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5.4 HERMENÊUTICA

7.1.5 Entrevista da avó Carina

Tenho 60 anos, trabalho de segunda a sexta numa firma terceirizada para o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), e no sábado faço faxina numa casa. Sempre trabalhei na minha vida. Tive cinco filhos e tenho treze netos. Estou separada do pai deles tem cinco anos, mas ele vem aqui todos os dias, somos amigos.

Tenho três netos que estudam no PROEM (Promoção Educativa de Menores). Minha neta, que mora aqui, tem três anos que ela estuda lá. Eu acredito que lá é melhor para ela. Lá na escola ela fica o dia inteiro, tirando o tempo de ficar à toa e procurar coisa que não presta na rua. Os outros dois eu não sei por que a mãe deles quis colocar lá, mas acho que também é porque lá fica o dia inteiro e eles acabam os estudos mais rápidos.

Eu conheço a escola e gosto de lá. As pessoas tratam a gente muito bem. Na verdade quando minha filha quis colocar minha neta lá eu resisti muito, não gostei do tipo de meninos que tem lá. Muitos deles têm passagem pelo Centro de Atendimento Juvenil Especializado CAJE, mexem com drogas e outras coisas erradas. Mas minha filha disse que lá era melhor porque a menina ia ficar o dia todo. Agora ela está com 16 anos, e nós estamos achando que ela está envolvida com drogas, a escola me chamou para falar que eles estão vigiando, ainda não pegaram, mas pediram para a mãe dela levar ela no adolescentro. Eu acho que o PROEM pode até ajudar minha neta. Eles já até arrumaram uma vaga de emprego para ela, mas ela se confundiu e perdeu a vaga, já era para ela estar trabalhando. Eu já pensei em tirar minha neta lá da escola, mas acho que isso não vai adiantar porque onde ela for isso vai estar lá esperando, porque agora isso virou uma praga.

Ela começou a fazer o tratamento, tomar alguns remédios. Mas ela já não vai e não toma mais os remédios, disse que não quer mais se tratar. Há pouco tempo a mãe dela estava começando a trabalhar, quando chamaram para falar das desconfianças, eu fui lá. Nesse dia, quando eu cheguei em casa à noite, eu fui conversar com ela e ela me garantiu que não mexe com nenhuma porcaria.

Há mais ou menos dois anos atrás eu andei lhe dando umas lapadas quando me respondeu mal, a mãe não estava então eu mesma corrigi, ”porque se come do meu pirão come do meu cinturão”. Eu não bato, trato muito bem, mas nesse dia eu não aguentei.

Essa menina tem de tudo aqui, coisas que os tios e a mãe não tiveram. Eu acredito que ela está envolvida com drogas, ela mudou muito dentro de casa. Há poucos dias ela brigou na escola e a polícia levou ela para o DCA. Fiquei muito chateada com a escola; podia ter chamado a gente para conversar com ela, eu não tive nem a oportunidade de conversar antes com ela. A briga foi porque eles estavam jogando bola e um time quando perde tem que aguentar as críticas dos outros. Isso é errado, a escola podia os fazer entenderem que alguém perde e outros ganham. Isso me deixou muito preocupada.

Hoje, por exemplo, ela não está em casa. Tem quase um mês que ela foi para casa do pai, e ele não se importa muito em mandar ela embora pra ir pra escola. Na casa do pai ela fica muito solta, o pai trabalha o dia todo e a avó toma remédio controlado e não consegue vigiar. E eles não a mandam embora para ela vir pra escola. Minha filha já foi no conselho tutelar e eles não fazem nada. Eu não sei nem se ela ainda tem a vaga dela lá na escola. Eu acho que ele tinha que deixar ela ficar lá só no fim de semana e mandar ela embora para ir pra escola na segunda-feira. Mas parece que ele não entende isso, e ela vai ficando livre da escola. Ela está numa fase da gente falar alguma coisa e ela ficar revidando, está muito nervosa em casa.

Essa menina eu crio desde que a mãe dela me disse que estava grávida, com 16 anos; ela era muito novinha para dar conta de uma criança sozinha. Eu sempre que chegava à noite em casa eu ia brincar com ela, e sempre tirava umas fotos só para acompanhar ela crescendo, coisas que eu nunca consegui fazer com os meus filhos. Isso é uma barra para mim, e eu só enfrento isso porque eu já crio desde nenenzinha, é como se fosse minha filha, eu quero ajudar, vou à escola, marco com a professora, assisto palestra junto com ela, e ela sempre com resistência, ela não quer ouvir, vira a cara. Nessa idade em que eu estou hoje eu vou falar, era para eu estar sossegada, eu já criei os meus filhos. Hoje eu me preocupo muito é com os meus netos, porque a geração de hoje você fala e eles não escutam. Eu me preocupo muito com os que estão na idade da adolescência. Eu mesma queria meus netos só para ter a alegria, mas não me deixam muito alegre.

Eu acho que a escola podia ajudar os avós desses adolescentes oferecendo um lugar para eles trabalharem, uma oficina para os homens ou trabalhos manuais, costura ou cozinha para as mulheres, assim aqueles adolescentes não ficavam tão livres, porque eu acredito que quanto mais tempo livres mais esses meninos vão para rua fazer as coisas erradas. Era bom se

os avós fizerem palestra para contar para os netos que não vale a pena usar droga, roubar. Porque no nosso tempo a gente não precisou usar drogas e fomos trabalhar muito cedo. Assim ajudava os avós a ganhar mais dinheiro e também a cuidar daqueles netos mais difíceis. Eu não estou precisando porque eu trabalho e só ajudo a minha filha com essa menina e mais um de cinco anos, os outros filhos eles cuidam dos próprios filhos.

Os meus filhos quando eram pequenos ficavam em casa trancados, eu e o pai deles trabalhávamos o dia todo e só chegava à noite. Os mais velhos cuidavam dos menores, todos eles iam para a escola. Hoje não pode fazer mais isso, o conselho tutelar proíbe. Eu morava de aluguel no Gama em casinha de dois cômodos, hoje eu moro aqui nessa casa que hoje é minha e do meu ex-marido.

Nenhum dos meus filhos quando eram menores mexeram com drogas ou bebiam, mas hoje eu tenho dois que usam drogas. Um deles usa maconha e está preso, por porte ilegal de arma, ele me falou que nunca matou ninguém, então por que estava com a arma?

Hoje a gente não pode nem falar mais alto com os filhos que já estão levando para delegacia, e são os próprios filhos que vão lá e denunciam. Na época dos meus filhos, se eu fosse chamada na escola para receber alguma reclamação, quando eu chegasse em casa aquele menino ficava de castigo, apanhava. Eles não tinham o tempo de ficar livres como esses adolescentes de hoje. E eu acredito que hoje tem professor sendo morto na escola, apanhando porque não pode nem falar mais alto com o menino. Não pode corrigir em casa, não pode corrigir na escola. Isso não tá certo, esses meninos precisam saber que não pode ser assim.

Um dia eu falei lá na escola: “lá em casa, a polícia e o conselho tutelar sou eu”. Porque eu vou corrigir da minha maneira, e aí ela vai chegar melhor para vocês amanhã. Desse jeito esses adolescentes vão tomar conta do mundo. E eu acredito que, se no intervalo das aulas lá na escola, a gente sentasse como esses adolescentes e conversasse com eles, poderia melhorar esse tempo livre deles. Assim, a gente ajuda a escola e a escola ajuda a gente a cuidar melhor desses meninos. Não dá para gente bajular esses meninos como a lei pede. Essa lei fez 20 anos, precisa melhorar, não está ajudando em nada. Assim, vai disso para pior. Eles estão protegendo esses meninos, precisa mudar; a gente já mudou tudo isso, precisa mudar também.

7.1.5.1 Análise da fala da avó Carina

A avó Carina coloca que a escola é boa para seus netos porque ela funciona em tempo

integral, “é o dia todo”. A escola é para a avó Carina um refúgio, que tem a função de

três anos que ela (a neta) estuda lá”. Ela diz: “Eu acredito que lá é melhor para ela, lá na escola ela fica o dia inteiro, tirando o tempo de ficar à toa e procurar coisa que não presta na rua [...]”.

A avó Carina deixa ver que a escola pode ser a “queda” onde ela fica insegura com os

outros alunos. Ela conta que “muitos deles têm passagem pelo Centro de Atendimento

Juvenil Especializado (CAJE), mexem com drogas, e outras coisas erradas”. A Avó Carina deixa ver o seu medo pelo perigo, pelo monstro durandiano da morte. Segundo ela, a neta agora “está com 16 anos, e nós estamos achando que ela está envolvida com drogas [...]”. A

queda durandiana pode estar iminente. “Cair significa perder o equilíbrio, descer, ir ao fundo.

Lembra a angústia humana” (LOUREIRO, 2004, p. 24).

A avó Carina trata de sua neta com atenção e carinho, apesar dos conflitos. “Essa

menina eu crio desde que a mãe dela me disse que estava grávida [...]. Chegava à noite em casa eu ia brincar com ela, [...] é como se fosse minha filha. Eu quero ajudar, vou à escola, marco com a professora, assisto palestra junto com ela e ela sempre com resistência, ela não quer ouvir, vira a cara [...] Eu não bato, trato muito bem”.

Wegner e Benitez (2013) colocam que o amor e a atenção dos avós são fundamentais para que os adolescentes se sintam seguros. Eles transmitem ensinamentos com conversas, brincadeiras, histórias do passado e orações. Esses ensinamentos são indispensáveis para a vida social e adulta.

A avó Carina mostra um imaginário heroico, pois luta, com amor, contra o “monstro” yvesdurandiano. Sua forma de combater é com seu trabalho, seu amor e a sua autoridade de avó. Ela, imbuída de sua avosidade, protege sempre a neta, deixando a dúvida sobre o seu comportamento. Ela não admite confessar um comportamento desviante da neta. Ela tem

dúvidas, mas diz: “eu fui conversar com ela e ela me garantiu que não mexe com nenhuma

porcaria. [...] Eu mesmo queria meus netos só para ter a alegria, mas não me deixam muito alegre”.

“Esta categoria de temas é caracterizada pela ação heroica do personagem que serve de tema ao conjunto da composição. A estrutura temática se organiza em torno de três elementos

essenciais: o personagem, a espada e o monstro” (DURAND, Y., 1988, p. 75). Segundo,

ainda, o autor, estes três elementos, quando presentes em uma composição, remetem à existência de um imaginário com estrutura heroica, situado no Regime Diurno das imagens.

Avó Carina mostra em seu discurso traços da estrutura mística, quando baixa as armas

Com relação à escola, Carina diz: “Eu conheço a escola e gosto de lá. As pessoas tratam a gente muito bem”. Ela sugere: “Eu acredito que, se no intervalo das aulas lá na escola, a gente sentasse como esses adolescentes e conversasse com eles, poderia melhorar esse tempo livre deles. Assim, a gente ajuda à escola e a escola ajuda a gente a cuidar melhor desses meninos”. No entanto, ela não aceita o preestabelecido e reclama de certas atitudes da escola com relação à sua neta: ela coloca sua insatisfação neste sentido. Ela quer ela mesma

tratar dos desvios de sua neta. Carina conta que “Há poucos dias ela (a neta) brigou na escola

e a polícia levou ela para o Delegacia da Criança e Adolescente (DCA). Fiquei muito chateada com a escola. Podia ter chamado a gente para conversar com ela, eu não tive nem a oportunidade de conversar antes com ela [...] lá em casa a polícia e o conselho tutelar sou eu. Porque eu vou corrigir da minha maneira, e aí ela vai chegar melhor para vocês amanhã. [...] porque se come do meu pirão come do meu cinturão”.

A avó Carina apresenta um imaginário com estrutura HEROICA.

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