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ENTRAVES HISTÓRICOS DA COMUNICAÇÃO NO BRASIL

No documento josetarcisiodasilvaoliveirafilho (páginas 54-60)

3. DESAFIOS PARA A QUALIDADE AUDIOVISUAL: CONTEXTO

3.2 ENTRAVES HISTÓRICOS DA COMUNICAÇÃO NO BRASIL

O modelo comercial de exploração da radiodifusão no Brasil, marcado pela atuação de empresas privadas e pela concentração de alguns grupos familiares, determinou não só a

configuração midiática atual da televisão brasileira, mas também aspectos históricos sobre o desenvolvimento da plataforma audiovisual no país. Muitos autores, como Mattos (1990), consideram como ponto de partida a criação da TV Tupi de São Paulo, em 18 de setembro de 1950, pelo jornalista-magnata Assis Chateaubriand, integrando o conglomerado ou condomínio do grupo Diários Associados.31

Esse marco na história da comunicação brasileira pertenceria ao que o autor chama de Fase Elitista, na qual se relaciona o ato de assistir televisão à elite – já que poucas pessoas32 tinham acesso aos televisores que chegavam a custar pouco menos do valor de um carro popular. Foi também naquela época que as televisões se firmaram na publicidade e nos patrocínios de empresas privadas para sustentar o “negócio” que havia se tornado a televisão nacional. O primeiro jornal brasileiro “Repórter Esso”, veiculado de 1952 até 1970, demonstrava essa perspectiva.

Ainda segundo Mattos (1990), “nesta primeira fase a televisão caracteriza-se, principalmente, pela formação do oligopólio dos Diários Associados” (MATTOS, 1990, p.12). Atualmente, a Fundação Assis Chateaubriand, em sua página na internet, relata a perspectiva dos Diários Associados a respeito de sua contribuição e de seu protagonismo para o desenvolvimento da imprensa brasileira. A Fundação cita que Assis Chateaubriand e os Diários Associados contribuíram para “o desenvolvimento de uma imprensa livre, moderna, ousada e de qualidade no Brasil – além de outras importantes inserções socioculturais”.

Também é importante destacar, além do vínculo com as publicidades, a dependência com o estrangeirismo. Na história da mídia privada, essa relação ficou mais evidente após a parceria da Globo com a Time/Life, demonstrando a criação de um modelo brasileiro de desenvolvimento apoiado no capital estrangeiro, aliado a grupos nacionais (MATTOS, 1990, p.13). O grupo americano Time/Life foi responsável, inicialmente, pelo respaldo financeiro e técnico para a criação da Globo, em 1965.

Um dos motivos do sucesso da TV Globo é apontado pelo autor como sendo o reconhecimento de seu mercado. Percebe-se que, neste momento, a audiência já era tratada como fator estratégico para o negócio. Assim, “se a classe C constitui a base da audiência,

31 Apesar de muitas obras considerarem o pioneirismo da TV Tupi de São Paulo nos anos 50, alguns autores, como Ricardo Beghini (2013), apontam que a primeira transmissão de TV aberta no Brasil aconteceu em 1948, pelo técnico em eletrônica Olavo Bastos Freire, em Juiz de Fora. Entretanto, não havia se constituído ainda uma emissora. A transmissão teria sido pontual com presença de público e autoridades.

32 Em 1950, de acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (ABINEE), haviam 200 televisores no país. No final da década de 1960, 598 mil. Segundo dados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, 95,1% das residências brasileiras possuíam ao menos uma televisão. Segundo Mattos (1990), o censo de 1980 considerava a presença da televisão em 55% dos lares.

nela se dá a decisão majoritária; também em sua função devem ser montados os padrões de produção e mercadológicos” (MATTOS, 1990, p.14).

