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SOBRE A ENUNCIAÇÃO DA AÇÃO POLÍTICA FEMININA EM IGARAPÉ-MIRI NAS PÁGINAS DO JORNAL MIRIENSE: DA TEMATIZAÇÃO DA

MULHER MIRIENSE QUE ATUA EM DIVERSAS FUNÇÕES PÚBLICAS

A investigação das relações interdiscursivas constituintes do fazer jornalístico do Miriense, dado o modo de tematizar a ação política feminina em Igarapé-Miri, é propósito central para esta pesquisa. São essas relações que podem evidenciar a articulação da prática jornalística com a ação política e as questões de gênero em curso na arena política de Igarapé- Miri. É desse conjunto de articulações que este capítulo trata, além do que a ele se complementa o próximo, os quais reúnem as análises de publicações do Jornal Miriense que tematizam a citada ação política. Neste capítulo, especificamente são analisadas as publicações reunidas em (G1) e (G2), que tratam da atuação pública/política feminina em diversas funções e não na função de prefeita de Igarapé-Miri.

As análises do material coletado na redação do Miriense foram realizadas em atenção aos objetivos propostos para a pesquisa e à teorização que dá sustentação à mesma, conforme já ressaltado ao longo deste texto. Um primeiro esforço de análise resultou na organização de quatro grupos de textos, agrupados em função das regularidades enunciativas que os caracterizam e que dizem respeito às posições veiculadas pelo jornal no que tange à ação política da mulher miriense. Os quatro grupos de textos organizados são (G1), (G2), (G3) e (G4), conforme descrito no capítulo metodológico.

Inicialmente, pode-se ressaltar uma pluralidade que caracteriza o funcionamento discursivo do JM, quando cobre a ação política da mulher miriense: (i) quando os textos analisados pertencem aos grupos (G1) e (G2), a predominância é para textos não atravessados pelo humor, cuja cobertura jornalística centra-se em notícias/matérias e algumas entrevistas; (ii) quando essa cobertura se volta às ações da prefeita nos grupos (G3) e (G4), tem-se uma segmentação nesse funcionamento discursivo: quando sua ação é defendida (G3), as publicações são majoritariamente formatadas em notícias/matérias e algumas entrevistas, mas quando a cobertura não lhe é favorável (G4), a maioria das publicações é formada por textos atravessados pelo humor, caracterizados por uma feição provocativa, e somente seis dessas publicações correspondem ao gênero matéria jornalística. Dito de outra maneira, trata-se de textos que pertencem a gêneros mais prototípicos das práticas jornalísticas, como matérias e entrevistas, em que estão incluídos os textos de (G1) a (G3), e textos que pertencem a gêneros atravessados pelo humor, textos mais breves, mais provocativos e também menos assertivos,

os quais veiculam mais insinuações sobre a ação da prefeita do que apresentam fatos, em que estão incluídos os textos de (G4).

Do ponto de vista do alinhamento teórico, há que se considerar que estas análises se inscrevem na articulação de um funcionamento discursivo com uma inscrição histórica, em que se requer que sejam consideradas as condições de uma enunciabilidade capaz de ser historicamente circunscrita (MAINGUENEAU, 2008). Assim sendo, a pesquisa articula uma investigação do discurso jornalístico e a histórica participação da mulher na política miriense. Para tanto, os conceitos de cena de enunciação e dêixis discursiva (MAINGUENEAU, 1997, 2011), entendidos em correlação aos conceitos de interdiscurso e prática discursiva (MAINGUENEAU, 2008, 1997), foram adotados para a operacionalização das análises aqui reunidas. A topografia e a cronografia discursivas devem indicar que coordenadas dêiticas constituem as cenografias de que o Miriense lança mão para se referir a essa ação política. Tais coordenadas ajudam a entender o funcionamento dessa prática discursiva jornalística e a maneira como, interdiscursivamente, a mulher atuante na política miriense é tematizada nas publicações analisadas. Por isso, parte-se do pressuposto de que é preciso encontrar, nas publicações analisadas, as marcas linguístico-enunciativas que constroem o perfil do sujeito atuante na política e traços que marcam uma singularidade de gênero, sem desconsiderar as determinações próprias ao campo midiático, lócus onde os textos são produzidos, onde os sentidos emergem e são postos a circular.

