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A primeira vez que fui a Penitenciária Feminina Madre Pelletier como pesquisadora passei por um processo semelhante àquele que vivi nas vezes em que ali estive como repórter. Talvez com um pouco mais de burocracia e explicações.

Cheguei cerca de uma hora mais cedo do que havia combinado com a diretora da unidade. Por isso, aproveitei para observar os arredores do presídio. Por volta das 13h do dia primeiro de junho de 2011, encontrei parada ali na frente do muro da Penitenciária, dona Laci24. Fiquei observando ela a uma certa distância, até que ela percebesse minha presença. Aproximei-me e comecei uma conversa. Descobri que ela é mãe de uma mulher presa há oito dias, por porte de entorpecentes. A filha está grávida de cinco meses. Laci estava na fila desde ás 11h e aguardava para fazer uma carteira de visitas. Ela foi informada que, devido ao grande movimento da casa no dia, provavelmente, só seria atendida por volta de 14h30 min. Então ela suspira e afirma: “Fazer o quê? Quem precisa sou eu. Tem que esperar... A gente é mãe e mãe não pode abandonar a filha numa situação assim.”

24 A história de Laci foi mencionada anteriormente no item 3.3 ao falarmos sobre “Mulheres e Gênero”.

Mais próximo do meu horário de visitas, toquei o interfone e me identifiquei. A funcionária que me atendeu pediu para que eu aguardasse um instante para que ela verificasse se a diretora estava por ali. Quando o grande portão de ferro se abriu e, na seqüência, a porta de vidro, fiquei na ante-sala, onde tive que deixar meus pertences (bolsa, celular, etc). Ingressei somente com minha carteira de identidade na mão, meu gravador, um caderno e uma caneta.

Passo por mais uma porta cadeada e tenho acesso à recepção, onde me identifico novamente e entrego minha carteira de identidade à recepcionista. (Normalmente, quando ia à Penitenciária como jornalista, eu não necessitava parar nesta ante-sala, apenas seguia direto à recepção, onde ficavam meus pertences e entregava minha identidade). A recepcionista se certifica mais uma vez sobre o fato de eu estar sem celulares e questiona sobre a presença do gravador. Explico que ele será necessário para fazer a pesquisa. E então, sou levada até a sala da direção que fica no mesmo corredor de outras salas administrativas.

Sou recebida pela diretora da Penitenciária, Roselena Gonçalves. Roselena atua há 21 anos no sistema prisional e está na direção da Penitenciária Feminina Madre Pelletier desde o início do ano – “uma velha conhecedora do sistema”, como ela mesma se define. Explico a ela que minha idéia era fazer uma pesquisa de campo, entrevistando presas para entender o que elas consumiam de produtos midiáticos, ouvir suas histórias e tentar entender a relação delas com a mídia.

Digo que minha idéia era selecionar aleatoriamente presas de espaços diferentes da penitenciária (pois eu já sabia que o perfil das apenadas varia de acordo com o espaço que ocupam ali dentro). E acrescento que o interessante para mim seria poder conversar com elas nas celas, ou espaços em que elas ficassem mais a vontade. Para que eu pudesse acompanhar mais de perto o cotidiano das mesmas. E que meu interesse, inclusive, passava por assistir TV com elas.

Embora receptiva, Roselena vai desconstruindo aos poucos meus desejos, tendo em vista determinados procedimentos que deveriam ser cumpridos. Entrevistá-las individualmente e depois formar um grupo, isso, sim, seria possível. Porém, o espaço não poderia ser a própria cela, mas teria que ser outro, onde a gente pudesse ficar sob observação de um funcionário. Além disso, as entrevistadas teriam que ser selecionadas pela direção “por questão de segurança”. Não sei se consegui esconder minha decepção, todavia, eu pensava no fato de que era preciso primeiro “ingressar” no sistema. Depois, eu veria o que iria acontecer.