A TV Globo também teve um papel importante para a definição do que é até hoje um dos principais aspectos de qualidade da televisão nacional: a questão técnica. Esse amadurecimento tecnológico, que teve como principal marco as imagens coloridas, aconteceu na fase chamada por Mattos (1990) de Fase do Desenvolvimento Tecnológico (1975-1985). Entretanto, o aspecto qualitativo era ofuscado pela parceria emissora-governo militar – onde os telejornais acabavam se tornando porta-vozes daquilo que os militares julgavam ser de interesse público. Essa constatação permaneceria inclusive na implantação do novo governo, nos moldes democráticos, no final da década de 1980.

Como no regime militar, o governo da Nova República também se utilizou da mídia eletrônica para obter respaldo popular. A Rede Globo, por exemplo, continuou a servir ao novo governo da mesma forma que ao regime militar (MATTOS, 1990, p.18).

A dependência das emissoras de TV brasileiras do governo esteve presente ao longo da história. Primeiramente, pelo poder do executivo no poder de concessão dos canais. O próprio Código Nacional de Telecomunicações (CNT/1962) demonstra pontos centralizadores, como o dever do ministro de Comunicações de averiguar se o solicitante tem ou não condições de operar uma emissora. “Historicamente, fosse o presidente civil ou militar, ele tem sido absoluto no exercício desse poder, na maioria das vezes, guiado exclusivamente por razões de natureza político-partidárias” (JAMBEIRO, 2008, p.90).

Ao acatar esse vínculo, entre outros fatores, autores contemporâneos questionam o modelo-padrão adotado pela Rede Globo como referência de qualidade. Para Cannito (2010), o padrão de qualidade da emissora seria apoiado no bom gosto e no apuro técnico. O primeiro se refere a uma estética da classe média. O Programa do Chacrinha é utilizado como exemplo, já que não seria considerado como um programa de qualidade por conter atrações popularescas – apesar de hoje ser reconhecido como um clássico com reconhecida qualidade artística (CANNITO, 2010, p.32). Ainda segundo o autor, “também a música ‘brega’ de compositores populares foi praticamente proibida na emissora, e a trilha das novelas só tocava música considerada de bom gosto, da MPB Clássica” (CANNITO, 2010, p.32). Apesar dos valores elencados, Canitto (2010) considera que com a entrada da emissora no que denomina de “era Big Brother”, a qualidade atribuída à TV Globo estaria restrita ao padrão e apuro técnicos.

É interessante notar que neste breve histórico sobre a televisão brasileira, perpassando por alguns indícios, ainda que superficiais, da discussão de qualidade, não há menção sobre o surgimento da TV Pública. Apesar de utilizar como referencial a obra de Mattos (1990), que se propôs a traçar um perfil dos primeiros quarenta anos de história da TV brasileira (1950- 1990), a discussão sobre TVs educativas criadas na década de 1960 não é aprofundada. Entretanto, nota-se, que no capítulo dedicado ao levantamento das principais pesquisas sobre a televisão brasileira até aquela data, as TVs educativas já se tornavam objeto de estudo de algumas dissertações e teses.

Nesta perspectiva, alguns estudos buscaram demonstrar a importância de personagens que contribuíram para a história da comunicação no Brasil, já que muitos apontavam Chateaubriand como o principal protagonista da implantação e do desenvolvimento da televisão no Brasil. Um deles é Roquette-Pinto, considerado por muitos pesquisadores como o “pai da radiodifusão” no Brasil.

Médico, antropólogo, jornalista, escritor, Roquette-Pinto é apontado como um dos pioneiros na implantação do rádio no Brasil. Entretanto, Carrato (2013) demonstra seu pioneirismo também na difusão da televisão e de seu caráter educativo, numa época onde a taxa de analfabetismo superava 50% no país. Deve-se considerar também que Roquette-Pinto legalizou, na década de 1920, a primeira rádio dedicada a veicular conteúdos educativos, a Radio Sociedade do Rio de Janeiro – que, em 1936, foi entregue ao Ministério da Educação para que não se tornasse uma emissora comercial como as que se popularizavam na época (CARRATO, 2013, p.129).

