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2. Ossonoba, cidade romana

2.4. Ossonoba, uma breve introdução à cidade

2.4.1. A envolvente da cidade romana

A área correspondente à civitas de Ossonoba ocupava um largo território dentro da região hoje algarvia (Figura 6 - Anexo I). Conforme mencionado supra, era provável que, a Este, fizesse fronteira com Balsa na zona de Bias do Sul, relativamente perto da Fuzeta, extremo Este do concelho de Olhão. A Oeste os seus limites não se deveriam estender muito para além de Vilamoura, embora exista a possibilidade de a sua influência se ter estendido até ao Promontório Sacro. No entanto, é também provável que, para além

de Ossonoba e Balsa, tenha existido uma terceira civitas, com capital em Lagos ou em

Silves (Alarcão, 1988, p.53), pois as duas primeiras encontravam-se muito próximas, e, sem a existência de uma terceira, Ossonoba controlaria uma região muito mais vasta.

Quanto aos restantes limites, a Norte, a serra seria o seu limite natural, tal como o mar, a Sul.

Em redor da urbe, a rede de povoamento era relativamente bem composta, sempre mais concentrada no litoral que no interior da região, sendo que os primeiros sítios começaram a ser habitados no séc I d.C. Não se pode, portanto, fazer referência a este povoamento rural sem mencionar as villae que abasteciam a cidade, como Milreu, cujas ruínas foram associadas a Ossonoba. Este foi o sítio arqueológico do concelho de Faro a que Estácio da Veiga mais se dedicou, tendo iniciado os trabalhos no local em 1877, e, desde então várias foram as intervenções realizadas no local. O local para a construção desta villa foi escolhido de forma a preencher todos os requisitos exigidos pela arquitetura romana (Hauschild e Teicher, 2002, p.14): uma ligeira colina com bons solos para a agricultura, nas proximidades de uma linha de água e numa zona de várias nascentes, em pleno barrocal algarvio. Também não ficava longe da via que ligava Ossonoba a Pax Iulia, que passaria nas imediações do Rio Seco, distando apenas nove quilómetros da primeira cidade. Embora seja mais conhecida devido ao seu templo e à pars urbana, que são decorados com vários mosaicos cujo principal tema são os motivos marinhos e que é ainda hoje visitável, a sua pars fructuaria, também é de bastante interesse. Composta por uma adega, um lagar de azeite e algumas zonas destinadas ao armazenamento de produção, esta parte da propriedade mostra-nos como, para além dos produtos que por norma eram provenientes dos sítios rurais, como hortícolas, frutícolas e cereais, em Milreu a produção mais especializada era dedicada ao vinho e azeite.

Também nas proximidades da via que ligava Ossonoba a Balsa era possível encontrar algumas villae, como a do sítio do Amendoal. Estácio da Veiga foi também responsável pela sua exploração, tendo feito referência ao local em três dos volumes da obra Antiguidades Monumentais do Algarve. Segundo os registos de Estácio da Veiga, este sítio encontrar-se-ia nas proximidades da foz do Rio Seco, junto à margem direita do mesmo e com “(…) assentamento de povoação extincta desde a margem esquerda do ribeiro das Lavadeiras até á linha da estrada vicinal da Garganta” (Veiga, 1887, p.575). No segundo volume, o autor refere que não foi possível definir se se tratava de uma villa ou granja, no entanto, fez referência aos “excelentes pavimentos de mosaico" existentes no local, assim como a outros materiais aí exumados (Veiga, 1887, pp.389-390), aos quais faz uma breve referência também no quarto volume (Veiga, 1891, pp.104-105). A planta que se conhece do local está muito incompleta, logo dá-se a impossibilidade de executar uma leitura detalhada, existindo ainda desenhos dos mosaicos e espólio recolhidos no

local que são assinalados na obra da sua bisneta (Santos, 1972, pp.173-177). Já no terceiro volume, volta a fazer referência aos mosaicos encontrados (Veiga, 1889, p.35), assim como aos motivos das suas decorações, fazendo uma reflexão sobre cronologias e a “escórias de fundição” que o levaram a incluir o sítio no seu “Mappa das minas do Algarve, de que ha noticias já compiladas e de varios logares com vestigios de antigas

fundições” (Veiga, 1889, pp.78-79). Embora a exploração agrícola e a urbanização desta

zona tenham danificado grande parte do sítio arqueológico, os últimos trabalhos de prospeção efetuados no local (Bernardes et al., no prelo, p.165) permitiram que se levantasse a possibilidade de uma parte da villa(?) se conservar. Contudo, a pouca informação relativa ao local também não nos deixa saber qual o tipo de produção especializada deste local, se seria a exploração de recursos marinhos, tendo em conta a sua proximidade com o mar, ou outro tipo de produtos.