Nesta primeira conversa, ela já me deu algumas pistas do que se passava naquele ambiente em relação à mídia:

“Elas assistem a novela da Globo e ao „Gordinho‟. Só que elas dizem que não gostam do Gordinho. Então eu pergunto: se vocês não gostam por que assistem? E elas respondem que é pra ver quem foi preso.”(Roselena)

Na seqüência, ela chamou Elena, uma detenta, de bom comportamento, para que a gente tivesse uma primeira conversa, ali mesmo, na sala da direção, para eu ter uma idéia do que estava por vir. A conversa com Elena, portanto, embora tenha me sido extremamente útil para o ingresso em minha pesquisa, não foi feita nos moldes das demais. Essa se deu mais como um jogo de perguntas e respostas, bastante focado nos aspectos midiáticos. Todavia, foi Elena que me deu uma pista sobre as múltiplas prisões vividas pelas mulheres – Elena falava muito nos filhos que estavam foram da prisão, na saudade e na culpa que a envolvia por não estar acompanhando o desenvolvimento deles. À Elena eu agradeço o fato de ter me mostrado o quanto a maternidade se constrói como um tema de extrema importância na cadeia.

Depois deste primeiro encontro, combinei com Roselena que ligaria semanalmente para agendar as conversas. No entanto, comecei a enfrentar dificuldades já que Roselena já não me atendia mais, assim depois daquela primeira conversa, a pesquisa de campo esteve parada por três meses.

Apenas em setembro/2011, consegui falar com a direção do presídio novamente. E, para minha surpresa, não era mais Roselena que ali estava. Duas novas diretoras foram empossadas: duas psicólogas. Elas me informaram que não sabiam de nenhuma pesquisa. Disseram que, para fazer trabalhos deste tipo, era necessário solicitar uma nova autorização junto à Susepe.

Diante destes fatos, eu procurei novamente a assessoria de imprensa da Susepe, expliquei o que estava se passando. Por intermédio desta assessoria, consegui retornar ao presídio.

Assim sendo, retornei à penitenciária, em outubro de 2011. Conversei com as novas diretoras e apresentei novamente minha idéia de pesquisa. Mais uma vez, ouvi que a escolha das apenadas deveria ser feita pela direção da casa prisional. Além disso, fotos e visitas às celas, só seriam permitidas mediante autorização do juiz da Vara de Execuções Criminais. Assim sendo, as entrevistas teriam que ser realizadas em uma sala que fica no mesmo corredor das salas administrativas, no

primeiro andar da unidade, onde o fluxo de pessoas é grande e, por conseqüência, o monitoramento de segurança também. Agendei minha primeira conversa para a semana seguinte, realizando uma série delas até novembro de 2013.

A sala que usamos para fazer as conversas é a mesma utilizada pela assistente social. Tem uma janela grande e velha que dá para o pátio da penitenciária e que fica, normalmente, fechada. Isso não impede que o ruído chegue até a sala. Freqüentemente, ouvíamos as brincadeiras, discussões e conversas do pátio dentro da sala. Há uma mesa redonda e algumas cadeiras de ferro que abrem e fecham, como estas que são comuns em bares. Eu ficava na sala e as presas eram levadas até ali, escoltadas por agente prisional.

No dia de meu primeiro encontro individual, quando a primeira entrevistada chegou, a agente prisional que a conduziu até a sala deixou a porta aberta e ficou parada a observar o que seria feito. Expliquei à carcereira então que eu precisava fechar a porta, pois, gostaria de ter privacidade com a detenta. Ela permitiu. Ficamos então fechadas na sala por aproximadamente quatro horas. Por vezes, porém, algum agente penitenciário abria a porta sem bater para “saber se estava tudo bem ali”.

Para todas as mulheres eu explicava inicialmente meu objetivo de pesquisa e na seqüência pedia a mesma coisa: me conta a sua história de vida.

Já no dia em que fizemos o grupo focal (cerca de um mês após as entrevistas individuais), fomos levados para uma sala no segundo andar. Era na verdade uma espécie de salão, com quadro negro, uma mesa grande e algumas classes. Para chegar até lá, precisamos passar por uma grande porta de ferro e grades que separam o corredor do primeiro andar onde ficam as salas administrativas, do acesso para as celas. Enquanto eu e outras detentas subíamos as escadas (sempre escoltadas por agentes prisionais) para ter acesso ao salão e enquanto aguardávamos que o espaço fosse aberto, outras presas nos observavam de suas celas e gritavam, faziam graça, mexiam com o grupo que ali estava.