É possível registrar que a enunciação jornalística sobre a ação política feminina leva o Miriense a se posicionar de várias maneiras acerca dessa ação, ora de maneira favorável, ora desfavoravelmente, seja por meio de dizeres sobre os quais o veículo se responsabiliza, seja dando voz ao discurso do leitor, em textos assinados, ou mesmo por meio da criação de uma realidade (pseudo)ficcional para falar das ações da prefeita. Entendidas em estreita articulação com a proposição teórica e metodológica derivada dos conceitos anteriormente citados, a configuração da cena de enunciação de que o jornal lança mão (dadas a cena englobante, as cenas genéricas e as respectivas cenografias instituídas) e as coordenadas da dêixis discursiva são apresentadas quando dos exames das publicações analisadas nos grupos regulares já identificados.

De que maneira o fazer político da mulher que atua na arena política de Igarapé- Miri é tematizado nos textos do Jornal Miriense, dado o período histórico de 2004 a 2008? Quais são as relações interdiscursivas que balizam essa tematização e expõem o exercício da política e as questões de gênero? A condução da pesquisa pode apontar possibilidades de

respostas para essas indagações e, talvez, insinuar possibilidades de novas perguntas acerca desse fazer jornalístico.

Quando as publicações analisadas pertencem ao conjunto de textos que tratam da mulher que atua em diversas funções públicas, e não especificamente na condição de prefeita, é possível agrupar os textos em dois grupos, conforme descrito no capítulo metodológico, e reconhecer algumas regularidades enunciativas. Este capítulo tem duas seções, as quais buscam mostrar as angulagens distintas, adotadas pelo JM, para tratar da participação feminina na política de Igarapé-Miri: inicialmente, com base em um processo que enfatiza a própria figura feminina em detrimento de ações efetivamente políticas e/ou coletivas; em seguida, pela análise de um conjunto de textos nos quais são mais evidentes as ações políticas empreendidas pela mulher miriense ou os processos políticos em que elas se acham envolvidas.

4.1 (G1) O processo de individualização na enunciação da função pública/política feminina no Jornal Miriense

Para ilustrar o funcionamento desse grupo de textos, são considerados enunciados pertencentes a um conjunto de publicações do Miriense, como é o caso de notícias/matérias de jornal, a maioria inscrita em um caderno do Miriense intitulado Delas. A existência do caderno Delas já é um dado a se destacar quanto a essa cobertura jornalística. O Delas, que é descrito pelo próprio Jornal Miriense como “o caderno da mulher miriense”, circulou no Jornal Miriense durante o ano de 2005 e coincide, por isso mesmo, com a chegada de uma mulher para governar Igarapé-Miri. Tal dado, que aponta para a história política de Igarapé- Miri, já sugere uma vinculação entre esse contexto histórico de mudança na gestão municipal e a inscrição na cena jornalística de um caderno específico para tratar da presença feminina no JM. Esse destaque dado à aparição da mulher em um espaço específico e exclusivo do jornal parece sinalizar para um reconhecimento institucional quanto a essa movimentação feminina na vida política e a consequente conquista de espaços de poder. Portanto, a nova maneira de aparição pública feminina no Miriense já sinaliza um atravessamento da importância da visibilidade da figura feminina no cenário de Igarapé-Miri. É, por assim dizer, um atravessamento de gênero que ajuda a constituir esse fazer jornalístico. Tal constatação permite pensar na construção, pelo jornal, de efeitos de sentido, na medida em que a

separação de um espaço exclusivo do Jornal Miriense para enunciar questões sugeridas como de interesse central do público feminino permite pensar na maneira como a instituição jornalística conceberia o papel social da mulher na arena pública de Igarapé-Miri.

