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Envoltória de resistência ao cisalhamento para um solo não saturado

3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.7. RESISTÊNCIA AO CISALHAMENTO DO SOLO

3.7.2. Envoltória de resistência ao cisalhamento para um solo não saturado

A resistência ao cisalhamento do solo não saturado pode ser representada tendo como base as equações de tensão efetiva mostradas na Tabela 3.14. Neste caso, pode-se citar como exemplo a equação formulada por Bishop et al. (1960), em que a equação de tensão efetiva do solo não saturado proposta por Bishop (1959) é substituída na equação (33) adotada como critério de ruptura de Mohr-Coulomb para solo saturado. A equação de Bishop et al. (1960) pode ser expressa pela equação (35):

t = 1´ + ( − *). b? F´ + Ü. ( *− $). b? F´ (35)

em que t é a resistência ao cisalhamento, em [ML-1T-2]; 1´ é a coesão efetiva do solo, em [ML-1T-2]; ( − *) é a tensão normal líquida, em [ML-1T-2]; F´ é o ângulo de atrito interno efetivo do solo referente a variação da tensão normal líquida, em [°]; Ü é um parâmetro dependente do grau de saturação, em [adimensional]; ( *$) é a sucção matricial, em [ML-1T-2].

Outra maneira de representar a resistência ao cisalhamento de um solo não saturado é através da combinação de duas variáveis de estado de tensão, que segundo Fredlund e Rahardjo (1993), as variáveis representadas por (σ − uÙ) e (uÙ− uØ) tem sido apontadas como a combinação mais vantajosa na aplicação à engenharia. Diante disso, Fredlund, Morgenstern e Widger (1978) formularam uma extensão do critério Mohr-Coulomb para descrever a resistência ao cisalhamento do solo não saturado, assumindo a superfície de ruptura como sendo planar. A equação (36) expressa a relação entre essa variáveis, em que os primeiros dois termos descrevem o critério Mohr-Coulomb convencional para resistência do solo saturado e o terceiro termo representa o acréscimo na resistência do solo devido ao aumento proporcionado pela sucção matricial do solo não saturado (LU; LIKOS, 2004).

t = 1´ + ( − *). b? F´ + ( *− $). b? Fe (36)

em que t é a resistência ao cisalhamento, em [ML-1T-2]; 1´ é a coesão efetiva do solo, em [ML-1T-2]; ( − *) é a tensão normal líquida, em [ML-1T-2]; F´ é o ângulo de atrito interno efetivo do solo referente a variação da tensão normal líquida, em [°]; ( *$) é a sucção matricial, em [ML-1T-2]; Fe é o ângulo de atrito interno efetivo do solo referente a variação da sucção matricial, em [°].

A Figura 3.35 ilustra a representação tridimensional da envoltória de resistência ao cisalhamento de um solo não saturado para a equação proposta por Fredlund, Morgenstern e Widger (1978). Nesta figura, os eixos no plano horizontal representam as variáveis de estado de tensão (tensão normal líquida e sucção matricial) e a ordenada representa a tensão de cisalhamento. O valor do ângulo Fƒ é dado em função da tensão normal líquida enquanto o valor do ângulo Fe é dado em função da sucção matricial, mantendo-se sempre um valor constante na envoltória. A coesão inicial 1ƒ tende a ter um acréscimo linear com o aumento do valor da sucção matricial e a superfície planar que representa a envoltória de ruptura está destacada pela cor vemelho. Nesta mesma figura, nota-se que a resistência ao cisalhamento é denominada por Fredlund e Rahardjo (1993) de tensão de cisalhamento.

Figura 3.35 - Envoltória de ruptura de um solo não saturado para as variáveis de estado de tensão ( − *) e ( *− $).

Fonte: Traduzido e adaptado de Fredlund e Rahardjo (1993).

Fredlund e Rahardjo (1993) mostram que o acréscimo na coesão é dado em função do aumento na sucção matricial, podendo ser avaliada a contribuição da coesão aparente para cada sucção matricial, como mostram a equação (37) e a Figura 3.36.

1 = 1´ + ( * − $). b? Fe (37)

em que 1 é a coesão aparente total do solo, em [ML-1T-2]; 1´ é a coesão efetiva do solo, em [ML-1T-2]; ( *$) é a sucção matricial, em [ML-1T-2]; Fe é o ângulo de atrito interno efetivo do solo referente a variação da sucção matricial, em [°].

Figura 3.36 - Linhas de contorno da envoltória de ruptura representada pela resistência ao cisalhamento versus sucção matricial.

Embora as equações propostas por Bishop et al. (1960) e Fredlund, Morgenstern e Widger (1978) sejam conceitualmente diferentes, fazendo-se uma rápida comparação das duas equações representadas por (35) e (36) é possível obter uma relação entre elas, expressa pela equação (38). Como o parâmetro Ü é obtido experimentalmente e varia de acordo com as condições do solo, o uso do ângulo Fe torna-se mais prático na determinação da resistência ao cisalhamento do solo não saturado, fazendo com que a equação de Fredlund, Morgenstern e Widger (1978) seja mais atrativa e utilizada.

b? Fe = Ü. b? F′ (38)

em que Fe é o ângulo de atrito interno efetivo do solo referente a variação da sucção matricial, em [°]; Ü é um parâmetro dependente do grau de saturação, em [adimensional]; F´ é o ângulo de atrito interno efetivo do solo referente a variação da tensão normal líquida.

