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Ensino por Mudança Conceptual

No documento capitulo_02 estado de oxidação (páginas 47-51)

5. Concepções Alternativas

5.1. Ensino por Mudança Conceptual

Nos programas das disciplinas do Ensino Secundário, em particular, da disciplina de FQA do 10º ano e da disciplina de Química do 12º ano, está patente a necessidade de desenvolver uma visão integradora da Ciência, da Tecnologia, da Sociedade e do Ambiente, partindo da discussão de grandes temas-problema da actualidade.

Neste espírito de trabalho, é visível a noção construtivista do conhecimento, pois o aluno é encarado como um sujeito activo no processo de ensino-aprendizagem e responsável pela construção do seu conhecimento.

Presentemente, rejeita-se a metáfora Homem-Máquina subjacente às Teorias Comportamentalistas, segundo as quais o mundo está completa e correctamente estruturado em termos de entidades, propriedades e relações e a experiência não desempenha nenhum papel na estruturação do mundo. Portanto, o significado é qualquer coisa que existe objectivamente, independentemente da experiência. O aprendiz apenas tem que prestar atenção aos estímulos de transmissão de saberes (instrução), praticar e demonstrar a mestria do conhecimento. (Duarte, 2003)

Estas teorias pressupõem que através de um processo de acumulação de “parcelas da verdade”, as mentes vazias das crianças vão ficando cheias com o verdadeiro conhecimento. Os defensores desta perspectiva atribuem ao professor a função de transmitir o corpo dos saberes e aos alunos o papel passivo de aceitar os factos apresentados, sendo a sua compreensão avaliada através de instrumentos que, a maior parte das vezes, apenas avaliam a capacidade de memorização dos mesmos. Thomaz (1987), refere que vários estudos demonstraram que o ensino conduzido meramente numa perspectiva de transmissão de um conjunto de conhecimentos, pouco ou nada contribui para a formação de cidadãos aptos a actuar eficazmente numa sociedade em rápido desenvolvimento.

Segundo estas teorias, os objectos de ensino mencionados nos programas actuais são considerados como metas do ensino e não como meios para se atingirem as aprendizagens pretendidas.

Por oposição, as Teorias Construtivistas, reconhecem o aluno como um sujeito interveniente na construção do seu conhecimento e encaram os objectos de ensino dos programas em vigor como instrumentos necessários ao acto de pensar.

Segundo Duarte (1993), estas teorias sustentam que o significado é imposto por nós ao mundo e não existe independentemente de nós. Assim, existem muitas formas de estruturar o mundo e muitos significados para qualquer conceito, visto que o ambiente e as experiências vividas são diferentes de sujeito para sujeito.

Jean Piaget, na década de 70, contribuiu muito para o desenvolvimento do construtivismo, pois durante os seus estudos, descreveu que os esquemas mentais resultavam de sucessivas fases de assimilação e acomodação, isto é, através da equilibração e da auto-regulação o indivíduo transforma as suas estruturas mentais de modo a adaptar-se ao mundo exterior.

Neste ambiente construtivista, George Kelly (psicólogo, matemático e físico), avançou com a analogia Homem-Cientista, segundo a qual o indivíduo deduz hipóteses, levanta questões, desenvolve metodologias, define instrumentos, produz dados, executa experiências, induz novas hipóteses e reformula no decurso da construção da sua realidade pessoal. Então, cada pessoa constrói para si própria um modelo representativo do mundo, o qual pode sofrer constantes mudanças e caminhar no sentido de permitir uma melhor previsão no futuro.

No entanto, actualmente, vigoram as ideias construtivistas de Gaston Bachelard, nascidas na década de 80. Para este, os alunos constróem o seu conhecimento com base nas concepções que já têm acerca do mundo que os rodeia - concepções alternativas, ou seja, as ideias intuitivas que os alunos embargam influenciam as futuras aprendizagens.