Pensando em que perfil de textos jornalísticos mais circulam nesse caderno, é possível atentar para o fato de que a maioria dessas publicações se ocupa de homenagear figuras públicas de destaque no cenário miriense, tais como empresárias, agentes políticas e professoras, e veicular informações sobre culinária, vida sexual, entre outros temas. Atentar para essa reserva de espaço para a aparição feminina no JM leva a avaliar o reverso disso. Isto é, a existência de um espaço exclusivo para expor a figura feminina implica o reconhecimento de sua exclusão dos demais espaços da publicação jornalística? Implica a circunscrição em um espaço menor e exclusivo para a aparição feminina e, por consequência, o reconhecimento de que os demais espaços do jornal não seriam centralmente dedicados a elas?

A configuração das publicações selecionadas do caderno Delas permite observar alguns dados importantes para entender esse funcionamento discursivo e suas regularidades enunciativas. Com exceção de um texto sobre a participação da mulher na política brasileira, os seis restantes vêm acompanhados de fotos, que ilustram o conteúdo dos mesmos. Uma breve análise dessas imagens sugere que o Delas enfatizou as próprias figuras, que parecem posar para as lentes do Miriense em tons de apresentação das figuras homenageadas, em detrimento de um perfil de ação política que pudesse ser construído para falar das homenageadas. Enfim, os textos selecionados mostram que o caderno mais homenageia a mulher miriense do que informa ao público leitor suas ações políticas.

Esse conjunto de publicações selecionadas permite examinar um pouco mais detidamente a questão de como a mulher que tem atuação política na cidade miriense é tematizada no fazer jornalístico do JM. Em uma das publicações30, na qual o perfil político dessa ação é relativamente destacado, mas não centralmente, o Delas trata das mulheres reunidas em uma ação coletiva, organizada pelo MODEMI31, cujos sentidos veiculados respaldam a citada ação coletiva de liderança política feminina instalada em Igarapé-Miri: “mais de 500 mulheres reuniram-se na Casa da Cultura...”. Mesmo que a posição do jornal seja de reforço a uma ideia segundo a qual as mulheres, organizadas pelo MODEMI, estão reunidas para uma ação de cunho politicossocial, o que se percebe no funcionamento discursivo é que a mulher ganha destaque em função de sua própria figura e não de uma ação de luta política. E é esse o modo de enunciar a presença da mulher que o caderno adota. A

30 DIA INTERNACIONAL DA MULHER, Delas, 11/03/2005, p. 3. (cf. Anexos 1e 2)

publicação tem um funcionamento discursivo que mais se aproxima da homenagem à mulher miriense, dado o dia 08 de março de 2005, do que aponta para a fala de luta ou o para um posicionamento que implicasse uma luta coletiva declaradamente inscrita na enunciação do Miriense e que fosse flagrada pelo sujeito jornalista. Não se trata de mostrar uma ação política que, por exemplo, venha a combater um problema social, mas predominantemente de apresentar a figura institucional que é o MODEMI à sociedade miriense. O falar sobre a mulher empresária já sugere essa menor ancoragem nas disputas políticas em curso na arena miriense (cf. Anexos 1 e 2).

Segundo o jornal, o movimento teria instruções importantíssimas para instrumentalizar a ação privada e social da mulher miriense. Para além dessa apresentação notadamente favorável à organização desse movimento, importa perceber que essa ação tem muito menos o caráter de luta e mais de organização de um evento coordenado pelas mulheres de Igarapé-Miri. Inclusive é possível perceber certo apagamento da ação política, já que o texto que cobre a ação do MODEMI aborda temas gerais – comemorações no congresso nacional, premiação para mulheres de todas as regiões do país, entre outras. Dados os enunciados seguintes, pode-se percebe a inscrição da marca assistencialista que caracteriza a citada ação: