CAPÍTULO 2. PANTHEON DAS VICTORIAS LITTERRARIAS DA MOCIDADE: O
2.3. GUIAS PARA A BOA APRENDIZAGEM
De acordo com Gilberto Alves (2009, p. 5), os compêndios escolares nasceram para suprir a falta de professores capazes de ensinar, já que existiam poucos homens com formação suficiente para atender a demanda da educação universal, aclamada pelos franceses, como visto no primeiro capítulo. No Brasil do Oitocentos, os manuais tinham a função de integrar o ensino ministrado nas instituições ao ideal de civilização almejado pelo governo, divulgando os valores pautados na preservação da ordem e da boa sociedade, tendo como exemplo o ensino francês (MARIANO, 2008, p. 6). Até a década de 1870, existiam poucas casas editoriais em solo nacional capazes de acolher o mercado escolar e produzir livros escritos por autores brasileiros, por isso a supremacia de compêndios eram traduzidos ou adaptados para o português, tarefas muitas vezes realizadas pelos próprios professores (MATTA, 2010, p. 61). Assim, a primeira função assumida pelos compêndios refere-se à organização e à agilidade nas atividades educativas.
Em matéria publicada no jornal A Actualidade (1878, ed. 112, p. 4), na seção A Pedidos, consta uma reclamação do cidadão intitulado “Um pai de família” com severas críticas ao método
utilizado pelo professor de geografia para com as moças do Colégio Nossa Senhora da Penha. Na visão do leitor, a culpa pelo fracasso nos exames não pode ser atribuída somente à aluna, mas sim à forma como o professor utilizava os materiais didáticos. O “pai de família” argumenta que “o compêndio não é senão um anotado para ser desenvolvido pelo professor”, ou seja, o livro serviria para auxiliar os docentes nas aulas, não devendo ser o único método de ensino.
Em relatório apresentado à Assembleia Legislativa, o Presidente da Província, Antônio Joaquim Rodrigues, fez crítica semelhante. Rodrigues, ao discursar sobre o método de ensino, alegou que os professores simplesmente entregam os compêndios nas mãos dos alunos e “esperam que eles memorizem tudo o que está escrito” (APEES. Relatório ..., 15 de outubro de 1876, p. 95). A autoridade provincial asseverou que os livros didáticos se configuravam apenas um amontoado de assunto, sendo uma das atribuições dos docentes desenvolvê-los. Dessa forma, acreditava que cabia aos docentes comentar e explicar o conteúdo e exercícios contidos nos manuais. Esse método de ensino, inclusive, tornou-se umas das normas previstas no Projeto de Reorganização da Instrução Pública do Estado do Espírito Santo de 1890. Na proposta consta que o professor deveria, sempre que possível, preferir a exposição oral à simples leitura dos compêndios, pois o objetivo do ensino era ser prático, empregando linguagem clara e despretensiosa (O Estado do Espírito Santo, 1890, ed. 2154, p. 2).
Apesar da indicação para o manual didático não ser a principal forma de estudo, portar os livros era obrigação dos discentes. O jornal O Estado do Espírito Santo (1890, ed. 2325, p. 2), publicou notícia informando que o diretor da Instrução Pública, José Joaquim Pessanha Póvoa,57 visitou o Atheneu e verificou que dezesseis alunos não tinham o compêndio “Os Quatro Autores Clássicos”. Visto que já tinham sidos avisados da obrigatoriedade dos livros durante as aulas, os estudantes foram levados pelo porteiro e diretor da instituição para se apresentarem ao Governador Constante Gomes Sodré e justificar tal fato. O jornal informou que eles foram recebidos no salão de honra e, ao encontrar o governador, Póvoa fez um belo discurso sobre o regimento do Atheneu e da atual situação da instrução secundária, que vinha se agravando por causa do desinteresse de alunos como eles. Por fim, os redatores do jornal conclamaram os responsáveis pelos alunos a participar da “missão de ensinar”. Alguns dias depois, o mesmo jornal elogiou a atitude de Póvoa, pois houve verdadeira corrida dos estudantes aos livreiros em busca dos compêndios que lhe faltavam. O periódico ainda criticou o professor
57 Foi professor do Atheneu Provincial e inspetor da Instrução Pública na década de 1870, além de advogado, jornalista, político, escritor e poeta (SIQUEIRA, 2016, p. 72 - 73).
da disciplina que não informou aos responsáveis e deixou os alunos “pares de meses sem livros e sem lições” (O Estado do Espírito Santo, 1890, ed. 2034, p. 2).
