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Nascido no ano de 1800, em Itabira do Campo, Minas Gerais, mas vivendo no Rio de Janeiro, onde integrou o 2º batalhão de caçadores, o maestro Mendanha, assim como outros músicos, foi destinado a reforçar as fileiras imperiais, com o objetivo de ajudar a conter as revoltas que ocorriam na primeira metade do século XIX. Embora alguns combatentes se destacassem pela dedicação com que desempenhavam as tarefas a que estavam submetidos e a forma como atuavam nas guerras, nem todos ganhariam ―notoriedade‖, como o referido maestro. Em tempos em que a hierarquia era rigidamente mantida e a comoção por números de soldados mortos existisse, mas não de forma tão forte quanto a dos oficiais que comandavam os exércitos, a morte do Coronel Guilherme Lisboa, no conflito de Rio Pardo, ganhou espaço entre as publicações do período, e juntamente com ela a atuação do maestro Mendanha.

compreender que elas são mil, pequenas, mais ou menos banais e que bastava faltar uma para que um fato não se produzisse‖ (LORIGA, 2011, p. 210).

53 Conforme Jacques Revel, ―o que está em jogo na abordagem micro-histórica é a convicção de que a escolha de uma escala peculiar de observação fica associada a efeitos de conhecimentos específicos e que tal escolha pode ser posta a serviço de estratégias de conhecimento. Retomando uma metáfora que foi muito utilizada nos últimos anos, variar a focalização de um objeto não é unicamente aumentar ou diminuir seu tamanho no visor, e sim modificar sua forma e sua trama‖ (REVEL, 2010, p. 438).

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Fato bastante comum para uma sociedade que se encontrava em estado de guerra, onde militares eram designados a prestar seus serviços em diferentes partes do Império, sendo estes, em alguns casos, acompanhados também de suas famílias.

Tendo grande parte de seus companheiros mortos, feridos ou aprisionados no combate de Rio Pardo, o maestro, mesmo sendo feito prisioneiro pelos farroupilhas, lembrou de solicitar uma sepultura ao seu comandante, o Coronel Lisboa. Em relato trazido pelo jornal

Correio Official, de 1840, este episódio é destacado, sendo o então maestro apresentado como

o ―honrado Mendanha‖:

O honrado Mendanha, mestre da musica do 2º batalhão de caçadores, apezar da differença que havia de graduação entre elle e o seu Coronel, se achava a este ligado pela mais estreita e sincera amizade; e isto de muitos annos. Testemunha do heroísmo com que acabou seus dias aquelle commandante no infausto ataque do Rio Pardo, no meio do terror e carniçaria que desalmadamente fazião os rebeldes, Mendanha, esquecido de si e do mal que lhe poderia resultar, se dirigio aos chefes anarchistas, pedindo-lhe permissão para dar sepultura ao seu amigo e commandante; e sendo-lhe concedida, o foi sepultar no cemitério da Igreja do Senhor dos Passos. Ainda não satisfeito (tanto póde a saudade em corações bem formados!) e antevendo o dia em que seria resgatado do domínio rebelde, impetrou rehaver as caras cinzas, e as conservava em hum pequeno caixote que comsigo conduzia para onde quer que fosse! Afinal recobrando sua liberdade naquella sortida, aqui se apresentou com os illustres desposjos! Tão depressa a officialidade da guarnição foi sciente de tão saudoso deposito, que por meio de uma subscripção aberta entre todos os officiaes e empregados militares (na qual também o Exmo. Sr. Presidente generosamente subscreveo), se tratou de fazer com o maior apparato possivel o funeral do extincto Coronel, [...].55

Os motivos que fizeram com que o maestro Mendanha tivesse esta atitude podem ser justificados levando em consideração os valores internalizados pela sociedade oitocentista, na qual respeito e lealdade aos seus superiores eram características fundamentais, e que deveriam se fazer presentes em todo bom subalterno. Embora na prática isso pudesse não ocorrer da forma que os superiores desejavam, visto os diferentes motivos que levavam cada soldado a ingressar nas filas do Exército, era de conhecimento de todos, que um bom desempenho na guerra poderia trazer benefícios e premiações, fazendo com que um indivíduo conseguisse ocupar espaços importantes, antes não acessados.

Mesmo sendo uma decisão arriscada (já que poderia ocasionar danos físicos e mesmo a morte), o alistamento em momentos de conflitos bélicos poderia ser potencializado pelos indivíduos como estratégia de ascensão social. Os embates armados eram momentos importantes de acumulação de capitais simbólicos (ligados à coragem pessoal e ao desprendimento, por exemplo) e relacionais (com a construção ou o reforço de boas relações entre os camaradas de farda, bem como entre os localizados horizontal ou verticalmente nas hierarquias militares).

Mas o caso de Mendanha iria além. Em um contexto de guerra, vários foram os cadáveres de oficiais abandonados nos campos de batalha, uma vez que raramente alguém teria a audácia de, em condições de inferioridade, tentar negociar com as forças inimigas.

O ato que muitos consideraram como de coragem do maestro Mendanha pode também estar fundamentado nos laços de amizade, compromisso e ―honra‖ que embasavam as relações e a troca de favores no XIX. Considerado um valor que ressoava entre todas as elites da época56, fossem imperiais ou farroupilhas57, Mendanha encontrou na ―moeda comum‖, a honra, a fórmula que o ajudou a manter boas relações, entre os dois lados, durante uma parte da guerra. Importante capital simbólico, como nos lembra Pierre Bourdieu (1977), o indivíduo considerado honrado, é detentor de muitos benefícios, fato que possibilita, entre outras coisas, uma inserção e ampliação de rede de contatos.

Desta forma, o vínculo estabelecido entre o maestro Mendanha e o Coronel Guilherme Lisboa, a quem estava subordinado, se perpetuava, fazendo com que até mesmo a morte não dissolvesse tal compromisso. Essas relações, em seus diferentes níveis, eram comuns e valorizadas na sociedade deste período, e o maestro Mendanha, ao se mostrar fiel a ela e aos laços que o ligavam ao seu comandante, passou a ser visto como um indivíduo honrado e leal pelas pessoas e relações que o cercavam. Talvez, naquele momento, o maestro Mendanha não tivesse a total dimensão daquilo que a sua atitude poderia causar, já que ―a história humana não é determinada pela ação de grandes causas necessárias, exclusivas e previsíveis, nem sequer é dirigida pela Razão, por um desígnio racional, mas é coberta por mil fardos concomitantes: cada indivíduo se encontra sempre no coração de uma série móvel de fatos‖ (LORIGA, 2011, p. 191). Mas certamente, espalhava-se entre os demais soldados e oficiais a repercussão deste feito, a ponto de Caxias afirmar que ―sua conduta civil e militar, seus atos de valor em todas as ocasiões de perigo, e seus longos serviços de campanha, unido a um talento pouco vulgar para composições de músicas, tem se tornado digno da estimação de todo o Exército‖.58

56 Sobre honra no Rio Grande do Sul do XIX ver: MONSMA, Karl. O comerciante, o estancieiro e o militar: noções divergentes de honra entre as elites do Rio Grande do Sul no início do século XIX. In: HEINZ, Flavio M. [org.] Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina. São Leopoldo: Oikos, 2009. p. 178-195; REMEDI, José Martinho Rodrigues. Palavras de honra: Um estudo acerca da honorabilidade na sociedade sul-rio-grandense do século XIX, a partir dos romances de Caldre Fião. 2011. Tese (Doutorado em História) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2011.

57 Segundo Monsma, ―a honra é uma avaliação pública da confiabilidade do indivíduo e, portanto, de seu valor como parceiro em vários tipos de trocas, mas a maneira de avaliar a honra difere conforme o grupo social em que cada indivíduo se insere, porque a natureza das redes de relações e das trocas varia entre grupos‖ (MONSMA, 2009, p. 193).

Ainda ao elencar alguns fatos da vida do maestro, Caxias também enfatiza sua atuação em Rio Pardo, no ano de 1838:

Remetendo a V. Exa. o requerimento do Inspetor Geral de todo o instrumental do Exército Joaquim José de Mendanha, cumpre-me informar a V. Exa. para levar ao conhecimento de Vossa Majestade o Imperador, que é verdade tudo quanto alega o Suplicante, e que alguns fatos de sua vida militar que o tornam muito recomendável, ele deixou por modéstia de mencionar, sendo um deles o que praticou este insigne Mestre de Música no dia 30 de Abril de 1837. No desastroso combate de Rio Pardo em que elle abandonando os instrumentos de sua profissão, logo que principiou o combate, armou a todos os seus companheiros, e com elles combateo ao lado do seu digno chefe o Coronel Guilherme Jose Lisboa até que tendo sucumbido o dito Coronel e decidindo-se a Victoria por parte dos rebeldes, quando os officiaes e soldados tinhão acabado de entregar as suas armas e que estavão sendo inaltados pelos rebeldes os cadáveres dos officiaes do Exercito Imperial que jazião sobre o campo do combate, elle teve a audácia de se dirigir, diretamente ao General rebelde e de lhe pedir licença para enterrar o seu chefe, com todas as honras fúnebres, que correspondião a sua patente e valor, e foi tal o desembaraço, que isto praticou que os mesmos rebeldes consentirão, e elle com a sua banda de musica, e a sua custa, fez o enterro de seu chefe com todas as formalidades da Igreja, e conservando-se ainda por mais de um anno prisioneiro, sem que nunca quisesse, como os mais, tomar o serviço rebelde, teve a constância de desenterrar os ossos de seu chefe e deles se não esquecer no momento em que foi resgatado pelas forças imperiais, na mesma vila do Rio Pardo.59.

Em outro documento enviado do Quartel do Comando de Brigada em Porto Alegre, em 1º de dezembro de 1839, com assinatura de João Dias de Castro e tendo como destinatário Thomás Jozé da Silva, Marechal Comandante da Guarnição e Felipe Nery de Oliveira, Brigadeiro Comandante de Brigada, a participação do maestro Mendanha também é narrada, junto ao episódio que marcaria o recebimento dos ossos do ―heróico Irmão de Armas, Coronel Lisboa‖.60 Segundo consta no relato, durante muito tempo, ―o leal Mendanha, Mestre da Música, não se separava deles, associando-os sempre a seus projetos de fuga; teve afinal esta satisfação, esse bom Brasileiro, digno de todo louvor, por seu aferro à Santa Causa das Leis, e a subordinação [3v] que soube conservar na banda de Música e Cornetas que dirigia.61

Constatando este apego do maestro Mendanha aos ossos do seu superior, o coronel Guilherme José Lisboa, podemos considerá-lo como uma forma de manifestação de sentimentos fúnebres típica do Oitocentos. Como veremos nos próximos capítulos, o maestro Mendanha demonstrou ao longo de sua vida uma forte devoção religiosa, participando assiduamente (tanto pessoal, como profissionalmente) das principais manifestações católicas,

59 BN, seção de manuscritos, C-0755, 049. No documento o ano do Combate de Rio Pardo encontra-se equivocado, sendo a data correta: 30 de abril de 1838.

60 Arquivo Nacional do Rio de Janeiro - ANRJ - Maço IG¹ 174, doc. número 244. 61 ANRJ - Maço IG¹ 174, doc .número 244.

inclusive sendo presença constante no associativismo representado pelas irmandades locais. Aqueles eram tempos nos quais os mortos e os cultos a eles voltados estavam no centro das sociabilidades dos vivos. Segundo João José Reis:

Na religião das Irmandades [...] vivos, mortos e santos participavam de uma família ritual que devia permanecer unida. Essa visão mais orgânica do espaço sagrado era parte de uma visão de mundo e do sobrenatural em que os mortos tinham algo de divino. Nas capelas das Irmandades se rezava tanto pelos mortos como para os mortos. Os mortos participavam da resolução dos problemas dos vivos tanto quando Deus e os santos, mesmo se com pesos e medidas diferentes. E, assim como na relação com os santos, os vivos deviam zelar por seus mortos para fortalecê-los. Isto significava, entre outras coisas, garantir-lhes um lugar ritualmente próximo dos seres divinos. Zelar pelos mortos também significava zelar pelo próprio destino dos vivos. A sepultura eclesiástica era, se não uma garantia, pelo menos uma condição de salvação [...] (REIS, 1991, p. 60).62

Zelar pelos mortos, entre outras coisas, significa dar-lhes respeitável sepultura, não

deixando seus cadáveres expostos, sozinhos e sem rituais que os encaminhassem ao descanso

eterno. Na sociedade hierarquizada do Oitocentos, o espetáculo fúnebre servia como

manifestação simbólica de coletividades específicas, sendo assim a festa fúnebre que garantia em primeira instância a salvação da alma do defunto, também serviria para reforçar alianças terrenas. Não sabemos se o maestro Mendanha demonstrou solidariedade com os outros inúmeros cadáveres legalistas produzidos na batalha de Rio Pardo, mas a preocupação apresentada com o destino dos ossos do seu Comandante foi certamente recebida pelos seus superiores como um apego à causa imperial63. Sendo assim, não se pode negar a existência de

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Sobre o associativismo fúnebre, ver: CATROGA, Fernando. O céu da memória. Cemitério romântico e culto cívico dos mortos em Portugal. 1756-1911; e SILVA Jr., Adhemar Lourenço da. As sociedades de socorros mútuos: estratégias privadas e públicas (estudo centrado no Rio Grande do Sul-Brasil, 1854-1940. 2004. Tese (Doutorado em História) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004. Sobre a boa morte, ver: ARIÈS, Philippe. O Homem diante da morte. 1. Ed. São Paulo: Editora Unesp, 2014; Kühn, Fábio. O Projeto Reformador da Diocese do Rio de Janeiro: as visitas pastorais no Rio Grande de São Pedro (1780- 1815). 1996. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1996. RODRIGUES, Cláudia. Lugares dos mortos na cidade dos vivos: tradições e transformações fúnebres no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1997; NASCIMENTO, Mara Regina do. As Irmandades no Meio Urbano: práticas funerárias e religiosidade entre os leigos Porto Alegre (1780-1850). 2004. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.

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Não foram poucas às vezes em que os rituais fúnebres (ou a falta deles) foram usados como instrumentos de disputa. Apenas para citar um caso, em 25 de agosto de 1837, foi assassinado na saída de um baile o general farroupilha João Manoel de Lima e Silva, um dos principais promotores do recrutamento de escravos e libertos para as fileiras rebeldes. Morto pelo índio Roque Faustino, seu cadáver foi abandonado, nu e insepulto, conspurcando o falecido, mas também as hostes de seus companheiros de fardas. Encontrado pelos farroupilhas, seu cadáver foi respeitosamente sepultado, em Caçapava. Em 1840, quando esta cidade foi tomada pelas tropas imperiais, seu túmulo foi arrasado e os seus restos mortais arrastados e espalhados pelo campo. Ver:

uma generosidade e mesmo coragem relacionada a este ato, certamente movido pela devoção católica e pelo afeto a um amigo de farda falecido, mas é necessário também destacar que esta atitude dialogava com um Estado que procurava fortalecer-se, e que não hesitou em premiar, posteriormente, o seu promotor com uma comenda imperial.64

Figura 2: Joaquim José de Mendanha

Fonte: Acervo do Museu Júlio de Castilhos em Porto Alegre/RS.

A banda, também feita prisioneira, integrava junto com o maestro Mendanha o 2º Batalhão de Caçadores, onde alguns nomes foram apontados por Fernando Binder (2006), em sua dissertação intitulada As Bandas Militares no Brasil: organização e difusão entre 1808-

MOREIRA, Paulo R. S.; PENNA, Rejane, CARDOSO, Raul Róis Schefer (org.). Os Soldados Libertos são os mais valentes: Documentos sobre a Revolução Farroupilha. São Leopoldo: Oikos, 2014.

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Na imagem do acervo do Museu Júlio de Castilhos, Joaquim José de Mendanha aparece portando a condecoração da Ordem do Rosa, outorgada por iniciativa do Duque de Caxias no ano de 1877, assunto que abordaremos no capítulo 4 desta tese.

1889. Nesta listagem (ver quadro a seguir), consta junto ao nome do maestro, a identificação

de mais 18 músicos que provavelmente participaram da Batalha de 1838.65

Quadro 1: Integrantes da banda do 2º batalhão de caçadores em 1837

Nome Graduação

Joaquim Jose de Mendanha Mestre de Música

Francisco da Motta 1.ª classe

Elizario José 1.ª classe

Luiz José da Cunha 1.ª classe

João Ferreira Lima 2.ª classe

Domingos José da Costa Pereira 2.ª classe Felicio de Mendanha Ferreira 2.ª classe

Floriano Miguel Linio 2.ª classe

Manoel Pereira Leite 2.ª classe

Lucio José da Gloria 2.ª classe

Manoel Felipe 2.ª classe

João Serafim dos Anjos 2.ª classe

Antonio [Fernandez?] Porto 2.ª classe

João Carlos de Andrade 2.ª classe

Antonio Joaquim de Souza 2.ª classe

Alberto Luiz 2.ª classe

Candido Jesuíno 3.ª classe

Manoel Frzª de Santanna 3.ª classe José Antonio dos Santos 3.ª classe

Fonte: BINDER, Fernando Pereira. Bandas Militares no Brasil: difusão e organização entre 1808-1889. Vol. 1. Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2006, p. 70.

Segundo Binder (2006), ―o aprisionamento da banda parece ter sido motivo de grande alegria para os revolucionários farroupilhas, que, aparentemente, não contavam com conjunto musical‖ (BINDER, 2006, p. 70). Considerado por autores como Dante de Laytano como sendo ―todo o ciclo musical dos farrapos‖ (LAYTANO, 1983, p. 361), os rebeldes encontraram no maestro Mendanha a oportunidade para a composição da música que

65 A listagem apresentada por Fernando Binder, refere-se a relação de mostra de vencimentos do 2º Batalhão de Caçadores, de 01 de outubro á 9 de novembro de 1837.

acompanharia as principais festividades e os eventos mais solenes da então proclamada República: o Hino dos Farrapos.

Essa ―encomenda‖ solicitada ao maestro se apresentou como mais um passo social dado por esse mineiro em terras distantes, colaborando para o seu estabelecimento no sul do Império, e para a formação de laços nesta região. Em publicação do jornal O Povo de 1839, o maestro Mendanha é anunciado acompanhando as forças farroupilhas, iniciando uma participação que seria constante ao longo dos anos, em eventos importantes para aquela sociedade.

A marcha de numeroso comboy foi magestosa e tranquila, o tempo favoreceu, e nada veio disturbar a boa harmonia que sempre existe entre homens animados de hum mesmo principio, de huma mesma opinião: expostos aos mesmos perigos, e que dividem o mesmo pão e os mesmos trabalhos. [ ...]

No dia 24 e as 5 horas da tarde o Exmo Presidente, acompanhado do seu Estado Major, e das Autoridade locaes, foi reunir-se ao Governo para assim fazer sua entrada solemne na Vila, o que efetuou depois de ter comprimentado a S. Ex. o Sr. Ministro da Fazenda, os Magistrados, e mais empregados de todas as repartições. Vinha escoltando o Trem da Guerra e o material das officinas publicas, huma força das três armas commandada pelo valeroso Tenente Coronel Moraes; a banda militar dirigida pelo hábil Professor Mendanha a precedia tocando o hyno nacional. 66

Embora se saiba que no período da Farroupilha, nem todos os Rio-Grandenses faziam parte do grupo dos farrapos, uma poderosa e influente elite desta província liderava a guerra, e o maestro Mendanha, como compositor do Hino que ―simbolizava‖ a então República, passou também a acompanhar esses indivíduos. Um indicativo disto é que, no período de trocas de capitais farroupilhas, onde o governo teve a sua sede transferida de Piratini para Caçapava, o referido maestro e sua música já se faziam presentes.67

Sendo uma passagem repleta de formalidades e comemorações, na qual a música cada vez mais se tornava um elemento fundamental, o maestro Mendanha foi, aos poucos, despontando naquela sociedade, ao ter o seu nome anunciado junto ao de autoridades do período. Mesmo não integrando aquilo que chamamos de uma ―elite‖68 do movimento, o personagem em questão estava em contato direto com ela, compartilhando dos mesmos lugares (ainda que em posições distintas), integrando um seleto grupo, fato que se mostrou

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Hemeroteca digital da BN. Jornal O povo, n.45, sábado, 2 de fevereiro de 1839, p.2. 67

Em publicação do jornal O Povo de 1839, a escolha da 2º Capital Farroupilha, é anunciado: ―Cassapava foi preferida. Sua posição central; a salubridade de seu clima; a lealdade de seus habitantes, e a decidida e franca cooperação que sempre eles prestarão a santa causa da Patria, lhe mereciaó tamanha honra‖.

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Utiliza-se a definição de Flávio Heinz ao se referir ao conceito de elite, uma vez que se trata ―de um termo empregado em um sentido amplo e descritivo, que faz referências a categorias ou grupos que parecem ocupar o ‗topo‘ de estruturas de autoridade ou de distribuição de recursos‖ (HEINZ, 2006, p. 7).

favorável a que o maestro conhecesse e fosse reconhecido por essas pessoas, conseguindo, dentro do possível, conquistar além de admiradores, novos laços de amizade.

Em um impresso de 1887, tal fato é rememorado por João Gabriel Teixeira, ao publicar uma justificativa sobre a música do Hino:

Esse hymno foi composto por Joaquim José de Mendanha, logo depois do combate de 30 de abril de 1838, em que o exercito republicano derroutou o legal, nesta então