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CAPÍTULO 2 UNINDO OS FIOS DA ESPIRITUALIDADE E DA MORTE

2.1 O ENTRELAÇAR DA ESPIRITUALIDADE NA VIDA DO SER HUMANO

A espiritualidade, neste contexto, é compreendida como algo muito mais amplo do que religião, por ter um sentido de religar (PESSINI, BERTACHINI, 2006). Segundo os autores, o vocábulo espiritualidade é derivado da palavra latina religare e diz respeito a determinadas tradições espirituais, que ganham expressão concreta em ritos e celebrações codificadas, cultural e historicamente. Assim, a espiritualidade envolve, necessariamente, a presença da fé.

Ter fé, nesse caso, significa

crer numa força transcendental superior; não se identifica necessariamente com Deus, nem se vincula necessariamente com a participação em rituais ou crenças de determinada religião. Essa fé pode identificar tal força como externa à psique humana ou internalizada. É o relacionamento e ligação com essa força ou espírito que é componente essencial da experiência espiritual, vinculado ao sentido (PESSINI, BERTACHINI, 2006, p. 381).

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Essa construção de fé e de sentido impulsiona o indivíduo para a superação dos momentos difíceis da vida, por isso, independentemente de religiões, a ligação espiritual da fé, de forma subjetiva, atua como motivação na superação das crises trazidas pela doença. Segundo Vasconcelos (2006, p.63), “no processo de elaboração subjetiva na crise trazida e manifestada pela doença, são buscados novos sentidos e significados na vida, capazes de mobilizar e motivar na difícil tarefa de reorganização do viver exigida para a conquista da saúde”. Nesse sentido amplo, encontramos a espiritualidade. Essa busca de novos sentidos faz da espiritualidade um instrumento de apoio psicológico, que se configura nas orações, nas meditações, nos rituais religiosos, na contemplação, na psicoterapia, no diálogo amoroso intenso, no processo de criação artística e no enlevo propiciado pelo contato com a arte (VASCONCELOS, 2006).

Nessa concepção, novas energias vão se formando, e novas percepções vão surgindo, fazendo com que o ser humano se volte para o seu lado subjetivo, o seu lado espiritual. Por isso Vasconcelos (2006, p. 67) reforça que a espiritualidade é “[...] um processo que todas as pessoas, de alguma forma, já experimentaram em suas vidas, de modo esporádico, mas que não é fácil de ser mantido de maneira continuada e intensa. O apoio a essa jornada é o papel das tradições espirituais”. Esse processo se constitui como transcendente.

A transcendência, nesse sentido, refere-se a uma dimensão que ultrapassa a realidade concreta, material e o cotidiano da vida humana (VASCONCELOS, 2006), ou seja, dos cinco sentidos básicos do ser. Alguns estados alterados de consciência permitem alcançar a transcendência, quando “[...] a mente é conectada com dinâmicas interiores profundas [...]” (VASCONCELOS, 2006 p. 33), como é o caso do êxtase religioso, dos estados meditativos, das técnicas de meditação, da contemplação e da fé, entre outros, desencadeados por certos rituais.

Investigando os efeitos que a fé e a esperança exercem sobre a saúde e as ações na vida das pessoas, Levin (2001) reforça que “[...] a fé beneficia a saúde física e mental ao promover a esperança, o otimismo e as expectativas positivas”. São razões pelas quais a esperança está associada diretamente à dimensão espiritual, independentemente da afiliação religiosa da pessoa, o quer dizer que Deus ou a dimensão espiritual beneficia e cria expectativas positivas, gerando otimismo e segurança, diminuindo os efeitos negativos do stress no enfrentamento de uma doença ou na doença de um familiar. Sendo assim, a fé,

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vivenciada de maneira saudável, sem medos e repressões, favorece a superação diante dos problemas da vida e da morte e confere sentido à existência humana.

Seguindo essa linha de pensamento, Boff (2003) enfatiza que, é a espiritualidade que trabalha o sentido mais profundo da vida. Portanto, é com o apoio da espiritualidade que algumas crises podem ser superadas, principalmente as mais difíceis de atravessar, como por exemplo, a notícia de um diagnóstico de câncer em um ente familiar. Porque tanto o paciente quanto a família ficam muito fragilizados na crise trazida pela doença. Por outro lado, a espiritualidade cria uma oportunidade ampla para as vivências religiosas, redireciona caminhos e cria novos valores, porque sonhos benfazejos são projetados, surgem comportamentos novos e são criadas novas metas.

Essa espiritualidade, que estabelece uma relação profunda do ser humano com a natureza e com o mundo que o cerca, se apresenta nos ritos, nas crenças, nos valores e nos simbolismos, como maneiras de conceber o seu viver no mundo. Ancorado nisso, Dittrich (2005, p. 47) afirma:

A espiritualidade apresenta-se como uma maneira de ser do ser humano, [...], diante dos desafios do seu existir, num mundo carregado de símbolos e signos, que codificam de certa forma o sentido da sua existência com relação ao mistério, ao divino, ao sagrado, aos assombros das questões existenciais.

Assim, a espiritualidade, independentemente de religiões, como característica fundante do ser humano (DITTRICH, 2005), desenvolve um sentido pessoal que auxilia no enfrentamento dos momentos difíceis tanto na vida quanto na morte.

Viktor Frankl (2003), o criador da logoterapia, propõe que a espiritualidade também é um motivo que influencia o comportamento do indivíduo, e atua como uma busca pelo sentido na vida. Na sua proposta de análise existencial, ele emite o seguinte conceito: “[...] a análise existencial interpreta a existência humana, em sua essência mais profunda, como ser-responsável, e compreende a si própria como uma „análise dirigida ao ser responsável‟” (FRANKL, 2003, p. 15). Por isso, ele defende a existência de um “inconsciente espiritual”, que não se compõe unicamente de elementos instintivos, mas também de elementos espirituais. Acrescentando, assim, o espiritual ao psicológico, esse autor descobre a existência da religiosidade/espiritualidade no indivíduo como fato preexistente, genuína no ser.

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Mas, para compreendermos melhor o ser propriamente dito, composto de vida e de morte existencialmente, vamos nos reportar à compreensão de alguns autores sobre o sentido da morte.