• Nenhum resultado encontrado

CAPITULO I – CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

2. ENSINO DE LÍNGUAS NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

2.3. Ensino da Libras como primeira língua

Diversos estudos e pesquisas no campo dos estudos linguísticos e educação de surdos tem ressaltado a importância da Libras para o desenvolvimento das crianças surdas, tais como os de: Brito, (1993; 1995); Sánchez, (1999); Luján, (1993); Sacks, (1990); Behares, (1993a; 1995); Moura, (1993); Rodrigues (1993); Ramos, (1995); Kyle, (1993); Kyle; Woll, (1995); Quadros, (1997); Felipe, (1988, 1992; 1997; 1998); Fernandes, (1990a; 1994a) conforme ressalta Slomski (2011, p. 20). Estes estudos já provaram que o desenvolvimento cognitivo, afetivo, sócio- cultural e acadêmico das crianças surdas não depende necessariamente de audição, mas sim do desenvolvimento espontâneo da sua língua. A língua de sinais propicia o desenvolvimento linguístico e cognitivo da criança surda, facilita o

processo de aprendizagem, e serve de apoio para a leitura e compreensão. De acordo com Moura (2011, p. 16), “a Libras, como uma primeira língua completamente adquirida” forneceria ao surdo “a base para poder aprender a sua segunda língua: a língua portuguesa seja na modalidade oral ou na modalidade escrita.”. Lacerda e Lodi (2009, p. 14) afirmam que a língua de sinais é a “única capaz de propiciar a constituição dos surdos como sujeitos e de levá-los a um desenvolvimento pleno [...] (Lacerda, 1998; Lodi; Harrison, 1998; Lodi, 2000)”. Portanto, essa língua deve estar presente nos espaços educacionais para que o surdo tenha acesso a todas as informações veiculadas nesses espaços.

A dificuldade, no entanto, está no fato de que na escola, e na sociedade como um todo, ainda há um grande desconhecimento sobre as questões da surdez e o surdo sofre as consequências de ser inserido em uma escola que não lhe oferece as condições necessárias para o seu desenvolvimento. Assim, sem os recursos que possibilitam que se desenvolva; sem oportunidade efetiva de aprender uma língua de comunicação e consolidar sua linguagem, são as condições oferecidas a esse sujeito que causam limitações cognitivas e afetivas e não a surdez. Conforme destaca Góes (2012):

A questão está no fato de que integrar não é só “alocar” a criança na sala de ensino regular [...] As considerações sobre o cenário de iniciativas para o atendimento educacional e a integração do surdo apontam a relevância de se destacar, na investigação de processos linguísticos-cognitivos dos alunos, os lugares da língua majoritária, da língua de sinais e das práticas comunicativas no contexto pedagógico, assim como o modo pelo qual o trabalho com a linguagem realiza-se nas atividades escolares. (GÓES, 2012, p.55)

Desse modo, a inclusão educacional e social plena da pessoa surda passa, necessariamente, pela garantia de convívio em um espaço, onde possa viver a sua condição de surdo, expressando-se na sua língua, interagindo com ela em situações de comunicação e de aprendizagem. A língua de sinais é o modo mais simples e direto de garantir às crianças surdas um desenvolvimento pleno, e o único que respeita sua diferença e singularidade, por isso, educar a criança na sua própria língua favorece seu desenvolvimento emocional, cognitivo e social. É fundamental que os surdos aprendam a língua de sinais, o mais precocemente possível, pois não conhecer nenhuma língua, ou conhecer somente fragmentos de uma língua, seja a língua oral ou a de sinais, compromete os processos de desenvolvimento em todos os seus aspectos. Como bem diz Albres (2012, p. 287):

O desafio da educação de surdos é principalmente promover a instrução, a formação moral, intelectual e afetiva respeitando a diferença linguística desse alunado. Reconhecendo seu pertencimento à minoria linguística e buscando estratégias para uma educação de qualidade.

