• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I – OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DO ENVELHECIMENTO

1.3 Envelhecimento: uma visão pessoal e coletiva

Numa sociedade globalizada, o envelhecimento, como processo global induz uma redefinição social (Phillipson cit in Bengston et al 2009:19), e conforme o World Economic Forum (2012:41) a alterações nas formas padronizadas de apoio social às pessoas idosas e à equidade entre gerações, novamente extensível a países desenvolvidos e em desenvolvimento.

A literatura no domínio da Psicologia Social tem procurado explorar o modo como as representações associadas aos diferentes grupos etários, influencia a interação entre gerações. O envelhecimento da população tem testemunhado uma profunda transformação na experiência e significado da velhice na sociedade do final do século XX, com o aparecimento de estereótipos e algum preconceito associado à idade. Alguns estudos, essencialmente americanos, mostram a prevalência de atitudes mais negativas em relação às pessoas idosas e jovens, designadas por idadismo ou ageism (Lima et al, 2010:16).

A Figura 1.14 mostra a idade em que as pessoas passam a ser consideradas idosas em cada país, na Europa, variando entre os 55 anos (Turquia) e os 68 anos na Grécia; em Portugal é aos 65,8 anos, normalmente pouco depois da entrada na reforma. Em sociedades capitalistas, o valor social das pessoas tende a ser associado à sua inclusão no espaço produtivo na economia formal. À maioria das pessoas idosas por já não fazerem parte desta contribuição para a sociedade, é-lhe inerentemente negado poder e prestígio social (Henrard 1996:669).

No estudo de Lima et al (2010:10),

pretendeu-se percecionar os estereótipos e formas hostis ou benevolentes de preconceito, questionando-se a cidadãos dos 28 países integrantes do European Social Survey como viam as pessoas jovens, na faixa dos 20 anos e as pessoas idosas, com idade acima dos 70 anos. Os resultados (Figura 1.15) demonstram que as pessoas idosas apresentam pontuação média superior nos domínios da simpatia, competência, padrões morais e dignas de respeito. No que se refere às formas hostis e benevolentes de preconceito, o mesmo estudo indica que os entrevistados vêem os jovens e pessoas idosas com inveja, pena, admiração e desdém, sendo que as pessoas idosas apresentam pontuações médias superiores nos domínios de pena e admiração.

Figura 1.14 - Perceção do inicio da terceira idade nos vários países do European Social Survey, média de idades (Lima et al, 2010:16).

Para Walker (2008:77), a associação entre as pessoas idosas e o estado do bem-estar produz aspetos positivos e negativos: por um lado reforçam os padrões de vida dos mais velhos e o seu capital social e por outro lado, contribui para a construção social deste grupo, como dependente em termos económicos, incentivando estereótipos de pobreza e fragilidade. Assim, mesmo em contexto profissional, esta visão do envelhecimento surge frequentemente como um problema duplo; os profissionais que são correntemente confrontados com idosos frágeis, embora numa lógica de ação técnica, acabam por demonstrar que esta visão negativa do que é ser velho tem a tendência a ser exacerbada e a tornar-se um espelho pessoal, tornando-se extremamente difícil ter uma visão positiva do seu próprio envelhecimento (Henrard 1996:669).

No trabalho de Hudson e Gonyea (2012:273), os autores citam Schneider e Ingram (1993) ao apresentarem uma tipologia quadrupla que produz categorizações das populações alvo, como dependents (dependentes), advantaged (priviligiados), contenders (rivais/competidores) e deviants (marginalizados). Esta tipologia respeita a estudos e caracterizações referentes à realidade da América do Norte e refere-se à ambivalência social, na qual identifica duas dimensões como centrais na construção de orientações políticas para grupos populacionais: a forma como esses grupos- alvo são vistos pelos políticos e outros interessados e quão poderoso é o grupo-alvo em questão.

Este trabalho sugere que os Boomers constituem uma

população conceptualmente distinta daquela que foi a geração dos seus pais ou avós e que as categorizações das populações-alvo, podem alterar-se ao longo dos tempos.

Figura 1.15 - Forma como as pessoas dos 28 países pensa que a maioria das pessoas vê as que estão na faixa etária dos 20 e as com mais de 70 anos (pontuação média) (Lima et al, 2010:39; 44); 0 indica que não é nada provável vê-los assim; 4 indica que é muito provável vê- los assim.

