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Entrevista realizada em 18/06/2015 Local: Vinheria Percussi

Silvana – Silvia, qual e a origem da sua família?

Silvia – Meu pai nasceu na Toscana, em Pistoia. Mas quando ele tinha 5 anos, eles foram morar na Ligúria, em Sestri Levante. O meu bisavô abriu uma loja de carvão, na época, por isso eles foram para lá. Então meu pai cresceu em Sestri, que é uma cidade que fica no Golfo del Tigullio, na Ligúria, justamente entre Gênova e Cinque Terre, uma cidade pequena de dezessete mil habitantes. Meu pai fez Accademia da Marinha, em Camoglie, e ele se tornou oficial da marinha italiana. Começou a trabalhar em navios de carga, inicialmente, e depois passou para os navios de passageiros. O papai navegou 15 anos. Numa dessas viagens, quase no final da carreira dele, que ele ia ser comandante, ele conheceu a mamãe. Numa viagem de passageiros. Eles namoraram por carta, um, dois anos, casaram e veio para o Brasil. A mamãe nasceu aqui no Brasil. Meus avós eram de Bergamo, os irmãos da mamãe eram de Bergamo e em 1939 quando ia estourar a Guerra na Itália, minha avó veio para o Brasil. Por isso minha mãe nasceu aqui. Aí, desde pequenos que vamos para a Ligúria. Meu pai ficou com a família lá.

Silvana – Então a gente poderia dizer que os laços mais firmes com a Itália, para a família, estão na Ligúria?

Silvia – Sim. Me sinto em casa. Gosto do lugar, do jeito, da cidade pequenininha. Já estou com 50 anos. Então faz 50 anos que vou pra lá, então fiquei realmente super por dentro da gastronomia, dos vinhos, das coisas locais, do jeito de vida.

Silvana – Como se deu o nascimento da Vinheria Percussi?

Silvia – O papai era industrial, trabalhou na indústria dos 36 até os 50 anos de idade. Ele se separou dos sócios, ficou proprietário dos imóveis dessa indústria. E ele era muito jovem. A gente falou, que ele não devia ficar sem fazer nada. Era muito novo para se aposentar. E o meu pai já era um apaixonado por vinhos e comida, por isso ele quis trabalhar com vinho. Abriu uma representação, foi para a Itália, importou os vinhos. Só que foi na época do Delfin Neto – que interrompeu as importações. Então

155 a minha mãe teve que ir para a Itália e revender o container. O papai ficou

desanimado. Ai ele falou ‘vou para Sul, ver o que tem no Sul e vou representar vinhos brasileiros’. Então papai tinha Chateau Duvalier (que a pessoa pedia com o nome dela), foi na vinícola Vizzardi (que hoje mudou de nome) e ele começou a ter esses vinhos da Vizzardi. Na época eu fazia desenho industrial e eu fazia os rótulos.

Chamava Vila Cristina os vinhos do meu pai, que ele comprava dessa vinícola, fazia o rótulo... Aí a gente resolveu que tinha que ter uma loja para vender essa mercadoria. Não podia ficar no depósito.

Eu fazia decoração e desenho industrial. O Lamberto tava nos EUA, ele tava em dúvida se queria ser baterista, administrador de empresas (ele já tinha se formado). Aí a mamãe fez umas pesquisas (estamos falando de 30 anos atrás), a gente não tinha como trabalhar o vinho sozinho. Tinha que agregar com alguma comida. Através da comida a gente ia conseguir vender o vinho. Então eles abriram essa sanduicheria e começou com vinhos em taça. Depois de 18 meses, que é bem pouco, Lamberto já assumiu. Ele voltou dos EUA e começou a mudar tudo. Colocou cervejas, quiches... Em 88, o Lamberto me chamou para trabalhar com ele.

