tipo de metodologia desenvolvida dentro do paradigma qualitativo: a Análise Crítica do Discurso (doravante ACD) e os procedimentos metodológicos. Em seguida, apresentamos o cenário da pesquisa, os participantes, bem como os instrumentos e as técnicas de coleta dos dados – observação e gravações de aula, questionários escritos e entrevistas. Na sequência apresentamos os procedimentos para análise dos dados.

2.1 Natureza da pesquisa

A motivação que conduz este trabalho é a preocupação com a presença de ideologias e representações negativas no ensino da LI num contexto brasileiro específico, e a vontade de trazer uma maior reflexão sobre esse tema. Propusemos-nos a investigar a teia de discursos nos processos de ensino-aprendizagem da LI em sala de aula em uma escola de idiomas no DF. Sendo assim, consideramos a pesquisa qualitativa e interpretativa de base etnográfica e a ACD a metodologia mais adequada para desenvolver este estudo. Justifica-se a escolha dessa metodologia, pois focaliza a natureza sociocultural dos processos de ensino e aprendizagem, permitindo a reflexão das perspectivas dos participantes sobre seus próprios comportamentos. Além disso, apresenta uma análise holística, sensível ao nível do contexto onde a interação e a sala de aula estão situadas (WATSON-GEGEO, 1997).

Ramalho e Resende (2011, p. 75) ressaltam que a ACD está naturalmente vinculado a um paradigma interpretativo crítico uma vez que seu objetivo é “oferecer suporte científico para estudos sobre o papel do discurso em relação a problemas sociais contextualmente situados”.

Denzin e Lincoln (2006, p. 17) explicam que a pesquisa qualitativa interpretativista,

[...] é uma atividade situada que localiza o observador no mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo. Essas práticas transformam o mundo em uma série de representações, incluindo as notas de campo, as entrevistas, as conversas, as fotografias, as gravações e os lembretes. Nesse nível, a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem naturalista, interpretativa, para o mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenários naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em termos dos significados que as pessoas a eles conferem.

Neste estudo, decidimos partir de uma visão interpretativista, sendo que os dados coletados são predominantemente descritivos; e os textos são interpretados com base na ACD. Buscamos

elucidar os significados que os participantes remetem a questões importantes e representações sociais (LUCKE e ANDRÉ, 1986) relacionadas a LI.

Conforme Freebody (2003), os procedimentos a serem seguidos na pesquisa qualitativa são: o desenvolvimento da hipótese, a seleção dos participantes, o desenvolvimento prévio dos instrumentos e/ou materiais, a coleta de registros, a análise dos dados e a elaboração de inferências. Esses procedimentos são norteadores básicos desta pesquisa.

A etnografia diz respeito a um estudo intensivo, holístico e de longa duração de contato com o comportamento humano em situações que estão em andamento, para compreender a organização social, as perspectivas culturalmente baseadas e as interpretações que geram conhecimento e guiam o comportamento em um dado grupo social (WATSON-GEGEO, 1997). A etnografia de sala de aula envolve uma observação detalhada, registrando grande quantidade de amostras das atividades em áudio ou vídeo, acrescidos de entrevistas com professores e alunos (ibid).

Bryman (apud BAUER; GASKELL, 2002, p. 32) salienta que na pesquisa qualitativa (etnográfica), é importante que o pesquisador se torne capaz de ver “através dos olhos daqueles que estão sendo pesquisados”. Ou seja, é necessário que o pesquisador compreenda as interpretações que os participantes, como atores sociais, fazem do mundo. André (2005, p. 29) ecoa essa visão quando salienta que na pesquisa etnográfica, o pesquisador se preocupa com o significado, com a maneira própria com que os sujeitos de pesquisa se olham, olham para as suas experiências e para o mundo que os circunda, assim, o pesquisador busca “apreender e retratar essa visão pessoal dos participantes”.

Nesta pesquisa, estamos interessados na construção de significados, realidades e identidades sociais na sala de aula, principalmente mediante o discurso. Portanto, procuramos observar e registrar de forma nítida a fala dos participantes por meio de gravação em áudio e anotação escrita. Para desenvolver as nossas interpretações, buscamos acrescentar dados pela aplicação de questionários escritos e a realização de entrevistas.

A seguir, nos deteremos sobre a ACD e os nossos procedimentos metodológicos.