De acordo com Karnopp (2012, p. 227), os surdos, como grupo minoritário, não somente de um ponto de vista numérico ou estatístico, porém de uma perspectiva também sociológica, é um grupo não dominante e oprimido. Assim, o tipo de prática linguística que tem sido dominante nas relações entre língua de sinais e língua portuguesa é a de que esta é superior àquela. Esta situação linguística foi pontuada pela autora no trecho abaixo:

[...] se observa que a língua de sinais é inferiorizada e descaracterizada no contexto escolar, utilizada como ferramenta para o aprendizado do português. Na escola, busca-se uma correspondência estreita entre a língua portuguesa e a língua de sinais, subordinando os sinais à estrutura sintática da língua portuguesa; consequentemente sinais são inventados, a língua de sinais é artificializada e a escrita do português é imposta aos surdos sem considerar a diferença linguística e cultural dos mesmos. (KARNOPP, 2012, p. 227):

Como se pode observar na citação acima, a LP aparece nas práticas pedagógicas como superior a Libras, por conta disso, o que se observa é que não há um ensino da Libras como primeira língua, mas o uso de sinais da Libras para ensinar LP. Desse modo, tem sido constatados muitos equívocos que estão relacionados com as concepções de língua/linguagem/texto evidentes nas práticas adotadas pelos professores responsáveis pelo ensino de línguas a estes indivíduos, e estes equívocos influenciam profundamente no processo de desenvolvimento da linguagem. Um exemplo é o fato de se encontrar atividades que utilizam sempre o alfabeto manual como forma de traduzir textos, ou na maior parte do tempo, palavras e frases, em atividades passadas para os alunos surdos, independente da idade/ano/nível de conhecimento em que o aluno se encontre, entendendo a língua/o texto apenas como uma junção das letras do alfabeto.

Essa concepção é reforçada pelas revistas de circulação nacional como a Revista Inclusão, Revista Escola ou Nova Escola que muitas vezes divulgam sempre e apenas essas atividades que são iniciais, para as crianças em período de alfabetização em LP. E entenda-se alfabetização como o processo inicial de aquisição do código escrito – conhecimento do alfabeto, fase em que para a criança surda deve-se relacionar o alfabeto escrito com o alfabeto manual. Há algum tempo uma dessas revistas trazia um encarte (uma folha em tamanho talvez de uns 30cm

de largura por 50cm de altura, dobrada) que apresentava um texto, segundo a publicação traduzido em Libras, entretanto o que apresentava era um texto traduzido em alfabeto manual. Neste caso, qual a concepção de texto? A de que o texto é um amontoado de letras?

As publicações acima mencionadas e os professores de surdos deveriam trabalhar atividades com os sinais da Libras e, sobretudo, nos espaços de AEE, o trabalho com o surdo deveria ser com o sinais, ou seja com a língua, a partir de situações/contextos significativos. O que se vê, entretanto, são as atividades com o alfabeto manual apresentadas o tempo todo, por longo tempo e, indiscriminadamente, como se a Libras se resumisse ao alfabeto manual, e como se o aluno fosse compreender a LP escrita simplesmente por conhecer o alfabeto e soletrar palavras manualmente.

É relevante lembrar que o alfabeto manual faz parte da Libras, mas não é a Libras, pois esta é uma língua constituída por sinais, e estes representam palavras inteiras ou sentenças inteiras. Naturalmente quem está trabalhando com surdos nos espaços de AEE sabe disso, no entanto, pela falta de habilidade com esta língua, muitos professores recorrem às atividades prontas de publicações de editoras que atualmente travam uma corrida para a impressão e venda de publicações com atividades ditas em Libras, mas que geralmente apresentam estas apenas com o alfabeto manual, e sinais da Libras traduzindo palavras soltas em atividades que não permitem nunca avançar para usos mais contextualizados e completos da língua. É necessário lembrar que para a criança surda o trabalho com a Libras envolve o desenvolvimento da linguagem, portanto é fundamental que a criança surda seja exposta à língua de sinais completa, em contextos de interação com usuários fluentes, professores surdos e/ou professores ouvintes bilíngues.