Apesar da sucção apresentar uma influência na parcela da coesão total e revelar uma linearidade na definição da envoltória de resistência com os dados analisados por Fredlund, Morgenstern e Widger (1978), muitos pesquisadores (ABRAMENTO; PINTO, 1993; ESCARIO; SÁEZ, 1986; ROHM; VILAR, 1995; SATIJA, 1978) apresentam os resultados experimentais para outros tipos de solos mostrando que o ângulo Fe varia a partir de um certo valor de sucção.

Escario e Sáez (1986) apresentam resultados de ensaios de cisalhamento direto com sucção controlada realizados para uma areia argilosa de Madri e uma argila de Guadalix de La Sierra. A Figura 3.37a, b ilustra o gráfico de resistência ao cisalhamento versus sucção para areia argilosa e para a argila, observando-se claramente que para esses dois tipos de solos a envoltória de resistência apresenta uma curvatura e comportamento não linear para baixos valores de sucção, mostrando que o ângulo Fe não é constante com a sucção. Já a Figura 3.38a e b ilustra o gráfico de resistência ao cisalhamento versus tensão normal líquida para areia argilosa e para a argila, nota-se que há uma tendência de divergência entre as retas com o aumento das cargas, embora Fredlund, Morgenstern e Widger (1978) afirmasse que Fƒ seria constante e as retas das envoltórias seriam paralelas para diferentes valores de sucção. Diante desses resultados, Escario e Sáez (1986) concluem que o parâmetro Ü da proposta de Bishop et al. (1960) é mais realista, embora seja difícil determiná-lo. Estes pesquisadores acrescentam que os efeitos da sucção na resistência ao cisalhamento provavelmente dependem do histórico de tensão e capilaridade do solo, assim como outros fatores.

(a) (b)

Figura 3.37 - Resistência ao cisalhamento versus sucção (a) areia argilosa de Madri e (b) argila de Guadalix de La Sierra.

Fonte: Escario e Sáez (1986).

(a) (b)

Figura 3.38 - Resistência ao cisalhamento versus tensão normal líquida (a) areia argilosa de Madri e (b) argila de Guadalix de La Sierra.

Fonte: Escario e Sáez (1986).

Abramento e Pinto (1993) fizeram ensaios de compressão triaxial drenado com sucção controlada para uma areia argilosa-siltosa da Serra do Mar do Estado de São Paulo. Os pesquisadores observaram a partir do gráfico de resistência ao cisalhamento versus sucção (Figura 3.39) que a relação não é linear para a faixa de tensões estudada, evidenciando que a equação de Fredlund, Morgenstern e Widger (1978) não fornece bom ajuste para este tipo de solo. Abramento e Pinto (1993) concluem que a forma da equação da resistência ao

cisalhamento dependerá do solo estudado, da faixa de tensões atingida e do histórico de tensões a que o solo tenha sido submetido.

Figura 3.39 - Resistência ao cisalhamento versus sucção para uma areia argilosa-siltosa. Fonte: Abramento e Pinto (1993).

Rohm e Vilar (1995) realizaram ensaios de compressão triaxial em um solo arenoso laterítico e notaram comportamento semelhante ao obtido por Escario e Saez (1986). Os pesquisadores mostram que os ângulos Fƒ e Fe tendem aumentar com a sucção e as retas das envoltórias não se mantêm paralelas, observando que a resistência ao cisalhamento torna-se praticamente constante a partir de um certo valor de sucção.

Diante do fato da equação proposta por Fredlund, Morgenstern e Widger (1978) apresentar uma não linearidade na envoltória de resistência ao cisalhamento, Fredlund, Morgenstern e Widger (1987) decidiram retratar uma justificativa teórica para a limitação dessa equação, propondo sua reformulação. Esses pesquisadores mostram que o ângulo Fe equivale ao ângulo Fƒ para o primeiro trecho da envoltória de resistência, pois todo o poro do solo continua preenchido por água, tendendo o solo ter um aumento na sua resistência segundo uma relação linear e em função da sua sucção matricial. Em contrapartida, o segundo trecho da envoltória de resistência inicia com a atuação da pressão de entrada de ar e consequentemente da drenagem da água dos poros do solo, ilustrado pela curva de retenção da água no solo. Neste segundo trecho o valor do ângulo Fe torna-se inferior ao valor de Fƒ, tendendo o solo a ter um aumento na sua resistência segundo uma relação não linear e em função da sua sucção matricial. A Figura 3.40 ilustra a curva de retenção da água no solo e uma envoltória de resistência não linear típica em relação ao eixo de sucção.

Figura 3.40 - Curva de retenção da água no solo e a representação da envoltória de resistência não linear. Fonte: Traduzido e adaptado de Lu e Likos (2004).