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A ―INCIDÊNCIA DE SUA COR‖ – OS ―PARDOS E ―MULATOS‖ NA REPÚBLICA

O Brasil oitocentista traz em sua história algumas construções sociais que foram se enraizando ao longo do referido século, designando os espaços que cada indivíduo deveria ocupar naquela sociedade. Envolto por uma profunda miscigenação, fruto do período colonial, onde pessoas com epidermes diferentes se multiplicavam e categorias eram usadas para classificar e organizar hierarquicamente a população, nomenclaturas como pardos, mulatos,

morenos, negros, entre outras, se fizeram presentes em documentações desta época,

evidenciando a existência de múltiplas denominações, que, por vezes, diferenciavam

75 Em trabalho de Conclusão de Curso de Letícia Marques (2010), intitulado Entre Soldados e Ministros: A participação de negros e mulatos na Revolução Farroupilha (1835-1845), foram feitas algumas reflexões iniciais sobre essa participação tanto no grupo dos Lanceiros Negros, como também junto aos Ministérios da então República Rio-Grandense. Sobre este assunto ver ainda: CARVALHO, Daniela Vallandro. Fronteiras da Liberdade: ―Experiências Negras de Recrutamento, Guerra e Escravidão: Rio Grande de São Pedro, c. 1835- 1850. 2013. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. 76

De acordo com Imízcoz: ―Partiendo de los actores sociales es posible percibir la relación intima y efectiva entre dimensiones que, de outro modo, aparecen disociadas y que relacionamos de forma sobrevenida, mediante supuestas cadenas de dependência o determinación‖ (IMÍZCOZ, 2004, p .4).

personagens, por outras os associavam, indicando como a barreira que separava esses termos poderia ser sólida em alguns momentos, mas fluída em outros.77

Gabriel Aladrén (2010), ao analisar as categorias de cor e hierarquias sociais no Rio Grande de São Pedro nas últimas décadas do período colonial, evidencia a presença dos ―designativos de cor como indicadores não apenas da tez e da naturalidade, mas também da própria condição social‖ (ALADRÉN, 2010, p. 134). Ainda segundo Aladrén:

Em uma sociedade que se estruturava na escravidão e que associava preferencialmente a condição cativa à cor negra e a liberdade à cor branca, a existência de indivíduos e grupos sociais que mesclavam atributos a princípios típicos exclusivos de um ou outro extremo da hierarquia social (cor da pele negra e liberdade) engendrava a criação de lugares sociais mestiços (ALADRÉN, 2010, p. 128).

O autor, ao fundamentar-se nos Mapas de população na Capitania do Rio Grande de São Pedro, datados de 1798, 1802, 1807 e 1809, alerta que estes se apresentam como uma ―linguagem oficial‖ do período, onde o espectro de designativos usados por esta sociedade poderia ser muito mais amplo dos encontrados nesse tipo de documentação, apresentando um número maior de novas variáveis.78 Essa diversidade apontada por Aladrén, por sua vez, pode ser encontrada através de fontes como as correspondências da primeira metade do século XIX.

Partindo de Sabina Loriga, quando esta enfatiza que é preciso pensar a partir da documentação, sendo que ―a ideia de que os fragmentos do passado sobreviveram em virtude de seu valor e de sua significação é uma ilusão, uma vez que os próprios processos de conservação são extremamente aleatórios‖ (LORIGA, 2011, p. 101), as missivas conservadas do período imperial se tornam extremamente importantes para este tipo de análise, por serem uma fonte que permite observar além dos usos das terminologias, a forma como os agentes

77 Embora alguns indivíduos tenham permanecido com a mesma classificação ao longo da vida, poderia haver em alguns casos, dependendo do lugar social ocupado por determinado agente (ou pelo observador que registrava os documentos), uma modificação nesta classificação, onde indivíduos que em um primeiro momento eram registrados como negros, aparecem posteriormente como brancos. Em outras situações, poderia ocorrer o inverso, de um indivíduo pardo, poder ser visto como mulato ou negro. O trânsito e a fluidez com que essas terminologias eram alteradas são reflexos da sociedade oitocentista que embora extremamente hierárquica, continha alguns espaços de transição. Roberto Guedes (2008) faz referência a algumas dessas transformações ao analisar os mapas e listas de populações em Porto Feliz, São Paulo no início do XIX.

