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Com a chegada da família real e da elite lusitana, o governo passou a administrar o ensino e a ver a necessidade de criação de cursos superiores profissionalizantes em terras brasileiras, já

que, até aquele momento, a formação era adquirida na Universidade de Coimbra. Dom João VI criou, no primeiro momento, cátedras isoladas que funcionavam com um único professor lecionando em locais improvisados. A partir de 1813, as aulas independentes foram organizadas pelo governo e transformadas em academias, com estatuto, currículo, direção, funcionários, corpo docente e processo seletivo para ingresso, permanecendo esse sistema de ensino até a Proclamação da República.

Em 1808 foram criadas as escolas de Cirurgia em Salvador, a de Anatomia e Cirurgia no Rio de Janeiro, funcionando em prédios jesuíticos, formando as primeiras escolas de ensino superior. As escolas de medicina foram transformadas em faculdades, em 1832, e passaram a oferecer os cursos de Médico, Cirúrgico, Farmácia e Obstetrícia. Em 1884, após novo regulamento, essas instituições foram reformuladas e passara a oferecer os cursos de “Ciências Médicas e Cirúrgicas, em 8 anos, de Farmácia, em 3 anos, de Obstetrícia e Ginecologia, em 2 anos, e de Odontologia, em 3 anos” (CUNHA, 2007, p. 93). Na área médica existia ainda a faculdade de farmácia em Ouro Preto, cujo funcionamento datava desde 1839.

A Academia Real Militar, fundada no Rio de Janeiro em 1810, era frequentada por civis e militares que buscavam aprender as ciências exatas. Em 1858, após algumas reformas anteriores, a instituição foi dividida em Escola Central, oferecendo os cursos de Engenharia Civil28 e Engenharia Geográfica, e Escola Militar e de Aplicação do Exército, passou então a formar homens para a infantaria, artilharia e engenharia militar. A partir da Escola Central criou-se a Escola Politécnica em 1874, incumbida de formar quatro tipos de engenheiros - civil, industrial, de minas, geógrafo - e os bacharéis, que se tornavam professores de Química, Matemática e Física nas instituições de ensino secundário (CUNHA, 2007). Ainda na área de exatas, começou a funcionar em 1876 a Escola de Minas, em Ouro Preto, visando desenvolver o estudo das riquezas minerais do Brasil por meio da formação de agrimensores e engenheiros de minas.

Para a área jurídica, em 1827, instituíram-se um curso superior em São Paulo e outro em Olinda, posteriormente transferido para Recife, e transformadas em faculdades de Direito em 1854. Após cinco anos de estudo, os alunos recebiam o grau de bacharel ou de doutor, se desejassem defender teses públicas.

28 De acordo com Luiz Antônio da Cunha (2007, p. 150), o termo “civil”, como é empregado atualmente, passou a ser utilizado a partir do século XX. Antes, o termo era utilizado apenas para se diferenciar dos alunos militares, pois a engenharia do período era essencialmente voltada para a guerra.

O ensino da Agricultura também foi pensado para o Brasil. Desde 1812 foi instituído o curso com duração de dois anos na Bahia, que serviria de exemplo para as outras capitanias. Durante o período imperial, há menção de várias instituições espalhadas pelo país para o ensino superior em Agronomia, entre elas destacam-se as localizadas nas províncias da Bahia29, instituída em 1875, e no Rio Grande do Sul, em 188330.

Convém destacar ainda o Colégio Pedro II, que fornecia o título de bacharel em Letras para aqueles alunos que completassem os sete anos de estudo, que compunha o seu extenso currículo. Até o final do marco temporal aqui analisado, ergueram-se ainda importantes instituições superiores como a Faculdade Livre de Direito e a Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais, ambas no Rio de Janeiro em 1891, que se tornaram a Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro na década de 1920 (PAIM, 1982).

