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CAPÍTULO 3 A LINGUÍSTICA APLICADA E SEUS CAMPOS DE PESQUISA

3.2 ENSINO E APRENDIZAGEM DA LÍNGUA INGLESA NA ATUALIDADE

Vivemos em um mundo que foi palco de grandes transformações, provenientes de acontecimentos históricos, como a Revolução Inglesa (1642-1651), Revolução Francesa (1789-1799), Revolução Industrial (1760-1860), entre outras. Hoje, presenciamos outro momento, outro tipo de revolução: a da pós-modernidade, que nos faz refletir ainda mais

sobre o que fazer na sala de aula na contemporaneidade. Como mencionei acima, Bauman propõe fluidez e liquidez como principais metáforas para o momento em que vivemos na era da modernidade. Conforme esse autor,

os fluidos se movem facilmente. Eles “fluem”, “escorrem”, “respingam”, “transbordam”, “vazam”, “inundam”, “borrifam”, “pingam”; são filtrados, “destilados”; diferentemente dos sólidos, não são facilmente contidos – contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou inundam seu caminho (BAUMAN, 2000, p. 8).

Essa metáfora traz uma ideia de mobilidade e mudança, uma vez que os líquidos não mantêm facilmente a sua forma, eles estão sempre mudando, movendo-se, desviando-se. É inegável que vai ficando cada vez mais difícil para o professor, na sua prática pedagógica, prender-se aos ideais de fixação, imutabilidade e unicidade. Nesse contexto, chegando ao final da segunda década do século XXI, percebo que cada vez fica mais complicado ensinar e aprender. Nesse sentido, faço aqui duas perguntas que considero importantes e que continuam a levantar reflexões entre os professores de línguas da escola pública: Será que o ambiente convencional da escola, em que o professor oferece o conhecimento e o estudante aceita passivamente, ainda favorece e torna prazeroso o processo de ensino e aprendizagem? Pode o professor ainda se manter focado no vocabulário e na gramática? Nosso dia a dia nos mostra que não. Mas, o que fazer com esses estudantes que clamam por mudanças?

Acredito que podemos mudar ou, pelo menos, melhorar essa realidade, mas concordo que não é tarefa fácil. Minha própria trajetória como professora evidencia isso. Ao longo desses 20 anos, encontrei e, ainda encontro, dificuldades na minha prática pedagógica, principalmente, quando atuo em uma sala com muitos estudantes diferentes, com recursos didáticos escassos e sem contar que, para conseguir uma remuneração digna, preciso trabalhar em lugares e contextos diferentes. Essa realidade não é só minha. Infelizmente, ela é a realidade de muitos professores do Brasil.

Ante o exposto, eu pergunto: Como podemos transformar tantos pontos negativos em positivos? Como enfrentar a descrença em relação à possibilidade de ensinar e, principalmente, aprender inglês na escola pública? Não podemos mudar o número de estudantes que temos nas nossas salas de aula, não podemos aumentar o nosso próprio salário, entre outras situações, que não estão ao nosso alcance. Mas, podemos mudar a nossa postura em relação àforma comoensinamos. Primeiro, focando na aprendizagem do estudante, dando a ele as condições necessárias para que esse aprendizado ocorra, motivando-o a fazer uso do inglês em seu cotidiano, em segundo lugar, para que elesinta que a aula de inglês é relevante

para si próprio. É importante também salientar que a aprendizagem se torna mais fácil quando o que se aprende se relaciona com o que é significativo para o estudante, no seu contexto social e cultural. E, mesmo assim, muitos professores, em função da forma tradicional como foram ensinados, perpetuam práticas engessadas, “achando mais prudente buscar no passado alguma certeza, algum ponto de estabilidade, capaz de norteá-los” (LOPES LOURO, 2003, p. 42).

Segundo o prisma do educador Anísio Teixeira (1998), por muitos anos, o ato de aprender significou memorizar; posteriormente, seu significado passou a englobar a compreensão e a expressão do que fora ensinado e, por último, abrangeu algo mais: um modo de agir. Para o educador, só aprendemos quando compreendemos uma coisa de tal forma que, chegado o momento apropriado, sabemos como agir de acordo com o que foi aprendido.

Partindo dessas considerações, uma das condições para que a aprendizagem seja significativa, segundo Ausubel (1982), é a escolha dos materiais a serem trabalhados, que sirvam para ancorar e facilitar a retenção do novo conhecimento, a utilização de uma metodologia participativa, de instrumentos que possibilitem um movimento de reflexão-ação- reflexão, que propiciem aos estudantes a oportunidade de experimentar situações e os desafiem a resolver os problemas que lhes são apresentados. É importante, assim, que as atividades sejam desafiadoras e que tenham um objetivo que não seja pura e simplesmente a memorização de formas gramaticais. Como afirmaAlves (2011)18, “a missão do professor é provocar a inteligência, é provocar o espanto, é provocar a curiosidade”.

Provocar esse espanto não é nada fácil. Paulo Feire, refratário da chamada educação bancária, aquela educação cujo objetivo é acumular conhecimentos, o que significa educar para a passividade, falava da possibilidade de se espantar diante da realidade, como uma das condições para a construção do pensamento. O espantar-se significa que nós, professores, precisamos resgatar essa capacidade em nossos estudantes, mas, antes disso, resgatar essa possibilidade em nós mesmos, através de ações planejadas e outras construídas com nossos estudantes. É necessário que passemos por um processo de reflexão sobre a aula em si. É importante também trabalhar na interseção entre o que o estudante já tem de conhecimento e o lugar aonde ele quer chegar. Estou falando do desenvolvimento real do estudante, de seu desenvolvimento potencial e da necessidade de trabalharmos dentro da chamada zona de desenvolvimento proximal19, estimulando o estudante a atingir um nível de compreensão e

habilidade que não domina completamente, extraindo dele um novo conhecimento.

18 Acesso ao vídeo completo em http://www.portalraizes.com.

Estes três termos -desenvolvimento real, potencial e proximal -foram cunhados pelo pesquisador Lev S. Vygotsky (2010), autor cujas ideias foram amplamente difundidas na educação brasileira nos últimos vinte anos. A visão socioconstrutivista de Vygotsky é válida, mas, a meu ver, é mais adequada para aqueles professores mais experientes, pois os anos de prática e o constante monitoramento do processo ensino-aprendizagem podem dar ao professor essa capacidade de perceber quando e até que ponto seu estudante pode ser desafiado na busca de mais saber, estimulando os estudantes a assumirem a responsabilidade sobre o seu próprio desempenho e a desenvolverem a habilidade de aprender a aprender.

São tantos fatores que envolvem o ensino e a aprendizagem de línguas! E todos eles estão interligados. Se o professor, por exemplo, consegue provocar mudanças na postura do estudante e da escola em relação à LE que ele ensina, ele pode influenciar o olhar do estudante sobre a LE e, também, o da escola. Quando um destes fatores, professor, estudante, instituição, funciona, ele pode fazer provocações e gerar inquietações que apontam para mudanças nos demais fatores e, aos poucos, quem sabe um dia, vamos começar a deixar de ouvir frases como: “Não sei português direito, que dirá inglês!”; “Inglês de escola não serve pra nada.”; “Pra que que tenho que aprender inglês?”; “Me empresta sua aula hoje, professora, pra fazer a reunião do projeto?” E que estudantes, como o da Narrativa 14,20 que aparece no

livro de Lima (2018), tenham a oportunidade de aprender a LI, e que seus sonhos e empolgação em relação ao ensino e aprendizagem da LI na escola pública não sejam nunca destruídos.