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Como surgiram estes Gabinetes?

O conceito de GABIP foi forjado pela vereadora Helena Roseta e a ideia era de que os bairros com problemas complexos tinham que ser objeto de uma governação integrada. Integrando as diversas valências camarárias e os diversos stakeholders locais. Tendo como paradigma a governação integrada dos bairros para a resolução dos seus problemas. Os GABIP vieram colmatar a lacuna na governação dos bairros mais problemáticos de Lisboa. O GABIP – Mouraria é criado em 2011 e desde o princípio reportava ao Presidente de Câmara.

Na perspetiva do GABIP a reabilitação urbana contém que componentes?

Nós discutimos a questão semântica logo no início e oscilamos entre os conceitos de reabilitação, revitalização e regeneração. Adotamos o termo reabilitação para a componente física tangível do projeto (prédios, ruas, mobiliário urbano) e utilizámos a expressão revitalização para a componente intangível, social da intervenção. Ao conjunto das duas usamos a expressão regeneração urbana.

Qual o posicionamento do turismo nesta regeneração da Mouraria?

Todo este processo de regeneração tinha dois objetivos essenciais: (1) melhorara a vida das pessoas que já cá viviam e o outro (2) atrair novas pessoas ao bairro, fossem elas moradores, investidores ou visitantes nacionais e estrangeiros. Sendo que nós sempre desejámos um equilíbrio entre os que já cá moram e os que podem vir de fora, dado que aí podem ocorrer fenómenos de gentrificação ou turistificação que não desejávamos de todo por comprometer de forma indelével a qualidade de vida dos moradores que já cá estão ou até a possibilidade de continuarem no bairro. Este bairro podia perder as características que tem, nem as pessoas que já cá estavam e que nós respeitamos profundamente. Sempre tentámos fazer um balanceamento entre estas duas variáveis,

mas nem sempre é fácil. Mas assumidamente queríamos novos visitantes e novos turistas desde que de forma equilibrada e não massificada.

O que nós fizemos para que isso acontecesse foi:

1 – Investimos na segurança do bairro e limpeza, numa perspetiva, não de reforço policial, e isso foi uma estratégia deliberada, mas de ocupação do espaço público. Se o espaço público estiver ocupado e habitado por pessoas, pela comunidade, se houver uma coreografia rica na rua os espaços serão muito mais seguros. Para isso desenvolvemos muitas estratégias para devolver a rua aos moradores tornando o espaço público mais seguro;

2 – Tirar os carros dos passeios e regular o trânsito, melhorar a iluminação e o mobiliário urbano, tudo o que tinha a ver com o espaço público. Pretendia-se dotar o bairro de melhor aspeto. Tomamos uma iniciativa inédita e única em Lisboa de inaugurar um percurso turístico pedonal, composto por 11 totens de sinalética, do largo do Intendente ao Largo Adelino Amaro da Costa. Isto é um sinal claro que queremos cá turistas. Tivemos outra iniciativa com a Escola de Comércio de Lisboa, realizar formação durante um ano para o comércio local diurno e outra para o comércio noturno. Pretendia-se facultar aos comerciantes locais um upgrade da capacidade de gestão, de atendimento e de fidelização dos clientes. Ajudámos a criar visitas guiadas pela mão da associação Renovar a Mouraria, ajudámos a criar a rota das tasquinhas e restaurantes da Mouraria que já estão sinalizados com uma placa. Um dos aspetos que nos distingue de todos os outros bairros de Lisboa é a diversidade de visitas guiadas que desenvolvemos ou ajudámos a desenvolver na Mouraria. Por exemplo, as visitas guiadas cantadas, que foram capa do “Le Monde”, mostram bem como queremos atrair turismo mas de qualidade e original, não queremos aqui um centro comercial de turismo. Aqui pode visitar-se a Mouraria com um guia local e com fadistas ou a Mouraria chinesa. Temos também visitas para pessoas com dificuldade de mobilidade ou outras. Temos uma visita aos sabores e cheiros da Mouraria. Portanto a diversidade de visitas que aqui se fazem são um sinal claro que queremos receber bem os turistas que querem conhecer a Mouraria. Tudo isto com guias locais, o que contribui para o combate ao desemprego. O trabalho fotográfico de Camila Watson exposto permanentemente nas ruas do bairro com imagens dos moradores mais carismáticos do bairro e fadistas que aqui nasceram ou viveram são uma forma de promover a identidade da Mouraria e melhor receber os turistas.

Não fazemos as coisas atabalhoadamente, não nos interessa só ter tuk-tuks a voar por todo o bairro, em muitos casos a violar o espaço íntimo das pessoas

A chave do sucesso do que foi realizado não se deve também ao número de instituições e associações do bairro que foram envolvidas no projeto?

O GABIP tinha uma filosofia de atuação chamada de “Baixo para Cima”, em que os processos de mudança desde a sua génese foram apropriados pela população e instituições intermédias: a sociedade civil em geral. Só assim com uma ampla participação da população os processos de mudança podem ter sucesso porque perduram no tempo e no espaço, passando a fazer parte das pessoas que participam neles.

Para sintetizar qual o tipo de turismo que melhor se adequa aos objetivos deste projeto?

É obviamente o turismo cultural, aliás devo-lhe dizer uma coisa, este é o bairro mais multicultural de Lisboa e provavelmente do país. Nós temos uma cantina popular na Mouraria voltada para as cozinhas do mundo. Vamos também ter um festival de cozinhas do mundo. Sem dúvida nenhuma que o que se pretende ter na Mouraria é um turismo de natureza mais cultural, uma experiência viva e o mais autêntica possível.

Qual é o futuro da Mouraria?

Esperamos conseguir no novo QREN 2020 realizar os projetos que, embora concluídos no papel falta por no terreno. Um deles é a oficina da Guitarra Portuguesa. Pretendemos um espaço para os construtores e para divulgar a guitarra portuguesa ao turismo internacional. Temos neste momento em fase de licenciamento uma casa de Fado. Pretendemos continuar a trabalhar com os toxicodependentes e com as prostitutas que desejarem encontrar novos rumos às suas vidas.

Qual foi a intervenção do GABIP nas propostas vencedoras do orçamento participativo?

Nós incentivámos e apoiámos algumas propostas de cidadãos ou instituições que nos pareceram mais credíveis, resolvendo aspetos técnicos da sua elaboração. Ganhámos

já três vezes com os projetos “Há vida na Mouraria”, Centro de Inovação e Casa da Mobilidade, estes dois ainda em fase de execução.

Como é que de futuro a Mouraria pode resistir à gentrificação e turistificação?

É um grande desafio que não é fácil de ultrapassar. Controla-se muito mal o mercado. O estado não controla o mercado especulativo e assim é impossível debelar este problema. Mas tentamos mitigar o problema através da reabilitação dos prédios municipais e do arrendamento jovem ou social. Temos um gabinete jurídico de apoio aos inquilinos e pequenos proprietários que são assediados para vender as suas casas.

Em relação à animação noturna não se corre o risco de ver repetida a história do Bairro Alto?

De modo nenhum. O nosso plano de urbanização é muito restrito, aqui aconteceu precisamente o contrário. A zona de maior concentração de bares foi e ainda é o Intendente. Uma das medidas que nós tomamos foi reduzir drasticamente os horários destes bares. No Intendente os bares funcionavam até às 4 h da manhã, sete dias por semana e a primeira medida que nós tomamos, muito contestada pelos comerciantes, foi reduzir o horário de funcionamento para as 24h durante a semana e as 2h ao fim de semana. Isto foi uma forma de acabar com algumas práticas ligadas à vida noturna mais marginal. Por outro lado fizemos um festival em julho no Intendente, muito contestado por quem aplaudiu a redução dos horários dos bares. Desafiamos vários donos de bares a reciclarem os seus negócios e houve muitos bares que se transformaram em pastelarias ou enotecas. O aumento do número de visitantes ao bairro tem contribuído para o sucesso destas mudanças. Exemplo paradigmático é a abertura do original, um restaurante que anteriormente era um bar de má fama.

As críticas ao aumento dos turistas que visitam Lisboa visível nas redes sociais parecem-lhe pertinentes em relação à Mouraria?

Embora haja situações em que é preciso ter atenção, como a proliferação dos Tuk- Tuks na Mouraria, o problema não reside na quantidade mas nas práticas que podem incentivar o turista a desrespeitar o espaço e as pessoas. O problema está na oferta. Uma das queixas que se ouve muito é a inflação dos preços, principalmente na restauração e

nas mercearias locais. Isto poderá estar relacionado com a quantidade, mas tem como principal causa a forma como enquadramos o turismo no espaço onde ele é praticado. Eu diria que a Mouraria está longe de atingir o limite da sua capacidade de carga.

Apêndice 4 - Entrevista com o Vice-Presidente da Associação Renovar