Enunciados de Problemas Matemáticos como um Gênero do Discurso

Nas mais variadas esferas de nossa sociedade, sempre presentes em nossos cotidianos, estão a presença de diversos tipos de textos em linguagem verbal (através do uso da escrita ou da fala) ou não verbal (através de imagens, desenhos, símbolos, danças, esculturas etc.). Essas diferentes tipologias textuais são consideradas como gêneros textuais, que ―[...] são ―modelos‖ de textos que circulam socialmente e que estabelecem formas próprias de organização do discurso‖ (PORTO, 2009, p. 38). Assim,

A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua — recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais —, mas também, e sobretudo, por sua construção composicional. Estes três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação. (BAKHTIN, 1997, p. 158).

Dessa forma, em diversas situações do cotidiano e em diferentes esferas da interação verbal fazemos uso de vários tipos de enunciados que possuem uma tipologia textual relativamente estável denominadas por Bakhtin de gêneros do discurso (Porto, 2009). Esses gêneros são caracterizados não apenas pelas particularidades de quem fala ou escreve, mas também pelo lugar do discurso de quem ouve ou lê (idem, 2009). Assim, em nosso trabalho, consideramos os enunciados de problemas matemáticos como um gênero do discurso escrito, tais como o fizeram Almeida (2012), Lopes (2007) e Salmazo (2005).

48 Apoiando-se em Bakhtin (1988)10, Porto (2009) afirma que nas mais variadas atividades sociais os gêneros do discurso são instrumentos utilizados nas práticas humanas, tais como vender, comprar, trabalhar, brincar etc. Exemplificando com as seguintes situações: ― [...] aula – plano de aula, tomada de notas, tarefa de casa, exposição oral, seminários, pesquisa etc. [...] publicidade – propaganda impressa, propaganda oral, panfleto, outdoor etc. [...]‖ (idem, 2009, pp. 38-39, grifos do autor).

Do exposto, consideramos o texto enunciado de problemas matemáticos como um gênero do discurso escrito presente nas aulas dessa disciplina, cujo texto é composto por elementos da Língua Materna e da Linguagem Matemática, possuindo características relativamente estáveis em suas diferentes variações (exercícios, problemas, situações- problemas). Assim,

Consideramos que o texto de um problema envolve não apenas a linguagem, mas elementos matemáticos e que, às vezes, a dificuldade [de nossos alunos em resolver esses problemas] está ligada à compreensão desses elementos para a compreensão de um texto. É necessário termos sempre em conta que determinados conceitos, evidentes para o professor, nem sempre são claros para os alunos, e sem o seu conhecimento não é possível avançar na solução de problemas escolares. Além disso, é importante termos em conta que nem todos os alunos têm as mesmas capacidades de entender um dado conceito (LOPES, 2007, p. 21).

Dessa forma, é preciso que nós professores de matemática realizemos um trabalho que enfatize a importância da leitura e interpretação dos enunciados de problemas matemáticos, auxiliando os alunos a desenvolverem as habilidades e competências previstas no Ensino Médio e trabalhadas desde as séries iniciais conforme apontadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio em relação ao ensino dessa disciplina:

Representação e comunicação

• Ler e interpretar textos de Matemática.

• Ler, interpretar e utilizar representações matemáticas (tabelas, gráficos, expressões etc.).

• Transcrever mensagens matemáticas da linguagem corrente para linguagem simbólica (equações, gráficos, diagramas, fórmulas, tabelas etc.) e vice-versa. • Exprimir-se com correção e clareza, tanto na língua materna, como na linguagem matemática, usando a terminologia correta.

• Produzir textos matemáticos adequados.

• Utilizar adequadamente os recursos tecnológicos como instrumentos de produção e de comunicação.

[...]

Investigação e compreensão

• Identificar o problema (compreender enunciados, formular questões etc). • Procurar, selecionar e interpretar informações relativas ao problema. [...] (BRASIL, 2000, p. 46, grifos do autor).