A Vinheria foi fundada em 85. Em 87 o Lamberto já estava lá. Em 88 Lamberto me chamou. Quando o Lamberto me chamou, a gente já tinha mudado o endereço da Joaquim Antunes 468 para a Cônego Eugenio Leite 523 e eu falei assim: Lamberto, nós vamos começar a fazer a nossa cozinha. Aí eu fui buscar as minhas raízes, as minhas origens. Então eu ia pra Sestri, perguntava do pesto pra Deus e todo mundo. Casualmente, muitos amigos nossos têm restaurante. Então cada um dava uma dica, deixava eu ficar na cozinha uns 2, 3 dias. Foi indo assim. Quando eu tive a minha filha, em 1994, era mais barato ir pra Itália e ficar no apartamento dos meus pais, do que ficar em Campos do Jordão. Então eu ia todo ano pra Itália, assim a Francesca ia falar italiano, que pra mim é fundamental. Eu fazia cursos e trabalhava em restaurante para aprender. Aí eu fui buscando as coisas locais. O trofie, o pesto, corsete, pansotti, os peixes – que é um problema seríssimo por que a gente não tem os peixes de lá – essa é a parte mais dolorosa. E fui me infiltrando e trazendo pra nós essa cozinha, que pra ser bem sincera, o brasileiro não tinha noção do que era. O brasileiro tinha noção da cozinha do imigrante, do sul da Itália, que era nhoque, lasanha e fusilli. Eu falava espaguete ao pesto e ninguém sabia o que era. Hoje, mudou completamente esse cenário. O brasileiro circula pra caramba, já sabe o que é pesto. Foi melhorando. Silvana – Você falou desse começo, que o brasileiro não conhecia alguns pratos. A aceitação foi imediata?

Silvia – Não. Foi super difícil. Cada vez que eu trazia um negócio diferente era assim, voltava tudo pra cozinha. Daí os cozinheiros olhavam pra minha cara e diziam:

ninguém quis. Foi um trabalho cultural de ensinando, propondo. Hoje, há um respeito desses trinta anos então as pessoas aceitam o novo.

Silvana – Quando você começou a servir o pesto, o cliente já sabia o que era? Silvia – Não. Ninguém entendia nada. Quando eu comecei a fazer, nem tinha o manjericão gigante que agora tem. Nem tinha esse manjericão largo e fino, que é o gostoso. Só tinha o miudinho. Aquilo é que nem fazer com grama. É muito ruim. Fica aquele verde escuro, amargo. O pinoli que tem aqui vem do Líbano, Turquia, que é

156 um pinole gordinho, diferente de sabor. É muito difícil trazer a cozinha e conseguir aproximar os sabores.

Silvana – Então não é só adaptação de paladar, mas também de ingrediente? Silvia – De terroir.

Silvana – O cardápio fixo da Vinheria tem a presença da cozinha toscana, mais vigorosa, dos próprios cogumelos.

Silvia – Tem porque o brasileiro adora. Brasileiro gosta de carne, gosta de molho, gosta de sustança. O ravióli de verdura é uma coisa lígure. Sempre tem. Ao ragu, ao pesto ou ao sugo. Mas aqui não é valorizado. Quando a gente faz de espinafre e ricota, o brasileiro acha super banal. Essa cozinha rústica, verdadeira, é muito difícil. A maioria das pessoas não entende.

Silvana – Como você define o cardápio da Vinheria?

Silvia – Tem um pouco de tudo. Ele tá baseado e transcrito para o nosso público. É o que o brasileiro gosta. Tenho carpaccio que o brasileiro adora e o meu é de filé- mignon, não é de lagarto. Já é um diferencial. A gente tem polenta, que é uma coisa bombada, mais pra cima. Risoto também é de lá. Eu definiria o meu menu como uma pincelada de várias coisas. Com alguns pratos de influência da Toscana, Ligúria, Sicília. Por exemplo, o meu espaguete ao vôngole é Lígure, pq é com azeitona preta, é com pinole e é em branco. Isso vc come na Liguria. Mas não existe uma região

exclusiva. Não dá pra focar. Culturalmente, é muito difícil fazer a transfusão de uma cultura. Brasileiro ama comer costeleta de cordeiro com fettuccine, por exemplo. O brasileiro não quer comer como o italiano.

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