No Atheneu Provincial, existiam regras para a escolha dos compêndios. O primeiro Regimento Interno de 1873 estabelecia regras para o processo de escolha dos livros que eram utilizados pelos alunos (Cf. O Espírito Santense, 1873, ed. 230, p. 1). Essa prerrogativa cabia à Congregação de Lentes do colégio, formada pelo Diretor e professores, que analisavam os exemplares e redigiam um parecer, posteriormente passado ao Inspetor Geral da Instrução Pública para sancionar a escolha. Quatro anos depois, em 1877, o novo Regulamento da Instrução Pública declarou que em nenhum colégio da província, de ensino primário ou secundário, poderia ser aceita a circulação de livros sem autorização do Conselho Central.58 Entendemos então que a Congregação dos Lentes analisava e aprovava uma listagem dos livros aptos para serem lidos pelos alunos do Atheneu, em seguida a listagem era enviada ao Conselho Central que acatava as decisões. Neste mesmo Regulamento foi definida multa entre 10$000 a 20$000 para os professores que burlassem a regra e indicassem leituras não autorizadas pelo governo provincial (Cf. O Espírito Santense, 1877, ed. 153, p. 2). Obrigava-se também os alunos a apresentarem no prazo máximo de 30 dias os livros, que eram escolhidos pela Congregação, ao docente responsável pela matéria (O Horizonte, 1885, ed. 17, p. 3).
Localizamos nos periódicos analisados a indicação de alguns livros utilizados pelos discentes e aprovados pelo governo para os anos de 1873, 1875, 1882, 1885, 1886 e 1890, como se vê a seguir.
Quadro 9 – Listagem de compêndios adotados no Atheneu Provincial (1873 – 1890)
Compêndio Disciplina Ano
Psicologia e lógica por Barthe Filosofia
1873
Gramática Sevene Francês
Gramática das Fables de Lafontaine Francês
História por Victor Duruy História
História por Macêdo História
Novo Curso Robertson Inglês
Selecta por Blair Inglês
Grámatica de Clintock a Sintaxe de Dantas Latim
Dicionário de Champie Latim
Curso Especial de Fernandes Pinheiro Literatura
Curso Superior de Sá Matemática
58 O grupo era formado por três membros mais o Inspetor Geral, sendo excluído a participação de professores públicos primários ou secundários (O Espírito Santense, 1877, ed. 152, p. 1).
Compêndio Disciplina Ano
Escrito de Freyre de Carvalho Retórica
Curso Especial de Fernandes Pinheiro Retórica
Novo método para ensino da gramática Latina Latim
1875
A vida do Padre Antonio Veira Latim
Trechos Clássicos de Nicolau Alves Literatura
Pedagogia por M. Cordeiro Pedagogia 1882
Chateaubriand Theattro Classico de Regnier Francês
1886
Geographia de Abreu Geografia
História Geral de Victor Duruy História
História do Brasil de Mattoso Camara História
1886
Macanlay Inglês
Grammatica de Severe Português
Os Quatros Autores “Lisboa, Caldas, Alexandre Herculano e Garret” Português
Ensaios Criticos e Paraiso Perdido de Milton Português
Grammatica de Motta Português
Chateaubriand Theattro Classique de Regnier Francês
Grammatica Franceza no Florilegio Brazileiro Francês
1890 História e Geographia do Brazil e Chorographia do Brazil, ambos escritos por
Moreira Pinto Geografia
Grammatica da língua Nacional por B. d’Oliveira Português
Leitura dos Classicos ou Poetas mais notáveis Português
Odie de Horacio Latim
Logfelloor, obras poéticas Inglês
J. Balmer, Bousem, tradução de Dictes Filosofia
O Caramuru de Jose Santa Rita Durão Literatura
História do Brazil por Mattoso e História do Brazil por R. Southey História
Fonte: MOACYR, 1940, p. 140; O Espírito Santense, 1875, ed. 65, p. 2; O Espírito Santense, 1886, ed. 9, p. 1;
Diário do Espírito Santo, 1889, ed. 2119, p. 4; O Estado do Espírito Santo, 1890, ed. 2216, p. 3.
Ao analisar a listagem dos compêndios adotados na instituição percebemos que no primeiro momento, em 1873, o conjunto de manuais era formado preponderantemente por livros estrangeiros. A partir de 1885, no entanto, nota-se a supremacia das obras nacionais. Para o ano letivo de 1890, a Congregação dos Lentes e professores do Atheneu publicou no jornal Diário do Espírito Santo (1889, ed. 2119, p. 4) que os livros utilizados nas aulas de Aritmética, Desenho Linear, História e Geografia Universal eram produzidos pelo Instituto Normal de Santa Catarina.
Dentre as obras citadas no quadro 6, André Luís Bis Pirola (2008, p. 75) esclarece que o livro Compêndio da História Universal59 , Figura , escritor por Victor Duruy, era um clássico da
literatura histórica e, ao ser adotado nos programas escolares brasileiros foram realizadas alterações, já que seu conteúdo original não abarcava o continente americano. Inserção que se considerava importante. Como consta na capa do compêndio, a primeira edição traduzida para o português data de 1865 e foi realizada pelo Padre Francisco Bernardino de Souza, professor de Latim e Português do Colégio D. Pedro II.