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49 O desenvolvimento dessas competências por alunos do Ensino Médio deve se dar a partir de um trabalho integrado entre a questão da Língua Materna e da Linguagem Matemática, proporcionando uma aprendizagem em matemática com compreensão por parte dos alunos. Além disso, os objetivos educacionais dessas competências são

Convergentes com os das outras duas áreas do conhecimento: [...] a Área de Linguagens e Códigos [...] sobretudo no que se refere ao desenvolvimento da representação, informação e comunicação de fenômenos e processos [e] com a Área de Ciências Humanas [...] especialmente ao se apresentarem as ciências e técnicas como construções históricas, partícipes permanentes no desenvolvimento social, econômico e cultural (BRASIL, 2000, p. 22).

Consoante ao desenvolvimento dessas competências nas aulas de matemática através da utilização de diversos gêneros do discurso em situações escolares, Almeida (2012) em sua tese de doutorado, buscou compreender que os gêneros do discurso podem ser utilizados nas aulas de matemática para oportunizar a produção de significados, levando em consideração os aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos da Linguagem Matemática (idem 2012, p. 58), apresenta alguns exemplos de gêneros do discurso que podem fazer parte das aulas dessa disciplina:

Quadro 3 – Gêneros do discurso, Almeida (2012, p.58) Domínio

Social

Esfera social de uso ou utilização

do gênero

Portadores Exemplos de gêneros

Matemáticas acadêmicas Matemáticos pesquisadores, professores ou estudantes universitários Encadernações de teses, dissertações e monografias em geral; livros Monografias; dissertações; teses; teoremas; demonstrações de teoremas. Matemáticas escolares Alunos e profes- sores de Matemá- tica Livros didáticos e de apoio didático, apostilas, CD Enunciados de problemas; quebra-cabeças; listas de exercícios. Matemáticas do cotidiano A sociedade como um todo Jornais, revistas, internet, panfletos, cartazes, outdoors etc. Indicadores de variação da inflação; Tabelas de desempenho de times em um campeonato; catálogos de preços; boletos bancários; faturas de consumo de água. Conhecimentos diversos, transdisciplinares A sociedade como um todo Jornais, revistas, internet, panfletos, cartazes, manuais de Artigos de divulgação científica, notícias, resenhas, narrativas de

50 uso de eletro-

domésticos etc.

enigmas, adivinhas, relatórios de atividades, manuais de instruções etc. Considerando os diferentes gêneros do discurso presente em nossos domínios sociais, nesse trabalho enfatizaremos o domínio social das matemáticas escolares, utilizando um gênero do discurso que faz parte do cotidiano de alunos e professores de matemática: os enunciados de problemas matemáticos.

Esse domínio social da matemática escolar é amplamente utilizado por alunos e professores em seu cotidiano escolar, possuindo características específicas em seus diversos portadores (livros didáticos, apostilas, materiais complementares utilizados pelos professores, CDs). Porém, mesmo diante de um trabalho exaustivo com esse gênero, verifica-se que o processo de ensino-aprendizagem de conteúdos matemáticos tem se dado de forma a não despertar em nossos alunos o interesse por essa disciplina, principalmente no processo de resolução de questões em que se faz necessário o ato da leitura e o uso de suas habilidades de compreensão e interpretação.

Dessa forma,

Em se tratando especificamente da disciplina de matemática, a atividade com texto envolve a relação entre duas linguagens diferentes - as palavras e os símbolos matemáticos. Só o professor da área pode trabalhar satisfatoriamente a combinação das linguagens presente na resolução de problemas, pois (essas linguagens) apresentam certas especificidades que demandam estratégias de leituras específicas (LOPES, 2007, p. 24).

Assim, consoante a Lopes (2007), Fonseca e Cardoso (2005, pp. 64-65) nos asseguram que:

Parece-nos urgente que professores, pesquisadores e formadores dirijam suas atenções para o delicado processo de desenvolvimento de estratégias de leitura para o acesso a gêneros textuais próprios da atividade matemática escolar. A leitura e a produção de enunciados de problemas, instrução de propriedades, teoremas [...] demandam e merecem investigação e ações pedagógicas específicas que contemplem o desenvolvimento de estratégias de leitura, a análise de estilos, a discussão de conceitos de acesso aos termos envolvidos, trabalho esse que educador matemático precisa reconhecer e assumir como de sua responsabilidade.

Finalizada as discussões sobre os enunciados de problemas matemáticos como um gênero do discurso, no capítulo a seguir discutiremos sobre a Resolução de Problemas e sua importância no processo de ensino-aprendizagem de matemática com compreensão.

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4. RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM