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Enunciadores sobre causas: das falas protocolares ao esvaziamento

4 FONTES E ENUNCIADORES NA COBERTURA DO DESASTRE PELO

4.4 MAPEAMENTO DE ENUNCIADORES: PONTOS DE VISTA SOB ANÁLISE

4.4.2 Enunciadores sobre causas: das falas protocolares ao esvaziamento

Na primeira fase analisada mapeamos a presença de 9 locutores enunciando sobre as causas do rompimento da barragem. Essas fontes evidenciaram o aparecimento de três enunciadores. O primeiro enunciador (E1) foi o predominante nas matérias analisadas, sendo representado por quatro entre as nove fontes que enunciam sobre causas, e traz a visão de que os motivos para o rompimento tendem a ser problemas internos ao empreendimento, como falta de segurança e fiscalização. Alinham-se a esse enunciador, uma fonte governamental, na figura do Promotor de Justiça Carlos Eduardo Ferreira, que declarou suas desconfianças com relação à segurança da barragem, afirmando que “Nenhuma barragem rompe por

acaso”; e três fontes especialistas, entre elas, a coordenadora do Grupo de Estudos

em Temáticas Ambientais (GESTA-UFMG) que garantiu: “Há falhas no processo de

licenciamento e também no monitoramento”.

O segundo enunciador (E2) aparece no discurso de três fontes e traz a perspectiva de que o empreendimento estava regularizado e não apresentava problemas e que, portanto, os motivos para o rompimento tendiam a ser externos. Nesse enunciador em específico observamos que, entre as três fontes, duas são representantes da mineradora, o gerente de projetos da Samarco e o então presidente da Samarco, Ricardo Vescovi que destaca em sua fala a regularidade do empreendimento, conforme o trecho a seguir. “Importante relatar que essas

operações das barragens de Fundão e Santarém são regulares, licenciadas, monitoradas dentro do melhor padrão que a gente conhece, dentro do que a técnica preconiza”. A terceira trata-se de um afetado pelo desastre, nesse caso, uma mulher

que estava à procura do marido desaparecido que atuava como funcionário terceirizado no complexo minerário. A mulher lembra da forma positiva com que o marido se referia à empresa: “Ele ficava espantado de ver que o trabalho era muito

bem feito e achava que as obras poderiam terminar antes do prazo previsto para a empreitada. A empresa reforçou a equipe para trabalhar em dois turnos tentando acabar a obra antes da temporada de chuvas”.

Ainda percebemos a presença de um terceiro enunciador (E3) que aponta ainda ser cedo para atribuir causas específicas para o rompimento. O E3 representado pelo discurso de uma fonte do Corpo de Bombeiros, o Coronel do Corpo de Bombeiros e do gerente-geral de projetos da Samarco, que também

enuncia a partir do E1, assinala: “Não temos condições de afirmar nada neste

momento. Estamos iniciando o processo de investigação técnica para chegar as causas”.

Passando para a segunda fase percebemos que os discursos sobre causas são coordenados majoritariamente por fontes governamentais, com a presença de uma única fonte não-governamental. O delegado de Ouro Preto Rodrigo Bustamante, o promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto e o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Mário de Lacerda Werneck Neto são as únicas três fontes que enunciam sobre causas e todas eles alinham-se ao primeiro enunciador (E1), que traz a posição de as causas estão sendo apuradas. O delegado e o advogado Mário Lacerda também enunciam a partir do E2 que já adianta a responsabilidade da empresa sobre o rompimento, conforme vemos no trecho a seguir, nas palavras do advogado: “Quando recebe o

licenciamento para o empreendimento, conferido pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), a empresa assume o risco presumido, ou seja, se algo der errado, ela é a culpada”.

Já na terceira fase, como no eixo anterior, percebe-se a manifestação do maior número de enunciadores. Para sermos exatos, 20 locutores se manifestam a partir de 8 enunciadores. Mais uma vez temos a presença do enunciador “as causas estão sendo apuradas” (E2), trazido por seis locutores. Entre eles, duas fontes da mineradora, representadas pelo diretor-executivo de finanças da Vale e pelo gerente-geral de projetos da Samarco; três especialistas e uma fonte governamental, o promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Felipe Faria de Oliveira. Nessa fase, alguns dos locutores que enunciam a partir desse enunciador ainda indicam uma provável demora no estabelecimento definitivo das causas, como podemos observar na fala do especialista em barragens e consultor do MPMG, Joaquim Ávila: “Soltar um laudo leva, no mínimo, de seis

meses a um ano. Na barragem que rompeu no Canadá, em agosto do ano passado, o relatório preliminar só foi emitido em janeiro, ou seja cinco meses depois”.

Os demais enunciadores mapeados nessa terceira fase evidenciam pontos de vista antagônicos sobre fiscalização e responsabilidade da empresa. O E1 traz a posição de que a fiscalização é falha e/ou duvidosa e é mobilizado por uma fonte governamental, o deputado Agostinho Patrus Filho, também presidente da Comissão

Extraordinária das Barragens41; duas não-governamentais, o coordenador de campanhas do Greenpeace, Nilo Dávida e o presidente do Sindicato das Agências de Regulação Nacionais, que destacou a situação de precariedade dos órgãos fiscalizadores ao declarar que “A mineração brasileira está abandonada. Faltam

recursos materiais, tecnológicos, financeiros e humanos ao DNPM42. Na fiscalização

isso é ainda mais grave, porque os fiscais, sem diárias, transporte e equipamentos, ficam mais nas sedes do que em campo” e, ainda, que “Atualmente, os fiscais reclamam que só podem fazer suas vistorias por amostragem, sem condições de ir a todos os empreendimentos para avaliar a segurança”; e dois especialistas. Do lado

oposto, temos o E5, que indica a periodicidade e adequação da fiscalização e monitoramento, perspectiva mobilizada por dois locutores da categoria mineradora. Um deles se trata do diretor de operações e infraestrutura da Samarco, Kleber Terra, e o outro, é representado pela figura da Kinross Gold Corporation, mineradora que explora a área de Paracatu e menciona que seu empreendimento é “periodicamente

inspecionada por engenheiros especializados e credenciados que projetaram as barragens, por representantes da comunidade, órgãos reguladores estaduais e federais e auditores internos e externos”, alinhando-se à posição de que o processo

de fiscalização é eficiente.

Essa fase contém ainda a disputa entre o E8 que aponta a responsabilidade e a negligência da empresa e é trazido por uma fonte governamental, o governador do Espírito Santo; e uma não-governamental, o presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB, Mário Lacerda, que afirma que “um dano como esse mostra, no

mínimo, negligência no que diz respeito à segurança de pessoas que poderiam ser atingidas”; e o E7, mobilizado pelo diretor de operações e infraestrutura da Samarco,

uma fonte da mineradora que já havia aparecido no E5, que indica que não houve falha da empresa. Na matéria, o representante da empresa afirma: “Operamos com

técnicas de monitoramento de barragens que são referência, portanto, não podemos dizer que a tragédia poderia ter sido evitada". Este último ainda ganha o reforço do

E6, mobilizado por uma fonte especialista que assinala que a estrutura das barragens na região é geralmente adequada, afirmando: “Temos os melhores

41 A Comissão Extraordinária das Barragens foi constituída, na Assembléia Legislativa de Minas

Gerais, no dia 11 de novembro de 2015 com a finalidade de realizar estudos e propor medidas em relação ao desastre.

consultores técnicos nessa área. Essas estruturas praticamente não se rompem por aqui”.

Também é no período compreendido na terceira fase que uma hipótese sobre a causa é descartada e outra é levantada. Ao mesmo tempo em que um relatório do Centro de Sismologia da Universidade de São Paulo, uma fonte especialista, diante da hipótese inicial de que tremores de terra sentidos próximo ao horário do rompimento da barragem poderiam ser o agente causador, aponta que

“normalmente, tremores de magnitude 3 ou menores não causam danos diretamente a estruturas e construções e são sentidos apenas levemente”, descartando essa

possibilidade (E4), uma fonte apresenta nova causa provável. Identificada apenas como uma fonte próxima aos trabalhos de investigação do Ministério Público, a fonte anônima indica que “A liquefação dos rejeitos sólidos, provocada por algo que já

estava errado na estrutura, é a causa mais próxima para explicar o que ocorreu no dia do desastre” (E3). Já na quarta e última fase não houve enunciadores sobre

causas do acontecimento.

Dessa forma, olhando para o panorama geral dos enunciadores (Figura 7) temos, na primeira fase, a presença de um enunciador que não se posiciona diretamente, trazendo apenas a indicação protocolar de que “as causas estão sendo apuradas”, e a tentativa de atribuição de causas sendo disputada por fontes da mineradora e fontes especialistas que se posicionam em dois polos opostos sobre a responsabilização: especialistas apontam a responsabilidade da Samarco, mencionando as falhas internas do empreendimento, enquanto a empresa tenta se eximir da responsabilidade, recorrendo ao discurso de que o empreendimento era regularizado e seguia adequadamente e com excelência as normas técnicas. Participam desses discursos também, embora em menor número, fontes governamentais, entretanto também não trazem perspectivas conclusivas.

Com relação ao enunciador que tende à não-responsabilização da empresa, apontando os pontos positivos do empreendimento, chama a atenção a participação de uma fonte afetada. A presença dessa fonte nesse polo de enunciação representa um claro deslocamento em relação ao que se espera do seu lugar de fala, afinal, é esperado que um afetado pelo desastre se posicione contra o agente causador de seu sofrimento. O que podemos ponderar, analisando mais especificamente o teor de sua enunciação é o fato de que esta representa uma reação de incredulidade ao desastre em função da imagem positiva construída acerca da empresa, atitude que

também expõe a relação de pertencimento e/ou interpendência da região com a mineração.

Olhando para a segunda fase vemos a presença de apenas dois enunciadores complementares e que, enunciados pelos mesmos locutores, indicam o andamento das investigações sob a égide de que “as causas ainda estão sendo apuradas” e, ainda, adiantam a responsabilidade da empresa sobre o ocorrido, embora não tragam nenhuma informação decisiva sobre as causas. A não conclusão das investigações que apuram as causas do rompimento, nessa fase, pode ser apontada como a provável razão para que esses locutores, enquanto porta-vozes de órgãos públicos comprometidos com o processo de investigação, não apontem causas concretas mesmo que o trabalho seja voltado à busca de provas da responsabilidade da empresa já conhecida por eles, conforme evidenciado pelo seu alinhamento ao E2.

Essa movimentação muda um pouco na terceira fase, que apresenta um número maior de enunciadores. Embora, novamente, não haja uma definição precisa das causas, há o descarte de uma das primeiras suspeitas levantadas: o tremor de terra sentido próximo ao momento do rompimento não seria o causador do problema. Há, ainda, uma primeira indicação do provável motivo do rompimento, descrito como a liquefação de rejeitos. A possível causa é apresentada por uma fonte não identificada, mas se mostra provável pela ligação que a fonte teria com os trabalhos de investigação conduzidos pelo Ministério Público. Além disso, nesse momento já são debatidas outras questões mais específicas sobre causas, como o trabalho de fiscalização que é apontado por algumas fontes especialistas, governamentais e não-governamentais como duvidosa e, pela empresa, como adequada e ainda são monitoramento das barragens.

Uma questão que merece destaque no que diz respeito aos enunciadores sobre causas é o seu esvaziamento na quarta fase analisada. Com um número bem menor de matérias e de locutores, a quarta fase, que marca a chegada dos rejeitos ao mar, reflete as preocupações crescentes com a extensão e gravidade das consequências ambientais, além do desespero de familiares de desaparecidos que, após dezesseis dias, ainda não foram encontrados. Diante dessas questões, o eixo das causas acaba ficando vago e os locutores que participam dessa fase, além de atribuírem denominações mais acusatórias, como vimos anteriormente, se concentram no eixo das consequências.

Figura 7 - Fluxo de enunciadores sobre causas