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CAPÍTULO 3 – MORTE: estágios, tabus, simbolismos e medos

3.1 ESTÁGIOS

Mesmo com o avanço da medicina e da tecnologia, na sociedade ocidental contemporânea, a morte ainda está presente misteriosamente na vida dos que adoecem. Por isso, a palavra “câncer”, por si mesma, detém uma conotação de doença crônica incurável, associada diretamente à morte.

Seguindo os estudos de Kübler-Ross (1998b), psiquiatra suíça, que pesquisou as concepções de morte e do morrer em pacientes terminais em iminência de morte, o doente passa por cinco estágios fundamentais como um desafio para a compreensão da finitude humana, a saber: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação. Para ela, “havia muito o que aprender sobre a vida escutando os pacientes terminais” (KÜBLER-ROSS, 1998a, p.145).

A negação, acompanhada do isolamento, é a fase em que o paciente tende a não aceitar a própria doença. Com o recebimento da notícia chocante, que, na maioria das vezes, vem de um profissional da área de saúde, o indivíduo se coloca diante de uma realidade que lhe faz tomar consciência da vulnerabilidade da vida. A crença de que o erro médico existe mediante o diagnóstico, persegue o indivíduo como uma sombra de esperança. É uma negação temporária, que irá atuar como uma defesa e que, em seguida, é aceita pelas constatações comprobatórias documentais (KÜBLER-ROSS, 1998b). A dificuldade temporária permanece provocando certo isolamento no início, com tendência a ser aceita na próxima fase dos estágios.

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No segundo estágio – o da raiva – o paciente passa a se perguntar: “Por que aconteceu comigo?”. Essa reação vem acompanhada de muitas emoções negativas. Durante esse estágio, um dos mais difíceis de atravessar, todos os questionamentos da vida se apresentam e, raras vezes, a raiva se volta contra a própria família, os profissionais da saúde e, até mesmo, contra Deus. Segundo Kübler-Ross (1998b, p. 56), “deve-se isso ao fato de essa raiva se propagar em todas as direções e projetar-se no ambiente muitas vezes sem razão plausível”, exigindo dos cuidadores paciência e compreensão. Segundo a autora, o fato de o paciente externar a raiva também faz parte do processo de aceitação da doença.

O terceiro estágio – o da barganha – é mais curto, em que o paciente vai tentar “negociar” com Deus, procurando afastar a ideia da morte próxima. Promessas são feitas, incluindo negociações que lhe darão maior sustentação psicológica para os dias que virão. O futuro incerto do indivíduo parece impedir que ele cumpra compromissos assumidos perante as pessoas e a vida. Então, ele tenta se apegar, ao máximo, nessa fase, à parte espiritual. A espiritualidade torna-se latente, pois será uma “âncora” que dará suporte nos momentos mais difíceis do tratamento oncológico. Segundo Kübler-Ross (1998b, p. 89), “as maiores barganhas são feitas com Deus, são mantidas geralmente em segredo, [...]”. Psicologicamente, as barganhas produzirão efeito sobre o paciente, muitas vezes, aumentando a fé e a esperança.

No quarto estágio – o da depressão – os sentimentos tristes e depressivos afloram, porque o paciente não pode mais negar a doença e é forçado a submeter-se a ela (KÜBLER-ROSS, 1998b). Outros aspectos são também envolvidos nessa fase, em que fortes mudanças estão ocorrendo: o setor financeiro, o familiar e a parte estética são diretamente afetados, pois o tratamento está sendo aplicado; é o estágio em que a maioria dos pacientes perde os cabelos, e alguns aspectos físicos são modificados, dificultando ainda mais esse período. É uma espécie de vivência inconsciente do luto pela própria vida, estágio de interiorização do problema.

O quinto e último estágio – o da aceitação – é aquele em que o paciente já está bem debilitado, devido ao tratamento e aos efeitos da própria doença, é quando ele aceita que é mortal, que a morte está presente na vida. O estágio da aceitação é um processo muito lento, daí surge a compreensão de que não existe muita coisa a se fazer, portanto, resta aceitar a situação sem revoltas, em alguns casos. Kübler-Ross (1998b, p. 121) assevera que “[...] não está na natureza humana aceitar a morte sem deixar uma porta aberta para uma esperança qualquer”. É nesse estágio em que o indivíduo inicia uma fase de revisão da

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própria existência. Acontecimentos, fatos importantes e datas comemorativas que fazem parte da vida psíquica e emocional são rememorados, recapitulados, repensados, trazendo um pouco de alívio, esperança e fé. Durante esse estágio, a pessoa necessita de muito cuidado, controle e acompanhamento espiritual.

Os estágios pelos quais os pacientes em iminência de morte passam podem coincidir com os mesmos do cuidador-familiar. Ao receber o diagnóstico de uma doença grave como o câncer no ente familiar até o final do tratamento ou da morte, o cuidador- familiar tende a passar pelos mesmo cinco estágios, mas, nem sempre, seguem a mesma ordem proposta por Kübler-Ross, porque se encontram em níveis de necessidades diferentes. Sentimentos como culpa, impotência, raiva, tristeza, angústia e perda assolam os membros da família, por isso os cuidadores-familiares também precisam de apoio e de cuidados, pois “precisam de alguém que lhes dê suporte, que lhes ofereça proteção e apoio, facilitando seu desempenho, compartilhando de algum modo sua tarefa” (CAMPOS, 2005, p. 42).

Dessa forma, Elizabeth Kübler-Ross contribuiu com suas pesquisas, por meio de uma abordagem interdisciplinar, sobre as atitudes perante o entendimento do fenômeno da morte com pacientes em estado terminal. Mas também é possível traçar semelhança com os estágios propostos por ela em pessoas que passam por crises existenciais, que, nesse caso, são os (as) cuidadores-familiares da Casa da Criança, sujeitos desta pesquisa. Mesmo com algumas diferenciações, os estágios propostos pela autora permitiram avaliar o papel preponderante nas mudanças ocorridas nos sentimentos e nos valores dessas pessoas, durante o processo de tratamento de câncer no ente familiar.

Com base nos cinco estágios propostos, a autora sugere que profissionais de saúde e cuidadores abram espaços de escuta para as demandas emocionais dos pacientes em iminência de morte, como uma nova forma de administrá-la e ao morrer.

3.2 AVALIANDO OS CUIDADORES-FAMILIARES PELOS ESTÁGIOS DE KÜBLER-