Com Bachelard, um tempo de mudança invadiu a inércia dos professores: as estratégias devem passar a constituir um meio para os alunos efectuarem uma aprendizagem significativa através de uma mudança conceptual. O papel do professor deixa de ser o de transmissor do conhecimento para passar a ser o de facilitador, no sentido de ajudar os seus alunos a progredir quer no seu desenvolvimento intelectual, quer na construção do seu conhecimento, usando como base o conhecimento já existente. Assim, é importante prestar atenção à natureza individual de cada aluno e conduzir o ensino na sua perspectiva. O seu papel de instrutor evolui para passar a ser o agente de mudança. A aprendizagem evolui da aceitação passiva dos saberes para uma exploração pessoal.

O termo predominante no pensamento de Bachelard é concepção alternativa (CA):

- concepção, porque se refere a representações pessoais, de raiz afectiva, mais ou menos espontâneas, mais ou menos dependentes do contexto, mais ou menos solidárias de uma estrutura e que são compartilhadas por grupos de alunos;

- alternativa, para reforçar a ideia de que tais concepções não têm estatuto de conceitos científicos, que diferem significativamente destes, quer a nível do produto, quer do processo de construção, e que funcionam para o aluno, como alternativa aos conceitos correspondentes (Santos, 1991).

As concepções alternativas, frequentemente, têm origem na necessidade que o ser humano tem de construir explicações para compreender o mundo em que vive e com o qual interage em todas as suas esferas: sensorial, social e cultural. As experiências vividas pelo aluno no ambiente da escola e das aulas têm igual contribuição para a formação de CA.

À medida que uma criança começa a explorar o seu mundo, constrói interpretações para os fenómenos que observa. A dada altura, o número de conhecimentos organizados internamente e integrados em esquemas de raciocínio é muito grande. Driver et al. (1985), referem que os esquemas são dotados de uma certa coerência interna. Assim, defende que as concepções que o indivíduo possui podem constituir uma base para a construção de novas ideias, visto que as primeiras se revelam para ele coerentes e lógicas.

É curioso notar o paralelismo que existe, por vezes, entre as concepções alternativas dos alunos e os modelos históricos da ciência. Por isso, algumas individualidades consideram que ao ser estudada a história da ciência se cria um ambiente eficaz para encorajar os alunos a ultrapassar as suas CA. Na próxima secção, irão ser apresentadas algumas semelhanças entre as CA sobre a Tabela Periódica e a sua história.

Depois de se terem descrito de forma breve os fundamentos das teorias Comportamentalistas e Construtivistas, prosseguir-se-á com a ideia do primeiro parágrafo. Sendo o aluno um sujeito com um papel activo na sua aprendizagem e com vivências próprias, as concepções alternativas assumem um papel central no processo de ensino-aprendizagem.

Todos os alunos, quando chegam à escola já têm ideias pré-concebidas sobre os comportamentos e fenómenos naturais que observam no seu dia-a-dia. Os professores têm que encarar essas CA como facilitadoras da aprendizagem e não como uma barreira à mesma, aprendendo a conhecê-las e a valorizá-las. Neste sentido, devem identificá-las (quando o processo é muito moroso, os professores podem recorrer à bibliografia existente) e, na sequência dos resultados obtidos, desenvolver estratégias significativas que provoquem a mudança conceptual e, consequentemente, a aprendizagem. No caso das ciências, as estratégias devem promover uma maior e mais fácil aproximação aos conceitos aceites pela comunidade científica.

As discussões sugeridas no programa vão de encontro a esta perspectiva de ensino, embora no referido documento não seja referenciado o paradigma da mudança conceptual.

