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Pode-se dizer então que tanto a Light quanto a Amforp a Chesf e a Cemig serviram na realidade como uma grande escola para os técnicos brasileiros?

Realmente todas essas empresas são grandes fontes de ensino e prestaram esse serviço de fonnação do nosso pessoal técnico. Mas a que teve maior influência foi a Light, que era a única grande empresa que havia no setor e da qual todo engenheiro eletricista era oriundo - mais tarde começaram a vir de outros lugarcs e mesmo da Escola Politécnica do Rio de Janeiro. O grande mestre no Brasil no campo da eletricidade foi mesmo a Light, que, além de prestar um grande serviço ao país na área técnica, formando engenheiros como o Júlio Miguel de Freitas, o Marinho Lutz e outros - conheço mais os de São Paulo -, prestou também na área econômica.

John Cotrim, que é um dos grandes engenheiros brasileiros, pode ser tomado como exemplo desse processo de fonnação técnica. Ele começou na Amforp, de lá foi trabalhar na Cemig com o Lucas Lopes. e se desprendeu para fazer Fumas. Fumas foi idéia do Cotrim, foi um pr�ieto idealizado e elaborado por ele, que era um homem de coragem para enfrentar qualquer -problema e contava com pleno apoio do Lucas Lopes, que por sua vez tinha o apoio do Juscelino. Quando da criação de Fumas, ficou evidente como essas iniciativas de govemo são perigosas, porque houve uma disputa acirrada para se fazer uma usina no rio Grande: a Cemigqueria, São Paulo queria, todo mundo queria.'" Quando fui para a Eletrobrás acabei afinal com essa briga, e foram construidas diversas usinas lá - creio que hoje há umas oito ou dez usinas no rio Grande.'"

Quando a situação mudou, em 1964, todos esses engenheiros eram ligados ao

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Um pioneiro da engenharia nacional o seu valor e não íamos fazer diligências para que saíssem. Hoje, pode-se dizer que esse grupo é o dono da eletricidade no Brasil.

Inauguração de uma das unidades geradoras de Furnas. Maio de 1965.

,. Uncoln Gordon (embaixador dos Estados Unidos no Brasil)

2. Mauro Thibau (ministro das Minas e Energia)

3. Otávio Gouveia de Bulhões (ministro da Fazenda)

4. Vitor da Silva (diretor do Brasil no 8/0)

5. Octavio Marcondes Ferraz (presidente da Eletrobrás)

6. John Cotrim (presidente de Fumas)

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o

senhor elogiou a Cemigdoponto de vista de uma " organização bem-jeita "

e " exemplo de boa administração ' '. Em que pontos se basearia, então, sua

crítica à atuação do Estado na economia?

Sou e sempre fui muito privatista, porque a empresa particular tem sempre melhor funcionamento do que a empresa pública. O governo é mau administrador não só no Brasil, como em toda parte do mundo, e isso vem sendo demonstrado na vida cotidiana. Minha posição está bastante clara nas conferências que fiz sobre a usina de Sete Quedas, depois crismada de Itaipu, que era uma obra de grande vulto. em que freqüentemente me perguntavam: "O senhor aeha que particulares podem fazê-Ia?" Eu respondia'. "Acho." Sc insistiam: " Por que o governo não deve ser o responsável pelo empreendimento?" Eu dizia: "Porque embora haja a ilusão de que o governo tem dinheiro. ele não tem. O que o governo tem na realidade é o poder de império de vir buscar no nosso bolso de modo mais ou menos arbitrário o tanto de dinheiro que quer. quando quer e como quer. E geralmente para administrá-lo mal. por causa do seu anonimato." Os funcionários públicos, sobretudo os titulados - engenheiros, advogados, médicos -, acham sempre que os estamos atacando como profissionais. Não é verdade: eles são oriundos das mesmas escoias que nós, podem ter os mesmos conheciinentos e até os mesmos principios. Mas o anonimato de que desfrutam e a falta de independência que têm para agir acarretanl uma diminuição de sua capacidade gerencial e administrativa, oque não ocorre com as pessoas na empresa privada.

Por diversas vezes conversei sobre esse assunto com o general Geisel, que chefiava a Casa Militar do governo Castelo Branco e era grandemente estatizante. E ele me dizia: "Conheço inúmeras empresas particulares mal-administradas." Aoque eu respondia: "Mas jamais neguei que houvesse empresas particulares mal-administradas. O que rejeito é que á má administração da empresa pública corresponda o aumento dos impostos no nosso bolso. Porque se os bancos e empresários da iniciativa privada fazem maus negócios, vão à falência, ao passo que as empresas oficiais suprem seus enonnes déficits utilizando-se do sistema de que dispõcm de imprimir dinheiro à vontade. muitas vezes contrariando a lei, sem pedir permissão ao Parlamento." Todos os govemos abusaram dessa facilidade de emitir dinheiro. mostrando-se incapazes dc administrar. Se, ao contrário, cuidassem bem dos serviços que são da sua competência, como a educação, a saúde pública. as forçasannadas. a diplomacia. sobraria dinheiro nas mãos de particularcs para resolver os outros problemas.

Mas isso não acontece, primeiro porque há muita gente que é socialista. que acha quc tudo deve ficar sob a tutela do Estado. Hoje temos uma grande prova de que

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o socialismo não dá certo com a Rússia, que fez o socialismo integral, como eles pregavam, E de grande produtor, de celeiró do mundo, tomou-se um país importador de grãos, onde as indústrias não funcionam, nada funciona, e onde grande parte dos recursos é destinada ao terreno bélico, ao terreno militar, porque eles acham que é pela força, tendo um grande exército, uma grande organização militar, que podem se impor. '.

É

inegável que o governo não tem dinheiro, Quando um país se toma independente, como Bangladesh, por exemplo, a primeira coisa que faz é um empréstimo para comprar mesa para o funcionário poder trabalhar, Onde está o dinheiro do governo

se ele precisa ir buscar no bolso dos outros? Os homens públicos não compreendem que o Brasil não é suficientemente capitalizado porque o governo vem buscar o dinheiro no nosso bolso, emprega-o mal e impede que nós, particulares, possamos investir diretamente. sem precisar de sua intermediação, Sempre sustentei e sustentarei essa tese, até que me provcm o contrário,

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