Os cursos citados acima tiveram longa duração e foram a origem de muitas das atuais universidades federais brasileiras. Luiz Antônio da Cunha (2007, p. 106) argumenta que vários outros cursos com o grau de superior foram criados após a transferência da Metrópole para o Brasil, mas “tiveram vida curta, apesar da importância cultural, política e econômica”. São os casos da cadeira de Economia Política (1808) e do Imperial Academia de Belas-Artes (1824), criada para desenvolver o ofício de marcenaria e da arquitetura, ambos no Rio de Janeiro; em 1817, instituiu-se a cadeira de Química na Bahia e a de História em Ouro Preto, que deveria ensinar Desenho Técnico também; para lecionar Música foram estabelecidas escolas na Bahia (1818) e no Rio de Janeiro (1841) e, em Pernambuco, foi criado o curso de Matemática Superior (1889).

Como demonstrado, até a virada do século, o ensino superior desenvolveu-se muito lentamente. Seguia o modelo de formação dos profissionais liberais em faculdades isoladas, e visava garantir diploma profissional com direito a exercer privilegiadas funções em um mercado de trabalho restrito, além de garantir glória social, já que esse nível educacional se destinava aos jovens herdeiros das elites. O diploma universitário era virtual requisito para ocupar cargo político no império brasileiro (LOVE; BARICKMAN, 2006).

29 Originou-se do “Imperial Instituto Bahiano de Agricultura”, criado em 1859. Cf.: IMPERIAL ESCOLA AGRÍCOLA DA BAHIA. In: Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930). Disponível em: <https://bit.ly/2y9Bwim>. Acesso em janeiro de 2018.

30 Surgiu com a função de, por meio da ciência, melhorar as raças e a economia agrícola, além de produzir vacinas para todo o império. Cf.: IMPERIAL ESCOLA DE MEDICINA VETERINÁRIA E DE AGRICULTURA PRÁTICA. In: Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930). Disponível em: <https://bit.ly/2MiyKua>. Acesso em janeiro de 2018.

Roderick Barman e Jean Barman (1976), ao analisar os integrantes da política imperial brasileira, argumentam que a primeira característica de um membro da elite era a alfabetização, pois ser letrado já configurava diferenciação em uma sociedade basicamente analfabeta. Assim, no período colonial, a educação, principalmente, o bacharelado, abria as portas da “boa sociedade”. A criação das faculdades em território nacional e o crescente número de titulados nas escolas de direito oitocentistas tornaram o recrutamento para os cargos políticos mais rigoroso. No entanto, a ocupação dos empregos públicos mantinha-se estreitamente vinculado às ligações parentais e redes de influência. O movimento republicano, formado por jovens graduados e desempregados da década de 1870, foi alimentado justamente pela desilusão que a falta de reconhecimento e de emprego dignos dentro do ciclo político imperial trouxe com o crescente número de advogados e os escassos cargos disponíveis. Poucos conseguiam adentrar a elite e os empregos como profissionais liberais não era o objetivo principal, a partir de então começaram as exigências de modificações nas estruturas de acesso aos altos cargos sociais do império.

Segundo Cynthia Greive Veiga (2007, p. 186) o ensino secundário funcionava como ponte de passagem para os exames de ingresso nas faculdades, pois para estudar nessas instituições, os jovens cidadãos tinham que obter a aprovação nos testes de aptidão intelectual. Essa preparação poderia ocorrer por variadas formas de estudo: em casa, com professor particular, cursando aulas avulsas, seguindo o cronograma de estudos nos colégios públicos ou particulares de ensino regular.

Desde 1808, os exames preparatórios eram realizados nos estabelecimentos de ensino superior e caberia aos alunos procurarem a instituição desejada para realizar a prova. A partir de 1837, para alavancar a matrícula no colégio secundário da corte (Dom Pedro II), foi decretado que todos os alunos que, alcançassem o grau de bacharelado na instituição, poderiam se matricular em qualquer curso superior sem necessidade de exames complementares.

Para facilitar o acesso dos estudantes às faculdades, o governo central passou, então, a realizar várias modificações: os exames preparatórios foram transferidos para a Corte e eram realizados perante uma junta especial. Depois coube às províncias organizarem a junta em suas capitais31;

o prazo de validade da aprovação nos exames passou a ser de dois anos e depois permanente; e as provas foram parceladas, permitindo-se realizar os exames de cada matéria no tempo e no

31 O Decreto 5.249 de 2 de outubro de 1873, expedido pelo Ministro João Alfredo, instituiu mesas gerais de exames nas províncias que não tinham faculdades para facilitar o acesso ao ensino superior, visto que a partir desse momento os discentes não precisariam se deslocar até ao Rio de Janeiro para realizar os exames obrigatórios (HAIDAR, 2008, p. 62).

lugar mais conveniente para os candidatos (CUNHA, 2003, p. 155). Com essas modificações, o governo pretendeu facilitar a entrada dos alunos ao grau superior de ensino, no entanto, todas essas modificações foram desastrosas para o já prejudicado ensino secundário regular, que sofreu cada vez mais com a falta de alunos, visto que as provas poderiam ser feitas a qualquer tempo e não necessitavam do diploma de ensino regular.

No período imperial brasileiro, os testes preparatórios para as faculdades tinham como premissa desenvolver o espírito e o caráter dos jovens alunos (HAIDAR, 2008, p. 78). Mas não cumpriu com a missão atribuída, já que ele apenas fornecia conhecimentos imediatamente necessários à realização dos cursos superiores, incentivando os estudos irregulares e reduzindo o preparo básico dos candidatos aos cursos superiores. As províncias se limitaram a ministrar nos colégios e nas aulas avulsas as disciplinas fixadas nos estatutos dos cursos superiores para admissão de matrícula, enquanto algumas outras disciplinas não cobradas nos exames sofriam com a falta de alunos ou nem eram ofertadas.

Podemos dizer, portanto, que a função atribuída aos estudos secundários, encarados no Império quase que exclusivamente como canais de acesso aos cursos superiores, reduziu-se aos exames preparatórios exigidos para a matrícula nas faculdades. Consubstanciando os requisitos mínimos necessários ao ingresso nos estudos maiores, os conhecimentos requeridos nos exames de preparatórios constituíram o padrão ao qual os estabelecimentos provinciais e particulares de ensino secundário procuraram se ajustar. Por outro lado, os reflexos das disposições do governo central relativas aos exames foram de tal modo decisivos, que os estudos das vicissitudes por que passaram os famosos exames parcelados constitui um dos mais importantes capítulos da história do nosso ensino secundário.

Em outra discussão, entre os deputados tentaram sanar os problemas do ensino secundário regular, equiparando as instituições secundárias provinciais ao Colégio D. Pedro II, permitindo ao governo central conceder auxílio financeiro a essas escolas que não estavam sob responsabilidade direita do império32. De acordo com Haidar (2008, p.39), muitos políticos,

embora não fosse consenso, desejavam a participação do poder imperial no ensino público como meio possível para erradicar os problemas. Alguns, no entanto, eram contrários por acreditar que desfalcaria os cofres públicos.

32 A ideia fez parte do projeto apresentado por João Alfredo em 1874 (art. 1º 12, IV), mas que só entrou em debate na Câmara dos Deputados no ano seguinte.

Mas nem todos os quesitos passaram por reformas, os conteúdos cobrados nos exames preparatórios, por exemplo, sofreram poucas modificações e continuaram com a predominância do ensino humanístico e literário. Somente em 1884, as faculdades de Medicina passaram a examinar a fluência dos candidatos na língua alemã e as noções de ciências físicas e naturais. Em relação aos cursos de Direito, incluíram-se a Álgebra, a partir de 1882, e o português, que se tornou obrigatório para todos os cursos superiores em 187033.

Mesmo com a reforma constitucional de 1834 e a descentralização do ensino, o governo central não abriu mão de influenciar esse nível ao estabelecer que os exames admissionais para as faculdades fossem de responsabilidade do poder central. Além disso, os colégios espalhados pelo território nacional eram a reprodução das disciplinas cobradas nesses testes. Assim, indiretamente, o poder imperial nunca deixou de controlar o nível secundário de ensino. Para Haidar (2008, p. 22), a exigência de aprovação nos exames preparatórios configurou-se no grande empecilho para o desenvolvimento dos estudos secundários , pois a conclusão dos estudos regulares nas escolas não era o suficiente para adentrar as faculdades. Ao exigir testes de proficiência, o governo central relegou os estabelecimentos provinciais a escassez de corpo discente, pois os alunos optavam por estudar nas províncias onde já existiam faculdades ou, quando conseguiam a aprovação dos testes preparatórios, abandonavam o ensino regular.