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1. ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

1.3 Instrumentos e técnicas de geração de dados e procedimentos utilizados

1.3.3 Entrevistas sobre os planejamentos

Ao delimitarmos a metodologia que seria usada em nossa pesquisa, não

pretendíamos utilizar a entrevista como instrumento de coleta de dados. Essa

4 Segundo informações do site http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj/, O Projeto NURC/ RJ se constitui de um conjunto de dados orais gravados e que serve como referência no estudo da variante culta do português brasileiro. A transcrição desses dados obedece a regras previamente estabelecidas que tem servido para o registro escrito de dados orais nas pesquisas das mais diversas áreas.

necessidade só surgiu no decorrer da investigação, quando percebemos a importância de utilizarmos também como dado as informações sobre os planejamentos didáticos. A ideia inicial foi a de coletar essas informações através da técnica da observação na ocasião desses planejamentos, mas logo foi sobreposta por outra: a de que era necessário que essas informações fossem vistas através dos olhos dos participantes e não dos nossos. Agindo assim, evitaríamos que nossa pesquisa se enquadrasse nos moldes das pesquisas qualitativas da década de setenta, nos quais, segundo Bogdan e Bikclen (1994) o excesso de descrições por parte do pesquisador desconsiderava a visão do participante.

As entrevistas foram realizadas com as duas professoras do segundo ano participantes da pesquisa e gravadas na forma de áudio em dois períodos distintos da investigação: antes da observação do primeiro conjunto de aulas e antes da observação do segundo conjunto. Em ambas as situações, as entrevistas tiveram como foco os planejamentos didáticos, por essa razão ocorreram no nosso primeiro contato com as professoras após a realização desses. Também realizamos entrevista com a diretora geral da escola campo da pesquisa, ao constatarmos, em momento de conversas informais, que esta tinha opiniões relevantes acerca do segundo planejamento didático, evento do qual ela havia participado. Assim como no grupo focal, todas as entrevistas foram transcritas conforme as regras do NURC e de forma integral.

Podemos classificar as entrevistas realizadas como sendo do tipo não-

estruturada, nos termos definidos por Moreira e Caleffe (2006, p. 167-168), uma vez que

não sendo formadas por “perguntas fixas”, nos deram a oportunidade de “introduzir novas questões” e a “liberdade para fazer perguntas sem estabelecer previamente uma sequência”. Para Laville e Dionne (1999) essa flexibilidade nas perguntas possibilita, inclusive, uma maior interação entre entrevistador e entrevistado, na medida em que favorece a exploração de saberes, de crenças e até mesmo de certas representações.

O que nos guiou na elaboração de novos questionamentos foi o teor da resposta à primeira pergunta feita, por essa razão, sequer utilizamos roteiro escrito

previamente elaborado. Foi o que ocorreu, por exemplo, na entrevista feita com a professora 2 (P2), na qual pedimos que esta relatasse as ações ocorridas no primeiro planejamento. Após ela ter citado que na ocasião as professoras elaboraram questões didáticas a partir dos dados da Provinha, vimos a necessidade de sabermos mais sobre essas questões e sobre a intenção da professora em utilizá-las ou não. Pode-se ler abaixo o trecho da entrevista que retrata esse fato, trecho esse que só será discutido no capítulo dedicado à análise dos dados.

Exemplo 1:

P2: No primeiro momento elas (as supervisoras) entregaram a Provinha e foi discutido o que os meninos erraram nas questões... aí depois pediram pra gente se juntar em grupos pra elaborar questões em cima do que os meninos erraram e isso foi discutido, apresentado na plenária. Pesquisadora: Como eram essas questões? Eram questões pra se trabalhar com os alunos? A gente pode chamar de... propostas de atividades?

P2: Sim! É.

Pesquisadora: Foi difícil de fazer?

P2: No começo foi mais difícil, aí elas deram um guia da Provinha Brasil pra gente ter uma ideia.

Talvez mais importante do que as informações que nos foram passadas nas entrevistas tenham sido aquelas colhidas quando o aparelho de gravação encontrava- se desligado. A título de exemplo, somente após a entrevista, uma das professoras declarou o que realmente pensava sobre determinada prática da supervisora de sua escola, e não o fez no momento em que respondeu as nossas perguntas. Assim, foi facilmente perceptível o fato de que a gravação inibia uma das professoras entrevistadas e nós, atentas a esse fato, procurávamos apreender o máximo de informações possíveis produzidas no momento das conversas informais, ocorridas dentro da sala de aula, ou mesmo fora dela, como na cantina ou nos corredores da escola, por exemplo. Giger (2004), em artigo que teve a entrevista como objeto de estudo, afirma que essas declarações dos participantes que precedem ou sucedem as entrevistas também devem ser vistas como parte destas, uma vez que a entrevista

“apresenta-se como um espaço de interlocução difícil de delimitar” (p. 246). O autor denomina esse espaço que não faz parte da entrevista propriamente dita de periferia da

entrevista e acrescenta que

(...) antes mesmo que os gravadores intervenham, os agentes já têm uma curta, mas importante história de constituição de sua relação... É nessa periferia que elementos fundamentais se apresentam, como a auto categorização como agente (professor e participante da pesquisa) e sua visão sobre os lugares sociais que ocupam. (GIGER, 2004, p. 246-247)

A percepção de Giger (op. cit.) de fato pôde ser constatada com nossa pesquisa. Era na periferia das entrevistas, durante o compartilhamento de práticas ou mesmo dos desafios próprios da profissão de professora, que estabelecíamos uma relação de proximidade com aquelas profissionais. Eram momentos privilegiados de interlocução em que elas assumiam o papel de professoras, que são, e não apenas de informantes da pesquisa. Isso possibilitava uma maior abertura para que mais dados viessem a surgir e é nesse sentido que concordamos com a opinião de Giger (op. cit., p. 242) de que a entrevista deixa de ser um “simples instrumento de coleta de dados” para se tornar “uma das fases centrais” da pesquisa