Figura 5 – Livro didático Compendio da História Universal escritor por Victor Duruy (1865)
Fonte: Livreiros Monasticon. Disponível em: <https://bit.ly/2wDyIpB>. Acesso em: agosto/2018.
Em pesquisa de mestrado sobre os manuais didáticos no ensino da província do Espírito Santo, André Pirola (2008, p. 72) argumenta que os professores poderiam traduzir livros estrangeiros ou mesmo utilizar no idioma de origem, entretanto, diversas traduções passavam por mudanças significativas para se adaptar à realidade nacional. As alterações, no entanto, deveriam ter a aprovação da Congregação de Lentes do Atheneu. Fato que não aconteceu com o compêndio Chateaubriand Theattro Classique de Regnier, cuja tradução não foi aprovada (O Espírito Santense, 1886, ed. 9, p. 1).
Outros exemplares didáticos adotados na educação provincial foram as Syntaxe Latina, Ortografia Sintaxe, Poemêto, Esboço Histórico dos Costumes do Povo Espírito Santense e Allocução Congratulatoria, todas escritas pelo lente de latim do Atheneu, o Padre Antunes de Siqueira, que lecionava na instituição desde 1877 (Commercio do Espírito Santo, 1897, ed. 282, p. 2). Dentre as obras em circulação pela província capixaba, cabe destacar a presença do manual Syntaxe Latina, escrita pelo Padre Siqueira em 1885 (O Espírito Santense, 1886, ed. 9,
p. 1). Sua função religiosa justifica seu entendimento na língua latina e a produção de material autoral para seu curso na instituição. O próprio Antunes de Siqueira anunciou no jornal O Constitucional (1885, ed. 31, p. 2), a doação de alguns exemplares desse livro para os alunos que não pudessem adquiri-lo.
No tocante à venda dos manuais no Brasil Império, as livrarias constituíam espaço privilegiado para o comércio dos impressos. Marco Morel e Mariana Monteiro Barros (2003, p. 80) informam que as tipografias instaladas na Corte eram locais de vendas, leituras e encontros. Em Vitória não era diferente. As tipografias capixabas publicavam anúncios informando a venda de livros e outros produtos impressos em seus estabelecimentos (BASTOS, 2016, p. 149). Em edição de 1874, do jornal O Espírito Santense (1874, ed. 329, p. 4), fora anunciado que os manuais, compêndios e biografias encontravam-se à venda na rua de Santa Luzia.60 Em outro anúncio, datado de 1883, e publicado no jornal O Horizonte (1883, ed. 10, p. 4), encontramos a listagem de compêndios do Dr. Abílio Cesar Borges, que eram adotados nas escolas públicas primárias do Espírito Santo (A Província do Espírito Santo, 1885, ed. 813, p. 3). A publicação informava que o material era vendido nas livrarias da Corte. Ao que parece, os proprietários das livrarias e diretores da escola na província adquiriam os manuais na capital do Império e revendiam nas cidades capixabas. Fora nesse sentido, por exemplo, o anúncio impresso no jornal A Província do Espírito Santo, de 1888. A publicação de Guimarães & Silva noticiava aos leitores a existência de variados títulos disponíveis no seu estabelecimento “Charuto Popular” e que “poderia, sob encomenda, mandar vir do Rio de Janeiro qualquer obra literária ou compêndio (O Espírito Santense, 1888, ed. 20, p. 4). Cientes do potencial de negócios, alguns estabelecimentos do Rio de Janeiro divulgavam seu acervo nos jornais do Espírito Santo, direcionando seus anúncios aos livreiros e diretores de colégios da província. Este é o caso da livraria Alves & C (Figura 6), que informara “vantajosos abatimentos” para os colégios e livrarias da província que adquirissem os compêndios à venda em seu ponto de comércio.
60 Até 1875 a tipografia do jornal O Espírito Santense estava localizado na rua Santa Luzia (BASTOS, 2016, p. 144).
Figura 6 – Anúncio de venda de manuais didáticos (1883)
Fonte: A Província do Espírito Santo, 1883, ed. 170, p. 4.
Sobre a circulação dos materiais didáticos, Maria Alayde Salim e Ueber José de Oliveira (2017) argumentam que a partir da década de 1870 abriram-se postos de vendas especializados na comercialização de livros, incluindo os didáticos, revistas e romances. Para os autores, o aumento na oferta estava relacionado à criação e manutenção de diversas escolas públicas e particulares, para ambos os sexos, na capital. Ao analisar os anúncios de vendas publicados nos jornais capixabas, como o da livraria Alves & C, percebe-se a grande quantidade de obras dedicadas ao ensino primário e secundário, livros que versavam desde história e geográfica, passando pela matemática e contos literários. Dentre os fascículos de literatura proposto aos alunos, destacavam as seletas literárias, além de escritos clássicos como Eneida de Virgílio e os Lusíadas de Camões (SALIM; OLIVEIRA, 2017, p. 50).
2.4. A IMPRENSA CAPIXABA E ESTUDANTIL: O VOCABULÁRIO SOBRE O