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Entre os portugueses, tanto os homens como

as mulheres trabalham mais

do que as 40 horas semanais

regulamentares.

Os resultados do inquérito do ISSP sobre Família e Género, realizado em 2014 junto de uma amostra representativa da população portuguesa com 18 e mais anos, revelaram que a maioria dos inquiridos discorda da afirmação «Compete ao homem ganhar dinheiro e à mulher cuidar da casa e da família», o que sugere uma expressiva recusa da divisão tradicional dos papéis de género (Figura 3.13). No entanto, 24% dos homens e 23% das mulheres concordam com aquela afirmação, ou seja, que deve haver uma especialização complementar de papéis nos casais: o homem tem a responsabilidade económica por via da inserção profissional; a mulher tem a responsabilidade doméstica e a dos cuidados às crianças e a outros familiares. Embora não se observem alterações acentuadas em relação à ronda de 2002 do ISSP, regista-se, todavia, uma descida na concordância com este modelo de divisão do trabalho pago e não-pago no casal, descida essa que foi inclusivamente mais expressiva no caso dos homens do que no das mulheres. Daqui advém uma atenuação do desfasamento de género a este respeito, baseada no padrão de resposta tendencialmente mais tradicional dos homens do que das mulheres. Importa ainda acrescentar que, em 2014, a concordância com a afirmação apenas é frequente na população com 65 e mais anos (entre 46 e 48%), reduzida para valores entre 13 e 15% nos homens e nas mulheres com menos de 45 anos, o que evidencia a importante mudança de valores que tem vindo a ocorrer na sociedade portuguesa e que marcou particu- larmente as gerações nascidas a partir da década de 1970. Em comparação com outros dezasseis países da União Europeia que participaram no inquérito do ISSP, Portugal, com um valor de concordância global de 24%, situa-se entre o segundo grupo de países com menor adesão ao modelo de ganha-pão masculino (Figura 3.14), aliado às altas taxas de emprego feminino (ver Figura 3.18). Entre os países menos

favoráveis a esta divisão tradicional de papéis encon- tram-se os países nórdicos, com valores inferiores a 10%, e ainda o Reino Unido, a Irlanda, a França e a Alemanha, com valores entre 12 e 16%. Pelo contrário, os países da União Europeia mais a leste evidenciam uma atitude mais positiva face à divisão assimétrica da vida familiar, apresentando níveis de concordância acima dos 42%, ou mesmo, no caso da Letónia e da Eslováquia, dos 50%.

A análise do número médio de horas semanais de trabalho pago de trabalhadores em regime de trabalho a tempo inteiro (mais de 30 horas semanais), revela que, entre os portugueses, tanto os homens como as mulheres trabalham mais do que as 40 horas semanais regulamentares (Figura 3.15). Tendo em conta todo o período em análise, houve um aumento da carga horária para ambos em praticamente uma hora semanal: de 42,9 para 43,8 horas para os homens; e de 40,8 para 41,7 para as mulheres. No entanto, esta evolução não foi linear, pois entre 2000 e 2010 houve mesmo uma paulati- na redução do número médio de horas, de 0,7 pontos percentuais para os homens e de 0,5 para as mulheres. O ano de 2010 marca a viragem na tendência anterior, intensificando a jornada de trabalho desde então, e esta mudança não pode ser desligada da atual conjuntura económica do país e eventualmente também do novo regime de 40 horas de trabalho instaurado na função pública no final de 2013. Em quatro anos, mulheres e homens passaram a trabalhar, em média, respetivamente

mais 1,4 e 1,6 horas por semana. Importa ainda sublinhar a persistência da disparidade de género na participação de homens e de mulheres no mercado de trabalho, de cerca de duas horas semanais, apesar das mudanças que ocorreram na carga laboral ao longo destes 14 anos. Não há, portanto, sinais de convergência no tempo que homens e mulheres despendem a trabalhar profissionalmente.

Todavia, no contexto da União Europeia, Portugal apresen- ta um valor relativamente reduzido de disparidade de género no número médio de horas semanais de trabalho pago em regime de trabalho a tempo inteiro (Figura 3.16). Esse valor é idêntico aos de Espanha, França e Finlândia e aos da maioria dos países da Europa Central, como Alemanha, Bélgica, Áustria, Polónia e República Checa. Os países com maior disparidade neste indicador são o Reino Unido, a Itália e a Grécia (entre 3,0 e 4,2 horas) e ainda a Irlanda, onde os homens trabalham em média cerca de mais meio-dia por semana do que as mulheres (4,4 horas). Pelo contrário, os países onde homens e mulheres que trabalham a tempo inteiro menos diferem no número de horas despendidas (entre 0,5 e 1,7 horas) são os países da Europa de Leste (e.g. Estónia, Letónia, Lituânia, Roménia, Bulgária, Hungria), assim como a Holanda e a Suécia.

Com base nas respostas ao ISSP 2002/2012 à questão relativa à situação no emprego e ao número de horas despendidas a trabalhar profissionalmente, foi possível definir diferentes modelos de divisão do trabalho pago dos casais em que ambos são economicamente ativos (Figura 3.17). Os resultados indicam o predomínio e a estabilidade de um padrão de duplo emprego a tempo inteiro (mais de 30 horas semanais): 69,7% em 2002 e 70,8% em 2014. Já o modelo de duplo emprego «assimétrico», em que um trabalha a tempo inteiro e o outro a tempo parcial, decresceu nos últimos 12 anos praticamente em 10 pontos percentuais. Na verdade, parece ter havido uma decomposição deste modelo específico em modalidades que mais claramente refletem a precarização das condições laborais, pois cresceram as situações em que ambos estão desempregados, ambos trabalham a tempo parcial, um a tempo parcial e o outro está desempregado e, principalmente, o modelo em que um está a tempo inteiro e o outro está desempregado (passou de 9,7% para 16,2%). Neste sentido, a evolução nos modelos de divisão conjugal do trabalho pago parece resultar não de uma escolha das famílias, mas da crise económica atual e da consequente deterioração do mercado de trabalho e do aumento do desemprego. A comparação da situação dos casais economicamente ativos em dezasseis países da UE28 que participaram no ISSP 2012 coloca Portugal, França, países nórdicos e Letónia no grupo de países com uma elevada percentagem de casais em que ambos os cônjuges trabalham a tempo inteiro, entre 65% e 75% (Figura 3.18). Apenas a República Checa, a Eslováquia e a Eslovénia apresentam uma prevalência superior deste modelo. Já a Polónia, a Lituânia e a Croácia registam uma percentagem inferior de casais a trabalhar a tempo inteiro, entre 55% e 65%, enquanto a Irlanda, a Alemanha, a Áustria e a Espanha fazem parte do grupo com a menor percentagem, entre 44% e 55%. Mas se na Alemanha e na Áustria tal se deve à saliência do trabalho feminino a tempo parcial, em Espanha, à semelhança do que se observa em Portugal, a crise económica desencadeou uma escalada no desemprego. Com efeito, atualmente a Espanha é o segundo país europeu com a taxa de desemprego mais elevada (24% em 2014, segundo a OCDE).

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do ISSP 2012 – Módulos Família, Género e Mudança. Em Portugal os dados foram recolhidos em 2014. Por questões metodológicas a Bulgária e o

Reino Unido não puderam ser incluídos na análise

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