Figura 1.16 - Tipologia quádrupla das populações-alvo; (Schneider e Ingram, 1993, cit in Hudson e Gonyea, 2012:273)

Dependents (dependentes)

No início do século XX, as pessoas idosas dos países desenvolvidos, eram vistas como um grupo populacional dependente, pobre e socialmente sem função (Henrard 1996:669). Eram um grupo pouco representativo, sendo que a urbanização e as alterações nas estruturas familiares, determinaram a sua marginalização. Do ponto de vista do estatuto económico dividia-se em duas classes: os auto-dependentes 34% (aqueles que se asseguravam a si próprios) e os dependentes 66% (aqueles que necessitavam de outras formas de apoio). A pobreza entre este grupo, era encarada como fruto da revolução industrial da época e associada à baixa representatividade demográfica, provocando que ficassem sem política autónoma e que a intervenção junto destes, ficasse essencialmente ao nível informal e restrita ao nível formal. Nos anos 20 e 30, de modo a proporcionar um impulso à política foram aprovadas as pensões de velhice.

Advantaged (privilegiados)

O papel exercido pelas pessoas idosas na recuperação económica e social do pós II Guerra Mundial foi determinante para os avanços económicos e para a construção do bem-estar. Os níveis de pobreza caíram, assim como a dependência face ao sistema, tendo estes aspetos sido conjugados com o aumento da esperança média de vida e a melhoria de cuidados médicos, levando à democratização do envelhecimento e ao aumento dos gastos públicos. A sua construção positiva, mais do que o seu poder, promoveram a expansão e início de políticas para as pessoas idosas, levando à transição de dependents para advantaged. Numa primeira fase, a força e organização política das pessoas idosas era fraca (anos 60), no entanto, no início dos anos 90, esta situação inverteu-se, sendo constituídas diversas organizações políticas de pessoas idosas, passando para uma construção social e de poder positivos. A ação de massas a este nível tornou-se importante para se dar continuidade à vantagem política deste grupo.

Contenders (rivais/competidores) e Deviants (marginalizados)

O rápido crescimento demografico impulsionou novas realidades políticas e sociais, com sérios desafios associados. A passagem de advantaged para contender, envolve uma perda de legitimidade política, ou seja, a questão respeita a se as pessoas idosas são vistas como menos merecedoras ou se têm direito igualmente aos benefícios anteriores. Este cenário, tem criados diversas tensões nos últimos anos com uma divisão clara entre a opinião pública, que continua a expressar um forte apoio às pessoas idosas e às suas necessidades, e a opinião de experts, que consideram em termos fiscais, esta situação insustentável, referindo que sem os gastos de proteção social e de saúde, os orçamentos nacionais estariam em melhor condição. Esta situação, proporcionou quer a dificuldade dos grupos organizados em controlar as agendas políticas, quer a transferência de deveres para as redes informais de apoio. As pessoas idosas são encaradas como uma fase da vida e não como um target ou coorte e surge a necessidade de se pensar num renovado sistema de proteção social, que seja virado para a questão da idade. Neste caso, as pessoas idosas com múltiplas vulnerabilidades são ignoradas estando em risco a sua identidade e ameaçada a sua legitimidade política e capacidade de definir e controlar agendas políticas. As circunstâncias económicas e políticas

restringem as agendas e num quadro de visão negativa das pessoas idosas, pode resultar numa fratura da opinião do poder político. Poder-se-á afirmar que podem ocorrer dois caminhos: as pessoas idosas mais ricas continuarão a intervir e defender os seus interesses como contenders (rivais/competidores), enquanto os mais pobres podem ser deviants (marginalizados) e ser relegados novamente à categoria de dependents.

O envelhecimento demográfico é assim um fenómeno atual que marca os discursos e a orientação estratégica e política. Surge como um desafio às sociedades e às instituições em geral, ao próprio modelo de organização coletiva atual e ao modelo de bem-estar até aqui desenvolvido. Apresenta-se ainda como um fenómeno que promove a reflexão acerca do papel das pessoas idosas nas sociedades contemporâneas e para o seu estatuto como pessoa e como grupo heterogéneo.

CAPÍTULO II – DISCUSSÃO TEÓRICA SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O