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3. MÉTODOS E TÉCNICAS

3.4 As Entrevistas

Nesta fase, foram realizadas as entrevistas para obter informações do processo de mudanças ergonômicas nos setores estudados e a representação associada ao impacto destas alterações naqueles que as vivenciaram, buscando compreender como

elas interferiram na saúde das pessoas, na atividade de trabalho e no processo de produção.

Segundo KAHN e CANNELL (1992, p. 52) citado por MINAYO (1992, p. 108), a entrevista é definida como uma “conversa a dois, feita por iniciativa do entrevistador, destinada a fornecer informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e entrada (pelo entrevistador) em temas igualmente pertinentes com vistas a este objetivo”.

As entrevistas fornecem dados objetivos que poderiam ser adquiridos através de outras fontes como censos, estatísticas, registros civis entre outros e dados subjetivos referentes às atitudes, valores e opiniões dos atores sociais envolvidos na situação que se quer estudar (MINAYO, 1992).

As informações obtidas pelos questionários e observações não revelam todas as condições estruturadas, normas e as representações de grupo no contexto social, histórico, econômico e cultural que podem ser encontradas através da fala, o que faz da entrevista um instrumento privilegiado (MINAYO, 1992). Vale lembrar que uma pesquisa no campo social não é transparente, uma vez que o pesquisador interfere no conhecimento da realidade.

Como o objeto de estudo desta pesquisa é a avaliação de um processo de intervenção ergonômica que aconteceu durante um período determinado na empresa estudada, optou-se por entrevistas não estruturadas.

As entrevistas não estruturadas garantem que não ocorra um distanciamento entre as respostas dos entrevistados e suas significações, que podem acontecer em uma entrevista estruturada na qual a relevância dos dados é determinada pelo pesquisador que detém o monopólio da formulação das questões. É claro que na entrevista não estruturada o pesquisador controla todo o procedimento, mas assume o papel de questionador e pode ser entendida como uma conversa com finalidade determinada e o roteiro é apenas uma orientação para o entrevistador (MINAYO, 1992). A utilização de entrevistas permite apresentar as experiências vividas por uma pessoa, um grupo ou uma organização e é capaz de verificar o conteúdo cotidiano e as opiniões e motivações dos participantes da história, que são protagonistas dos fatos sociais, mas que podem ser desprezados na visão das classes dominantes (MINAYO, 1992).

Assim, foi elaborado um roteiro de entrevista que visa identificar as mudanças realizadas (técnicas e organizacionais), aspectos de saúde e doenças dos operadores de máquina, o relacionamento entre operadores e chefia, operadores e colegas, o envolvimento dos trabalhadores no projeto e resultados da intervenção ergonômica.

Os entrevistados foram estimulados a refletir sobre estes aspectos, a partir de uma pergunta inicial, que poderia ser: “conte-me como era um dia de trabalho quando ingressou na empresa?”,ou “como foi sua trajetória dentro da empresa?”. E, a partir desta pergunta, acrescentava-se outras indagações conforme as informações relatadas pelos entrevistados.

Dessa forma, o entrevistado tinha que relembrar sua situação de trabalho inicial e refletia sobre a condição atual, podendo identificar alterações e como estas foram percebidas por ele e por seu coletivo, sem que para isso o levasse a perguntas pré- estabelecidas ou induzidas.

Segundo MINAYO (1992), uma condição importante para o êxito desse instrumento de pesquisa é o envolvimento do entrevistado com o entrevistador, pois facilita a relação intersubjetiva, desperta o contexto do dia-a-dia e permite a utilização de uma linguagem de senso comum. Sendo que para isso algumas precauções devem ser tomadas, como a apresentação do pesquisador ao entrevistado por alguém que gere confiança, a explicação da entrevista e seus objetivos e garantia de anonimato e sigilo das informações aos entrevistados.

Para a garantia dos entrevistados, todos assinavam um termo de consentimento pós-informação (apêndice B) antes do início das entrevistas, com exceção de um entrevistado que optou pelo consentimento das informações sem assiná- lo.

A escolha dos entrevistados foi baseada no conceito de representação social, entendido como um senso comum entre os atores pertencentes a um grupo social. Nesse sentido, cada ator detém o conhecimento de sua experiência relacionado a sua história de vida; seu próprio significado na definição de uma situação é decorrente das abstrações, formalizações e generalizações da vida cotidiana, o que é fundamental para compreensão do contexto social (MINAYO, 1992).

Assim, SÁ (1995) cita JODELET (1989), para apresentar a definição de representação social, que possui maior consenso entre os estudiosos de pesquisa social:

“representações sociais são uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”(p. 36)

Para a compreensão e avaliação da situação, optou-se por escolher trabalhadores que acompanharam todo o processo de mudança, selecionando o mais antigo de cada setor estudado, aqueles que foram admitidos após o processo de intervenção ergonômica ter iniciado, sendo que de cada setor foi entrevistado um trabalhador admitido em 1997, ano em que a empresa realizou a última contratação efetiva. As entrevistas também foram aplicadas naqueles que tiveram afastamentos por LER/DORT e retornaram ao trabalho e aqueles que não retornaram; neste caso, de cada setor foi entrevistado um trabalhador de cada situação, com exceção do setor B, em que o trabalhador afastado por LER/DORT e que não retornou ao trabalho se recusou a ceder a entrevista, mesmo com a explicação do pesquisador e com o termo pós- consentimento, porque sentia medo e julgou que as informações poderiam ser utilizadas para sua demissão.

Os encarregados e chefes de seção, os líderes, o gerente de recursos humanos e uma fisioterapeuta membro do comitê de ergonomia da empresa foram entrevistados porque fazem parte da situação estudada e vivenciaram todo o processo de intervenção.

As entrevistas foram individuais e tiveram a duração máxima de uma hora, foram realizadas na própria empresa, em locais reservados e fora dos postos de trabalho, sendo que apenas o gerente de recursos humanos permaneceu em sua sala. Todas as entrevistas foram gravadas, com exceção da entrevista concedida pelo trabalhador afastado do setor A, que aceitou falar com a condição de não ser gravado e a conversa foi anotada.

As entrevistas gravadas foram transcritas integralmente e depois foram submetidas a uma leitura criteriosa, na qual o conteúdo era analisado através da classificação de trechos dos textos por categorias pertinentes ao objeto de estudo, permitindo a contextualização histórica do processo de mudanças decorrentes da

intervenção ergonômica, como os diversos atores envolvidos perceberam e participaram desta mudança e as resistências e conflitos existentes atualmente.