A experiência no rádio e o anseio em levar a educação para as novas tecnologias que surgiam fez com que Roquette-Pinto, utilizando-se de métodos primitivos, realizasse a primeira transmissão de imagens com montagem de equipamentos feita no Brasil. Ele instalou o aparelho de emissão na sede da Rádio Sociedade e um receptor na residência de um amigo. “No futuro, o cronista Antônio Maria destacaria esse fato, lembrando que graças a Roquette- Pinto, as primeiras imagens mostradas pela TV brasileira não foram as de um anúncio comercial e nem o retrato do presidente” (CARRATO, 2013, p.103).

Deve-se considerar que as primeiras visualizações da televisão no país, porém com tecnologia estrangeira, ocorreram em 1939, na Feira de Amostras do Rio de Janeiro. “Durante quinze dias a TV, que já era operada regularmente nos Estados Unidos, na Alemanha, na União Soviética, na Inglaterra e na França, pôde ser vista pelo público carioca” (BARBOSA, 2013, p.258).

Apesar do crescimento do número de canais e da exploração de emissoras de TVs privadas na década de 1950, houve tentativas para fundar TVs públicas voltadas para o

interesse público. Um dos projetos era o de conseguir um canal de TV para a Rádio Nacional. Pleiteada pela diretoria da rádio, a implantação do canal televisivo deveria ser concluída em 1957. Mas, devido à pressão de Chateaubriand, já que a Rádio Tupi possuía audiência menor do que a da Rádio Nacional, o governo Kubitschek não concedeu o sinal, como Ângela Carrato narra em sua tese de doutorado:

Ao tomar conhecimento do projeto preparado pela direção da Rádio Nacional, Chateaubriand ficou possesso. Se como rádio, a Nacional já lhe tirava o sono, não era difícil imaginar o estrago que uma televisão do mesmo grupo poderia causar aos seus empreendimentos. Como a Rádio Nacional era muito querida e ele não pretendia se indispor com os ouvintes, passou a agir diretamente sobre Juscelino para que a televisão não saísse do papel. Enquanto a Rádio Nacional fazia o que podia para obter a almejada concessão, Chateaubriand atuava em sentido contrário (CARRATO, 2013, p.141).

O canal 4, que era pleiteado pela Rádio Nacional, acabou sendo destinado, por Juscelino, para Roberto Marinho/Rádio Globo (CARRATO, 2013, p.141). Iniciava então a configuração oligopolista da mídia brasileira que perdura até os dias atuais. Esse contexto histórico demonstra também como a TV Pública e, futuramente, a educativa seria tratada pelos governantes e pelo empresariado do ramo da comunicação ao longo dos anos. Até mesmo a criação das TVs educativas na década de 1960 seria alvo de sufocamento pelos grandes grupos de comunicação, a começar pela legislação que limitava o financiamento, gerando dependência do Governo Federal. O Código Brasileiro de Telecomunicações também restringia a posse dessas emissoras a quatro categorias, que seriam a União; os estados, territórios e municípios, as universidades; e as fundações brasileiras

Apesar de serem disponibilizados 98 canais para as emissoras educativas, o desenvolvimento das emissoras de TV do campo público foi lento.33 A primeira, TV Universitária de Pernambuco, surgiu em 1967. A TV Cultura, em 1969. Até 1977, apenas nove haviam sido criadas. Neste cenário, algumas emissoras comerciais tinham interesse em ocupar esse espaço que deveria caber às emissoras educativas (CARRATO, 2013, p.219). No início da década de 1980, por exemplo, a Rede Globo começava a veicular o Telecurso Primeiro Grau – financiado pelo MEC. “A liberalidade do governo para com a Rede Globo contrastava com a rigidez em se tratando de recursos para as TVs Educativas” (CARRATO, 2013, p.166).

33 A lentidão no desenvolvimento das emissoras de TV do campo público se deve a diversos fatores. Um deles é a questão do financiamento. A legislação proibia a captação de recursos via publicidade. Também não havia meios de repasse mais efetivos. A dependência do governo e a recusa de projetos de desenvolvimento contribuíram para o atraso destas em relação às emissoras privadas.