78

Segundo Gabriel Aladrén (2010, p. 128), em fins do período colonial, a classificação da população no Rio Grande de São Pedro era composta pelas categorias de brancos, índios, pardos forros, pretos forros, pardos cativos e pretos cativos.

evidenciam ―a relevância de dotar o mundo que os rodeia de significados especiais, relacionados com suas próprias vidas‖ (GOMES, 2004, p. 11).79

Para o Rio Grande do Sul, na primeira metade do século XIX, as correspondências que integram a Coleção Varela se apresentam como um dos mais importantes conjuntos de fontes documentais sobre a Guerra Civil dos Farrapos. Preservada inicialmente pelo farroupilha Domingos José de Almeida e recebida, anos mais tarde, pelo historiador Alfredo Varela, essa documentação passou a integrar o acervo do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, ainda na primeira metade do século XX, e divulgada, aos poucos, em publicações dos Anais do Arquivo Histórico desta instituição.80 Contendo importantes informações da época em que o maestro Mendanha passou a ter contato com a Província de Rio Grande de São Pedro, encontramos, neste material, evidências de indivíduos, que, assim como o maestro, não integravam o grupo dos ―homens brancos‖, mas que se fizeram presentes ao longo da República Rio-Grandense, bem como algumas das nomenclaturas e taxonomias usadas nesta época. 81

Em correspondência datada de 1839, enviada ao Ilmo. e Exmo Sr. Marechal Antonio Elzeário de Miranda e Brito – Presidente da Província e Comandante das Armas da mesma, pelo Major Francisco Pedro de Abreu, o mesmo ao narrar uma das sua ações na guerra, indica algumas das várias denominações que poderiam se fazer presentes:

E seguindo à vila do Triunfo e observando as instruções de V. Ex.ª, desembarquei ás quatro horas da madrugada no porto chamado do Carvalho, com quarenta homens de cavalaria, seguindo as mais forças embarcadas a cercar a vila do Triufo da parte do mar; seguindo eu repentinamente por terra encontrei uma partida rebelde comandada por um Tenente-coronel Morais; foi pelos legais derrotada, escapando-se o dito comandante, deixando cavalo arreado, mala e roupa; ficaram prisioneiros um cirurgião, um mulato e dois negros, e penso um ser cativo.82

79

Importante enfatizar que a partir da segunda metade do século XIX, há uma alteração nas construções sociais estabelecidas no que se refere à relação branco/ livre e preto (ou negro) /escravo. Segundo Hebe Mattos (1998, p.94) o crescimento de população mestiça, bem como o fim do tráfico de escravos (1850) não permitia mais com que os não-brancos livres fossem percebidos como exceções controladas. Desta forma para a autora ―o sumiço da cor referencia-se, antes, a uma crescente absorção de negros e mestiços no mundo dos livres, que não é mais monopólio dos brancos‖ (MATTOS, 1998, p. 99).

80 As correspondências da Coleção Varela reúnem um conjunto variado de documentos que mesclam desde questões públicas, a assuntos privados. Sobre a Coleção e a história deste acervo ver: ARCE, Ana Ines. “Os verendos restos da sublime geração Farroupilha, que andei a recolher de entre o pó das idades”: Uma história arquivística da Coleção Varela. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Arquivologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.

81 Neste item não temos como objetivo apresentar todas as variáveis existentes que poderiam envolver os ―homens de cor‖ na República Rio-Grandense, mas sim, através de alguns casos, indicar a existência de determinadas nomenclaturas, contextualizando o espaço e a sociedade encontrados pelo maestro Mendanha. 82 AHRS, CV – 51, v. 2, p. 46. Porto Alegre 1º de março de 1839.

O Major Abreu ao mencionar os prisioneiros e descrever que entre eles se achavam um mulato e dois negros, sendo um cativo (escravo), indica que esses indivíduos, embora subalternos, diferenciam-se entre si e por isso não eram classificados da mesma forma.83 Estas categorias, por sua vez, poderiam em alguma ocasião se ―associar‖ a outras, como a dos

morenos. Em documento de Domingos José de Almeida ao Ilmo Sr. Inácio José de Oliveira

Guimarães84, este solicita o recrutamento de todos os morenos que se façam presentes no departamento:

Nesta inteligência pois, e para os fins apontados, manda o governo que V. Sª. confidencialmente de acordo com os comandantes parciais de polícia do departamento de sua jurisdição, e com os juízes de paz e inspetores de quarteirão dele, em dia marcado, proceda o recrutamento geral de todas as pessoas nas circunstâncias da lei; bem como de todos os morenos, que existam no mesmo departamento, cujos senhores não mostrarem documento de compra, ou não justificarem não ter o moreno, sobre quem se disputa a posse, pertencido a inimigos da república, e por isso não incurso nas disposições dos Decretos de 11 de novembro de 1836 e 5 de abril de 1837.85

Os morenos, cujos senhores não apresentam documento de compra, são os escravos, também classificados como negros nesta época (visto a relação deste termo com quem pertencia ao cativeiro).86 Esses espaços de fluidez e de referências variadas não são particulares da Província de Rio Grande de São Pedro, mas reflexo da sociedade oitocentista, que, na primeira metade do século XIX, ainda lidava com uma ―memória colonial‖ e uma multiplicação de indivíduos que necessitavam se reconhecer e serem reconhecidos pelos demais agentes deste período.

Segundo Eduardo Paiva (2012), um léxico compartilhado era uma das formas mais eficazes de se garantir a fruição das relações sociais, permitindo a compreensão ou identificação um do outro, ao longo dos séculos XVI e XVIII, ―caso contrário, imensas confusões e muitos desentendimentos certamente aconteceriam, algo potencialmente perigoso em sociedades nas quais a forte desigualdade jurídica e política e a diferença cultural entre os

83

Sobre as hierarquias internas nas senzalas no sul do Império, ver: MATHEUS, Marcelo Santos. Fronteiras da Liberdade: escravidão, hierarquia social e alforria no sul do Império do Brasil. São Leopoldo: Oikos/Editora Unisinos, 2012.

84

Chefe Geral de polícia – Departamento do Boqueirão. 85

AHRS, CV – 329, v.2, p. 254. Secretaria da Fazenda encarregada do expediente da Guerra em Caçapava, 31 de agosto de 1839.

86 Rodrigo Weimer (2013), em sua tese de doutorado intitulada A Gente da Felisberta – Consciência, história e memória de uma família negra no litoral rio-grandense no pós-emancipação (c. 1847 – tempo presente), apresenta o termo moreno como contraposto de branco, podendo também constar como uma categoria genérica da qual preto ou negro apareceriam como subcategorias cromáticas.

habitantes eram características marcantes‖ (PAIVA, 2012, p. 24). De acordo com o autor, era necessário o compartilhamento do maior conjunto possível de nomes e significados respectivos. Esse léxico compartilhado oscilava conforme a situação (contexto) e o aspecto relacional entre os que produziam os documentos e as pessoas que eram descritas neles. Neste sentido, a questão cromática (a cor da pele) poderia ser secundária, prevalecendo em alguns casos, uma opinião comunitária a respeito dos indivíduos e de seus lugares sociais.

E ao falar de pardos, mulatos e negros no Brasil na primeira metade do século XIX, na República Rio-Grandense, se faz necessário destacar também a atuação dos Lanceiros Negros, grupo de soldados que ficou conhecido ao lutar na Farroupilha, tendo como uma de suas principais armas, a lança.

Formado em 12 de setembro de 1836, o 1º Corpo de Cavalaria de Lanceiros Negros, teve um papel fundamental na Batalha do Seival, considerado como um dos conflitos militares mais decisivos na Farroupilha – propiciando a Proclamação da República Rio- Grandense, fazendo com que alguns anos mais tarde, mais precisamente em 31 de agosto de 1838, fosse criado o 2º Corpo de Lanceiros Negros (MARQUES, 2010, p. 33). Segundo Daniela Vallandro de Carvalho (2013), que estudou, em sua tese, as experiências escravas e o seu recrutamento, durante os anos de guerra civil farroupilha, os soldados mais ágeis e habilidosos eram destinados para a Cavalaria e os demais para a infantaria, onde a autora ainda salienta que

certa desatenção pairou sobre a ampla historiografia que se deteve nesta questão, ignorando os escravos recrutados como portadores de importância e habilidades suficientes para romper, ao menos temporariamente - durante a guerra, com um ethos guerreiro cavalariano sulino - branco e livre - que foi afetado pela conjuntura de guerra, quando escravos qualificados puderam servir nessas posições, até então vedadas a eles. Se escravos armados sempre foram acionados e utilizados por senhores de escravos para fins diversos, a presença de escravos cavalarianos não foi uma constante. Ao menos para o sul do Império, a existência de escravos em tropas a cavalo pode ser vista como um traço específico do conflito em que nos detemos, em um misto da necessidade imposta pela guerra e o aproveitamento de escravos hábeis nesta prática, no mundo rural sulino nos oitocentos (CARVALHO, 2013, p. 65).

