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6 SOBRE QUEM FALAMOS UMA DESCRIÇÃO PARA CONHECER MELHOR

7.5 SEXUALIDADE

Embora a visita íntima seja permitida no sistema prisional brasileiro tanto aos homens quanto às mulheres, o Censo Penitenciário revela que 65% dos presos recebem visitas das companheiras. Enquanto isso, apenas 18% das presas recebem

visitas dos companheiros38. Se há poucas visitas íntimas e, como já relatamos antes, o espaço para individualidades é pequeno, a intimidade e a sexualidade passam a ser temas abordados com certa restrição dentro da cadeia feminina. Em nossos diálogos com as apenadas percebemos que a sexualidade passa por experiências com outras presas, pela vivencia de um sentimentalismo à distância (como a troca de correspondências) ou pela tentativa de “apagar” esta área da vida.

Simone nos conta que não vê seu companheiro desde que foi presa, já que ele também cumpre pena. No entanto, quando apenas ele estava detido, a vivencia da sexualidade do casal se passou sempre no universo prisional (os dois se conheceram dentro do presídio e nunca viveram a relação matrimonial com ambos em liberdade).

Entramos no Central (Simone e a mãe dela) pra visita, em 1997, e meu irmão ficou na mesma galeria que o pai das minhas filhas. Ele era paneleiro. E fui pegar comida pro meu irmão. Era arroz, alface e galinha. Insisti que queria comer e ele perguntou de quem eu era visita. Ele gostou do meu jeito. Pediu pra eu ter calma. Fui pra perto do meu irmão e ele ficou parado me olhando. Fui lá e xinguei o paneleiro novamente. Meu irmão disse pra eu me acalmar. Daquele dia em diante o paneleiro disse que tinha fechado uma coisa comigo e com ele. Meu irmão escreveu um bilhete por ele endereçado a mim, porque ele não sabia escrever. Ele queria

conversar comigo. Fui, e ele me recebeu na cela dele. Disse que havia gostado de mim e que estava há muito sem visita. Estava gago de tão tímido. Falei do

episódio da comida e ele me disse que havia regras aqui. Falei que já tinha um

filho e que não ia dormir na cama com ele porque não podia ter mais. Ele falou que queria só visitas minhas. Me chamou de danadinha. Mandou eu conversar

com a mãe dele. Depois de quatro meses tivemos visita íntima. Ele era virgem. Ele estava de calça branca e jaqueta quando disse que nunca havia transado com mulher nenhuma... Eu fui a primeira mulher da vida dele.

Helen: É muito complicado essa vida de mulher de preso? Levar comida,

visitar, levar os filhos pra visita?

Simone: É complicado. Não sabia quanto tempo ele ia ficar lá. Aê foi julgado

por homicídio quando era novinho. Me apaixonei. Agora está com 33 anos. Fiz

todas as minhas filhas dentro da cadeia. Uma em cada penitenciária. Aqui a

38 Esse dado foi retirado da Reportagem “Profissão Repórter” em 21/01/2007. E pode ser conferido no link: http://www.youtube.com/watch?v=HPnSA_iycyk

cada 15 dias o casal pode ter visita íntima. Mas quem vem visitar é mãe, filha. Marido só se ama demais a mulher. (Simone)

Falar de sexo com as mulheres foi uma dificuldade a parte. Embora respondendo alguns questionamentos que fiz, percebi que o tema envolve muito tabu e poucas falam com a mesma naturalidade da fala de Simone. Apesar de todas terem comentado a existência de casais homossexuais na prisão, nenhuma fala tão abertamente sobre o tema e, neste grupo de mulheres, todas tratam o sexo como uma questão a ser deixada de lado durante o período prisional. Veri exemplifica:

Não penso nisso (em sexo). Há lésbicas aqui. Mas eu evito ver cenas que estimulem. E não penso. Mulheres daqui não recebem visitas de maridos quase. Poucas. O homem não é mais companheiro da mulher. A mulher é do homem.

(Veri)

Essa não vivencia da sexualidade corrobora para o sentimento de solidão que já mencionamos aqui. Apesar de viver constantemente em grupo, as presas relatam sempre uma vida solitária dentro da cadeia. Foucault (2009, p. 138) nos lembra que esta solidão é uma das características fundamentais do ambiente prisional e disciplinar: “[...] o espaço das disciplinas é sempre celular. Solidão necessária do corpo e da alma, dizia um certo ascetismo: eles devem, ao menos por um momento, se defrontar a sós com a tentação e talvez com a severidade de Deus.”

Nenhuma das mulheres com quem conversamos recebe visita de marido ou namorados. A maior parte delas tem os companheiros também detidos, o que inviabiliza as visitas. Todavia, depois da prisão, poucas ainda se comunicam com seus companheiros. Segundo elas, mesmo quando tomam iniciativa de escrever para seus companheiros, as respostas por parte dos homens são menos freqüentes (embora este não seja um código explicito, percebemos que escrever cartas se torna uma forma de manter os relacionamentos quando ambos estão presos). Ou seja, depois de ingressar no universo prisional, as mulheres sofrem uma espécie de abandono por parte de maridos e companheiros. E o que nos chama mais atenção é que este abandono é tratado por elas como algo já esperado, uma naturalização que aparece nas falas delas com freqüência:

O homem não é mais companheiro da mulher (Veri)

Mas quem vem visitar é mãe, filha. Marido só se ama demais a mulher.

A sexualidade costuma ser extrapolada mais no coletivo do que no individual: quando alguma figura masculina aparece no presídio, é comum que a cadeia entre em “ebulição” com muitos gritos e brincadeiras por parte das presas que “assediam” a figura masculina em questão. Quando o assunto é abordado porém de forma particular, as mulheres costumam tratá-lo como algo a ser “esquecido”, “deixado de lado”, ou, “melhor nem pensar”. Se a vivencia da sexualidade é pouco exercida entre as presas e seus companheiros a sentimentalidade, porém, é bastante vivida dentro do presídio. Seja pela construção de laços de amizades, seja pela nutrição de laços parentais (com mães, filhos e irmãs). E uma das maneiras de se viver essas afetividades, como veremos na próxima abordagem, é através da mídia.