Enquanto recursos eram negados para a modernização das TVs Educativas, empréstimos eram viabilizados para projetos elaborados pela Rede Globo para a área da educação, como é o caso do “Projeto Global de Teleducação”, da Fundação Roberto Marinho e da Universidade de Brasília (UnB) (CARRATO, 2013, p.176). A própria criação da TV Futura pelo grupo Globo pode ser vista como uma tentativa de tomar o espaço das emissoras educativas. Criado em 1997, o canal se destina a divulgar programação educativa. Entretanto, Carrato (2013) afirma que um dos objetivos seria o de mais uma vez tentar obter benefícios financeiros de projetos voltados para a educação.

Exemplo disso foi a solicitação feita pela Fundação Roberto Marinho ao Governo Federal, em 2005, com o objetivo de manter o certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas), que lhe garantia isenção de impostos e demais benefícios previstos em lei, mediante a comprovação de que presta auxílio a pessoas e instituições carentes (CARRATO, 2013, p.177).

Em contraponto a este contexto, TVs públicas e educativas sofrem com questões financeiras e estruturais até os dias atuais. A TV Cultura de São Paulo começou os anos 2000 com uma grave crise econômica. Atualmente, há também o questionamento de seu caráter público por veicular propaganda de empresas privadas. Há ainda a dependência do Governo Estadual no repasse dos recursos.

Numa tentativa de fortalecer a televisão pública nacional, em 2006, foi realizado pelo Ministério da Cultura o I Fórum Nacional da Televisão Pública com presença de movimentos sociais, da sociedade civil, de representantes dos meios de comunicação e de autoridades. Uma das consequências foi a elaboração da Carta de Brasília, com uma série de demandas para fortalecer a comunicação pública no país. Muitos dos tópicos foram elaborados considerando a criação da TV Brasil, pelo Governo Federal, em dezembro de 2007. A nova TV Pública brasileira nasceu pautada pelas discussões do Fórum e se define como independente e democrática, tendo como finalidade o complemento de “oferta de conteúdo, oferecendo uma programação de natureza informativa, cultural, artística, científica e formadora de cidadania” (TV BRASIL, 2015).

Atualmente, a diretoria é composta por 19 membros, incluindo superintendentes regionais que representam as cinco regiões do país. Em sua estrutura há três conselhos: administrativo, fiscal e curador. Este último, majoritariamente composto por representantes da sociedade civil, tem a missão de acompanhar o trabalho desenvolvido e estabelecer uma visão crítica sobre o que é veiculado.

Com o objetivo de gerir a TV Brasil, simultaneamente à criação da emissora, foi instituída a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – que também é responsável por outros veículos públicos como a Agência Brasil, a Radioagência Nacional, o sistema público de Rádio e a TV Brasil Internacional. A EBC se considera “uma instituição da democracia brasileira: pública, inclusiva e cidadã”34. Em sua página na internet, a empresa pública destaca que os veículos que fazem parte dela, devido à independência editorial, distinguem-se dos canais estatais ou governamentais, com conteúdos diferenciados e complementares aos privados. Portanto, eles têm autonomia de produção e distribuição de conteúdo. No Manual de Jornalismo da EBC, intitulado Somente a Verdade, são destacados como princípios o compromisso social e a valorização da comunicação democrática, através da diversidade de opiniões.

Apesar da proposta, a emissora ainda carece de adesão social. Atualmente, a audiência média mensal é menor do que a de todas as emissoras comerciais de veiculação nacional. Estudos realizados pelo então grupo de pesquisa Jornalismo, Imagem e Representação da Universidade Federal de Juiz de Fora, entre 2010 e 2011, mostraram a dependência da agenda oficial e a necessidade de maior diálogo com a sociedade civil, principalmente no telejornal Repórter Brasil. Coutinho (2013) destacou que “é preciso instigar debates, seja na TV ou pelas redes sociais, com a participação dos cidadãos e incentivá-los a contribuir na produção e reflexão dos conteúdos, transformando-os em agentes ativos de fato” (COUTINHO, 2013, p.71).

No documento josetarcisiodasilvaoliveirafilho (páginas 54-60)