Spencer Leitman (1985), ao fazer referência a este grupo em seu trabalho Negros

Farrapos: hipocrisia racial no sul do Brasil no século XIX, destaca que na batalha de

Taquari, segundo Giuseppe Garibaldi, ―apresentou-se uma floresta de lanceiros, composta de escravos libertados pela República, escolhidos entre os melhores treinadores de cavalos da

Província, todos eles negros, até mesmo os oficiais superiores87‖ (GARIBALDI, 1859, apud LEITMAN, 1985, p. 65). Para o autor, Garibaldi teria relatado fielmente o heroísmo dos lanceiros, mas teria se equivocado em relação à graduação, uma vez que ―foram os oficiais brancos que treinaram e comandaram os Lanceiros, ainda que postos mais inferiores fossem ocupados por negros‖ (LEITMAN, 1985, p. 65-66). A afirmação de Leitman se torna questionável, se levarmos em consideração um documento da Coleção Varela que traz como tema principal o ―esclarecimento‖ de alguns pontos sobre o episódio de 14 de novembro de 1844, também conhecido como a ―Traição de Porongos‖.88

Ocorrido nas proximidades do Cerro de Porongos, em Pinheiro Machado, na época distrito de Piratini, o ataque ficou marcado não só como um massacre dos soldados rebeldes, mas também como um dos episódios mais polêmicos da Guerra dos Farrapos. De acordo com Carvalho (2013), na madrugada de 14 de novembro de 1844, ―um grupo de escravos/soldados foi desarmado previamente e brutalmente dizimado em um combate forjado entre forças imperiais e farroupilhas com o fim de facilitar os rumos e acordos daquela guerra‖ (Carvalho, 2013, p. 21).

Segundo correspondência que integra a Coleção Varela, e que traz um pequeno relato do acontecido em 1844,

o reservadissimo dirigido ao Sr. Barão de Jacuí a 9 de novembro de 184[?], interceptado e dado a conhecer pouco depois do acontecimento pelo finado Manuel Rodrigues Barbosa, combinado com referência da ordem expedida a 28 do antecedente e esta com a carta da mesma data à J.R.R (*) na qual disse Caxias que naquela data (sic) a inviolabilidade do cirurgião ou boticário e a sua bagagem que era a do Sr. Canabarro, recomendada nesse reservadíssimo; a mortandade de pretos somente entrando nesse numero dois oficiais que pela cor pouco diferenciavam.89

Embora o documento seja bastante emblemático ao se referir à mortandade de pretos, que foi significativa neste episódio, ele ainda descreve a presença de dois oficias que, pela cor, pouco se diferenciariam, podendo ser mais um exemplo dos espaços em que atuaram indivíduos que não eram vistos como brancos. A diferença entre eles e os demais soldados estava no lugar ocupado e não da epiderme (esta que segundo o documento, não os distinguia).

87

Livro citado por Leitman: Giuseppe Garibaldi, The Life of General Garibaldi Written by Himself, trans. por Theodore Dwight. New York, 1859, p. 86-87.

88 Segundo Raul Carrion (2005), após terem sido desarmados por Canabarro e separados do resto da tropa, soldados farroupilhas foram atacados por tropas imperiais lideradas pelo Coronel Francisco Pedro de Abreu (Moringue), onde o alvo principal era o Corpo de Lanceiros Negros. Nesse episódio, cerca de 100 soldados (negros e mulatos) foram mortos, e muitos outros, feitos prisioneiros.

Mas ao mesmo tempo que Leitman ignora o fato de poder haver pardos e mulatos em cargos de comando, é ele um dos autores que destaca a cor de Domingos José de Almeida, quando escreve que ―o inteligente e ativo mulato havia se tornado um dos principais charqueadores num espaço relativamente curto de tempo‖ (1985, p. 68).90

Walter Spalding também levantou essa questão em relação a Almeida: ―Dizem que era escravo, o que, entretanto, não ficou provado, e tanto mais que não era preto, nem mulato, mas apenas moreno claro, tipo comum no Brasil e em Portugal, até mesmo entre gente da mais pura cepa lusitana‖ (1987, p .64).

Ministro da Fazenda e do Interior da República Rio-Grandense, Domingos José de Almeida foi considerado por autores como Dante de Laytano (1983) como uma ―figura de equilíbrio, de cultura e de honestidade‖ (1983, p. 263). Ainda que sua vida, antes de sua presença na Província de Rio Grande de São Pedro, seja pouco referenciada pela historiografia, sabe-se que Almeida era natural de Minas Gerais, e passou a ter contato com o Sul do Império em 1819, estabelecendo-se na Vila de São Francisco de Paula, atual cidade de Pelotas – RS, onde integrou uma das famílias mais tradicionais da localidade, e estabeleceu-se como importante charqueador da região. Tema da dissertação de Carla Menegat (2009), que buscou estudar a rede social do casal Domingos José de Almeida e Bernardina Rodrigues Barcellos, bem como as estratégias familiares, políticas e econômicas acionadas que possibilitaram sua reprodução social, a autora, entretanto, não se detém em discorrer sobre as origens do personagem, destacando apenas que este era ―filho de um português com uma natural da Freguesia do Tijuco, nas Minas Gerais‖ (MENEGAT, 2009, p. 50).91

As divergências em relação à cor de Domingos José de Almeida se assemelham às que são levantadas em relação ao rio-grandense Bernardo Pires, outro combatente farroupilha. Em 1837, uma publicação ganhou destaque no jornal O Campeão da Legalidade, ao direcionar críticas diretas a um ―Mulato pintor, Major de Milícias‖:

Tem por aqui corrido a desagradável noticia, de que a peste de –conceder Habeas Corpus em crimes de rebelião – que na Corte do Rio de Janeiro atacou mortalmente ao Juiz Municipal Justino José Tavares, se communicára a esta Cidade, e que já fizera seus estragos, em hum Juiz Municipal, que tomando por fundamento a pouca prova da pronuncia, havia concedido huma Ordem de Habeas Corpus a hum Mulato Pintor, Major de Milicias, Socio do Menino Diabo, e factor das bandeiras –

90 Raul Carrion (2005, p. 14), e Juremir Machado da Silva (2010, p. 17) são outros autores que também fizeram referência a questão da ―cor‖ de Domingos José de Almeida, apontando este como sendo mulato.

91 Ver também: BARBOSA, Carla. A casa e suas virtudes: relações familiares e a elite farroupilha (RS, 1835 – 1845). 2009. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade do Vale dos Sinos, São Leopoldo, 2009.

REPUBLICANAS – em Rio Pardo, que se achava pronunciado e prezo pelo Juiz de Paz do Terceiro Districto desta Cidade por crime de – REBELIÃO. 92

Esse mulato citado no fragmento acima foi, por alguns autores, associado ao Major Bernardo Pires. Informando ainda que este seria um ―famoso rebelde‖, a publicação passou a ser usada por algumas pesquisas como a de Geraldo Hosse e Guilherme Kolling (2006), que consideraram o então farrapo, o alvo das críticas.

Segundo os autores,

em 4 de fevereiro de 1837, o jornal porto-alegrense O campeão da Legalidade registra o boato de concessão de habeas corpus a um mulato pinto, major de milícias, criador da bandeira republicana. Tratava-se do major Bernardo Pires, rico estancieiro que ocupou o posto de chefe geral de polícia em Piratini, primeira capital da República Riograndense (HOSSE; KOLLING, 2006, p. 83).

Mas seria o mulato o Major Bernardo Pires?93 Em correspondência que integra o fundo das Autoridades Militares do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, José Marianno de Mattos, militar e um dos líderes do movimento farrapo, destaca o seu afastamento do Corpo que integrava em Rio Pardo, e faz referências às vezes em que teve a prisão relaxada em virtude da ordem de um Habeas Corpus:

Acuso recebido o oficio de V. S. datado de hoje, em que me transmitte copia de S. Exa. o Sr. Presidente da Provincia em que se me ordena, que visto ter se concluído os trabalhos da Assembleia Provincial, do qual sou Deputado, me retire o quanto antes ao meu Corpo. Com quanto segundo a marcha, que tenho sempre seguido, não hesitei em um só momento cumprir esta, ou qualquer ordem legal emanada de Authoridade competente. Julgo contudo do meu dever ponderar a V. S. que achando-me pronunciado em uma celebre devassa, a que se procedeo em Rio Pardo, e tendo sido por consequencia disso duas vezes preso nesta cidade, e por outras tantas veses relaxado da prisão em virtude de ordem de Habeas-Corpus, como é