• Nenhum resultado encontrado

Capítulo IV – Enquadramento Metodológico

4.4. Técnicas e instrumentos de recolha de dados

4.4.2. Entrevista

No sentido de apurar as representações sobre as dificuldades linguísticas dos sujeitos em estudo e de conhecer as suas histórias linguísticas, elaborámos três guiões de entrevista semiestruturados e individuais, uma vez que, “a entrevista é uma das

técnicas mais comuns e importantes no estudo e compreensão do ser humano” (Aires,

2001, p. 27).

Para tal, citamos Ketele & Roegiers (1999) que definem o termo “entrevista” como método ao serviço de um processo de recolha de informação.

A entrevista é um método de recolha de informações que consiste em conversas orais, individuais ou de grupos, com várias pessoas selecionadas cuidadosamente, a fim de obter informações sobre factos ou representações, cujo grau de pertinência, validade e fiabilidade é analisado na perspetiva dos objetivos da recolha de informações (Ketele & Roegiers, 1999, p. 22).

Deste modo, existem dados e determinadas informações que de outro modo, como através da observação e da análise documental, não seriam possíveis de serem conseguidos senão a partir da entrevista, pois, segundo Haguette (1997), a entrevista é

“um processo de integração social entre duas pessoas na qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado” (Haguette, 1997, p. 86). Tais informações referentes aos valores, atitudes

e opiniões dos sujeitos entrevistados fazem parte de uma coleta de dados subjetivos, que apenas e só podem ser obtidos através da entrevista. Em oposição, os dados objetivos podem ser colhidos através de fontes secundárias, tais como questionários, testes, entre outros.

De acordo com Aires (2001) existem três tipos de entrevistas que se distinguem pelas suas características básicas. Assim sendo, podemos diferenciar consoante o número de sujeitos entrevistados, uma ou mais pessoas, o espectro de temas, podendo ser biográficas quando abrangem muitos temas ou monotemáticas quando incidem num

só tema, e de acordo com o grau pré-determinação ou de estruturação das perguntas –

“entrevista em profundidade ou não-diretiva, entrevista focada e entrevista estruturada ou estandardizada” (Colás, 1992, citado por Aires 2001, p. 28). Na entrevista não-

diretiva ou em profundidade não existe uma formulação prévia das temáticas e por isso trata-se de uma modalidade de entrevista flexível, dinâmica e não-estruturada. No que toca à entrevista focada, esta pressupõe um guião com a explicitação de alguns temas antecipadamente pensados e para serem abordados durante a entrevista. E na entrevista estruturada ou estandardizada as questões são cuidadosamente redigidas e organizadas o que permitem obter dados mais sistemáticos e conclusões mais gerais.

A entrevista estruturada tem por base o estabelecimento de questões previamente estruturadas e um conjunto limitado de categorias de resposta. As entrevistas não- estruturadas, devido à sua natureza qualitativa, desenvolvem-se conforme os objetivos estabelecidos, em que as questões surgem a partir da interação entre os dois agentes, o entrevistador e o entrevistado. O objetivo deste tipo de entrevista prende-se com o caráter qualitativo do estudo, uma vez que, a intenção do investigador consiste em aprofundar a informação sobre acontecimentos, dinâmicas e conceções detetadas, ou não, durante a observação (Aires, 2001).

A partir da conceptualização apresentada, podemos inferir que o tipo de entrevista que melhor se enquadra no nosso caso é a entrevista não-diretiva, isto porque, partimos da necessidade de conhecer o sentido que os alunos atribuem aos seus atos. Para além disso, a entrevista em profundidade constitui uma técnica útil para a obtenção de informações de carácter pragmático, ou seja, para saber como os sujeitos atuam e reconstroem o sistema de representações sociais nas suas práticas individuais (Aires, 2001).

No entanto, consideramos também que, em parte, houve uma preocupação em formular um guião com algumas questões e orientações, bem como com as temáticas que pretendíamos abordar.

Deste modo, a entrevista permite combinar perguntas abertas e fechadas, em que os sujeitos têm possibilidade de desenvolver o tema proposto e o entrevistador permite que se desenvolvam essas mesmas questões, que são previamente pensadas, num contexto algo semelhante ao de uma conversa informal. Para além disso, o entrevistador

Capítulo IV – Enquadramento Metodológico

55

tem a função de dirigir a discussão para o assunto que o interessa, fazendo perguntas adicionais para clarificar questões que não foram bem compreendidas pelo entrevistado. Este tipo de entrevista é vantajoso, no sentido em que não só permite delimitar o volume da informação, como também, viabiliza um direcionamento maior para o tema, com a finalidade de alcançar os objetivos (Boni & Quaresma, 2005).

Relativamente à preparação da entrevista, esta consiste numa etapa fundamental da investigação, que requer tempo e exige certos cuidados que podem determinar o sucesso da mesma. Nesta perspetiva, Lakatos & Marconi (2001) afirmam que o objetivo a ser alcançado deve estar presente logo no momento de planeamento da entrevista; quanto à escolha do entrevistado, este deve ser alguém que esteja familiarizado com o tema; o momento da entrevista deve ser oportuno para ambos os agentes e marcado com tempo de antecedência; o entrevistador deve proporcionar condições favoráveis ao entrevistado facultando-lhe um voto de confidencialidade relativamente à sua identidade; por fim, a preparação específica que compreende a construção de um roteiro ou guião focando as questões importantes.

No que diz respeito à preparação da nossa entrevista, elaborámos um pedido de autorização para os encarregados de educação dos alunos que contemplava as seguintes informações: apresentação do investigador; propósito da intervenção; data, hora e local da entrevista. Para além disso, já havíamos alertado as alunas, aquando a realização das BL’s, para o objetivo da entrevista e o tempo de duração da mesma. Também, explicitámos os motivos de as havermos escolhido para terem sido entrevistadas, mostrando-lhes o valor acrescentado que as suas respostas poderiam trazer à investigação. Apesar de o objetivo e do tema serem os mesmos para as três entrevistas, procurámos adaptar o guião da entrevista de forma a atender às características específicas de cada aluna.

No momento da entrevista, foi importante escolher um conjunto de questões iniciais que colocassem as alunas no tema da conversa e, principalmente, que as ajudassem a desinibir e a ganhar confiança, aquecendo, desta forma, o ambiente relacional. Assim sendo, optámos por fazer questões que incidissem sobre os aspetos que retratassem a situação atual das alunas, tais como, a idade, naturalidade, composição do agregado familiar/habilitações literárias e profissão dos pais. Posteriormente, selecionámos um conjunto de perguntas que remetessem para as

memórias de infância vividas no país de origem, em que as alunas falaram sobre a escola, os amigos, as diferenças em relação à escola do país de origem em relação ao país de acolhimento, o contacto com as línguas e diferentes culturas e alguns aspetos da integração. De seguida introduzimos as representações sobre as suas dificuldades linguísticas e de que forma é que cada aluna combatia essas mesmas dificuldades. Por fim focámos a importância de ter consciência sobre as dificuldades linguísticas.

Torna-se importante referir que cada entrevista demorou cerca de 1h (uma hora) e apenas houve uma pausa feita na entrevista da Mo devido à ocorrência de uma falha no gravador, que consistiu num dos instrumentos de registo utilizados. Cada entrevista foi realizada individualmente numa sala de estudo que a escola nos disponibilizou. Convém ainda acrescentar que, no decorrer das entrevistas, tentámos respeitar os silêncios, que por vezes ocorreram durante o discurso das entrevistadas, pois sabemos que estes momentos são cruciais para se refletir sobre o que se irá dizer e como se irá expressar. Para além de tudo isto, notámos que as alunas de uma forma geral fizeram um esforço por responder a todas as questões e desenvolver um pouco mais o tema, contudo, com níveis de confiança distintos. Verificámos que a Mo (chinesa) apresentou uma postura bastante retraída e inibida ao longo de toda a entrevista, que nos foi transmitida pelo volume da sua voz, que quase sussurrava, e pela brevidade das suas respostas. Quanto à Alla (moldava), notou-se, desde início, uma predisposição diferente e um grau de abertura maior. Esta aluna mostrava mais confiança em si mesma, não tendo quaisquer complexos em relação ao facto de poder cometer erros no seu discurso, pois quando isso acontecia deixava transparecer um ligeiro desconforto mas encarado com naturalidade. No que toca à Darleila (brasileira), reparámos que inicialmente assumiu uma postura de contra-ataque mostrando pouca recetividade, mas após a primeira meia hora mudou para um ar mais descontraído e confiante. No entanto apresentou dificuldades no desenvolvimento do seu discurso dando respostas curtas de sim e não. Pensámos que tal alteração comportamental deveu-se ao facto de a aluna ser falante da variante do português do Brasil.

Em jeito de conclusão, considerámos que a entrevista, aliada à BL, constituiu uma técnica pertinente no nosso estudo, pois permitiu-nos confrontar a nossa perceção do “significado” atribuído pelos sujeitos aos acontecimentos com aquela que os próprios sujeitos exprimiram (Andrade et al, 2007). Em contrapartida, pensamos que o tempo de

Capítulo IV – Enquadramento Metodológico

57

entrevista não foi suficiente para explorar as questões mais focadas nas representações das alunas sobre as suas dificuldades linguísticas.