Os problemas apresentados em ambiente de sala de aula, devem ter em conta as CA detectadas, para que através da discussão os alunos possam, de forma progressiva, construir novos significados e, como tal, um novo conhecimento químico. No diálogo que se gera, entre alunos e professor, para tentar encontrar soluções para a situação-problema apresentada, os discentes são confrontados com diferentes pontos de vista: o seu, o dos colegas, o da ciência (representado pelo professor) e, muitas vezes, com resultados experimentais. A possibilidade do aluno articular e confrontar as suas construções pessoais com as construções formais cientificamente aceites,

ajudam-no a tomar consciência das suas próprias ideias sobre as observações científicas e a compreender que o conhecimento deve estar sempre aberto à mudança e à revisão. Os estudantes devem concluir, por si próprios, quais são as ideias verdadeiras e devem ser capazes de as incorporar nas suas próprias visões do mundo. O facto deles terem que aceitar a opinião dos outros, permite-lhes desenvolver, ainda, outras capacidades, atitudes e habilidades científicas.

As ideias intuitivas que eles têm são, frequentemente, resistentes à mudança, mas quando o aluno entra em conflito com as suas próprias concepções (associadas ao senso comum) de forma significativa, tendo que as argumentar e defender livremente em discussão, acaba por, na maioria das vezes, transformá-las ou mudá-las para outras mais científicas. Nas discussões, o aluno tem realmente um papel activo, ou seja, aprende ciência através de uma interacção dinâmica: vai progressivamente construindo e reconstruindo as suas ideias acerca do mundo que o rodeia.

Em forma de conclusão, a discussão é uma estratégia que facilita e promove a mudança conceptual, encarando as concepções alternativas como facilitadoras da aprendizagem. Contudo, é preciso não esquecer que muitas CA permanecem para além da aprendizagem formal.

De acordo com a opinião de Santos (1991) “(...) o ensino das ciências não é tão efectivo quanto o professor pensa. O ensino de certos conceitos não tem impacto sobre concepções alternativas fundamentais. Estas são mascaradas pela memorização desses conceitos. (...) Conhecimentos que à primeira vista parecem rigorosos, lógicos e bem estruturados (mas que apenas resultam de uma colagem de conceitos) são, na primeira oportunidade, substituídos por concepções alternativas que continuam latentes e com a sua lógica própria.” Esta visão reflecte que, de certo modo, os alunos estão habituados a aplicar os conceitos científicos só em contexto escolar, pelo que facilmente os esquecem e voltam a utilizar as concepções alternativas primitivas para explicar determinada situação.

De acordo com Mortimer (1994), muitas vezes, após o ensino formal, coexistem as ideias novas e as antigas, em simultâneo, no pensamento das crianças, podendo cada uma delas ser empregue no contexto conveniente. O mesmo autor, adianta algumas razões que dificultam a mudança conceptual quando os alunos são sujeitos a estratégias de ensino, de origem piagetiana, que recorrem ao conflito cognitivo (tal como, a discussão):

- os alunos têm dificuldade em compreender o que o professor explica sem terem os pré- requisitos e as representações simbólicas próprias da cultura científica;

- os alunos têm dificuldade em generalizar algumas explicações, por não as reconhecerem como gerais e sim como um esquema particular;

- os alunos enfrentam dificuldades em reconhecer e vivenciar os conflitos a que ficam sujeitos durante, por exemplo, uma discussão.

Todos estes factores deixam as expectativas dos professores aquém da evolução esperada na direcção dos conceitos científicos.

Actualmente, são discutidos outros modelos alternativos para o ensino das ciências. Um dos que se encontra mais em voga é o Ensino por Analogias, visto que através dele os alunos já não têm que apresentar perante os outros as suas ideias. Assim, não tomam consciência do conflito inerente ao processo de aprendizagem e não perdem a sua auto-confiança. Do ponto de vista do estudante, os seus conceitos não estão errados, pois ele, intuitivamente, compreende as semelhanças e as diferenças entre a realidade e o modelo apresentado. Seria interessante explanar todos os pressupostos deste modelo de ensino, no entanto, tal abordagem não constitui o foco deste trabalho.

Por tudo isto, o ensino deve ser encaminhado atendendo ao modelo da mudança conceptual, que teve origem nas ideias construtivistas sobre o ensino e sobre a aprendizagem.

No documento capitulo_02 estado de oxidação (páginas 47-51)

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