O sítio de cronologia romana denominado Vale de Carneiros poderá também corresponder a uma villa onde foram descobertas várias estruturas e materiais. No âmbito da elaboração da “Carta Arqueológica do Concelho de Faro” foram levadas a cabo prospeções nos campos agrícolas junto à ribeira das Lavadeiras, local então indicado pelo IGESPAR, apesar disso, não foi possível identificar o local. Os autores desta obra chamam ainda a atenção para o facto de o topónimo Vale de Carneiros estar situado a cerca de 1 km para Oeste desse local (Bernardes et al., no prelo, p.158), na zona da Penha, que está hoje total ou parcialmente ocupada pelo urbanismo recente. Já no concelho de Olhão, mas também no litoral, e não muito longe desta via, duas villae foram escavadas por Estácio da Veiga: a de Torrejão Velho, que se encontrava perto da Ria Formosa, nas imediações da ribeira de Bela Mandil, e, cuja produção especializada seria a agrícola (Bernardes, 2011, p.22), e a da Quinta de Marim, onde se exploravam os recursos marinhos, localizada perto de uma linha de água, a ribeira de Marim, no Parque Natural da Ria Formosa, tendo aproximadamente a mesma distância entre as cidades de Ossonoba

e Balsa. Esta última foi também associada a uma satio sacra apontada na “Cosmografia

do Anónimo de Ravena”, sem, no entanto, se poder fazer essa associação com clareza

(Viegas, 2011, p.70).

Próxima da via para Ocidente, por sua vez, foi identificada, no Sítio da Malvada,

uma villa ou granja que exploraria as terras que hoje são atravessadas pela estrada da

Senhora da Saúde (Viegas, 2011, p.74). Ainda na zona da Campina de Faro, a Norte da cidade, foram identificadas, em prospeção, outras duas prováveis villae. Uma, no sítio de Carreiros, cujo espólio, maioritariamente composto por fragmentos de ânforas e dolia,

conduziu a equipa a propor que o local pudesse corresponder à pars rustica de uma villa ou a algum estabelecimento que necessitasse de um grande número de recipientes de armazenamento e transporte (Viegas, 2011, p.188). Outra, na Quinta do Barrote, onde foi identificada uma grande área de dispersão de materiais de cronologia romana que, da mesma forma, levaram a uma interpretação relacionada com a exploração agrícola (Viegas, 2011, p.196). Outra villa até então identificada é a de Vale do Joio que se prolonga por cerca de dois hectares e meio, quase no limite Norte do concelho de Faro, a Norte do Rio Seco e da Ribeira de Murta, na margem direita do Ribeiro do Barranquinho. Durante as prospeções executadas na área, foram recolhidos vários materiais de cronologia romana (Endovélico, CNS: 14431, 2019), porém, tal como nos casos anteriores, a informação sobre o sítio é demasiado reduzida para que se possa entender os tipos de exploração existentes no local.

Já fora do concelho de Faro, na direção Oeste, podemos referir a villa existente na praia de Loulé Velho, onde a fábrica de preparados de peixe demonstra uma intensa atividade ligada ao mar, da mesma forma que a descoberta de pesos de lagar chama a atenção para as produções agrícolas existentes no local. Também na praia de Quarteira está identificado um sítio de cronologia romana que, de acordo com Carlos Fabião, poderia ter pertencido ao complexo de Loulé Velho, formando um sítio de exploração de recursos marinhos de grandes dimensões (Fabião, 1992-1993, p.242). Não muito longe destes dois locais, encontra-se o vicus do Cerro da Vila, local portuário onde também foram escavadas algumas fábricas com tanques dedicados à produção de púrpura (Teichner, 2003). Na direção Este, ao longo do litoral do concelho de Olhão foram também identificados alguns complexos dedicados à exploração de recursos marinhos (Endovélico, CNS: 2741, 22564 e 24363, 2019), destacando-se entre os quais o existente na Quinta de Marim.

Outros pontos de grande importância relativamente ao abastecimento da cidade eram os que se encontravam equipados com fornos de ânforas, como os existentes na zona do Ludo (Quinta do Lago), situado junto ao estuário que se formaria na foz da ribeira de S. Lourenço, e em São João da Venda, já no concelho de Loulé (Bernardes et al., no prelo, p.75). Estes eram centros cuja produção teria como principal objetivo o abastecimento dos locais de exploração e venda de recursos marinhos, como seria o caso dos sítios anteriormente referidos, assim como da zona industrial de Ossonoba.

Dentro da cidade de Faro, mas claramente fora da cidade romana, na zona da Horta do Pinto (imediações do Mercado Municipal), durante a construção de uma nora terá

aparecido um pavimento e colunas romanas que foram então analisados por Santos Rocha (Pereira, 2012, p.121; Endovélico, CNS:7747, 2019). Também nesta zona terá sido encontrado um depósito de dezenas de lucernas, sendo que algumas foram entregues a Monsenhor Cónego Pereira Botto, nos anos 90 do séc. XIX, outras foram recolhidas numa obra em 1953 e noticiadas por Gonçalo Lyster Franco, e, ainda durante as obras de remodelação do Mercado Municipal foram encontradas mais quatro. O estudo mais recente deste conjunto foi apresentando por Carlos Pereira (2012), onde se deixa claro que o sítio poderá ter sido um posto de venda de lucernas ou um santuário, parecendo o primeiro ponto mais provável, tendo em conta a proximidade com a necrópole Norte de Ossonoba (Pereira, 2012, p.134-136). Também na Rua D. Teresa Ramalho Ortigão, nº 23-29, foi encontrado um bico fundeiro de uma ânfora lusitana tardia (Viegas, 2011, p.97).

O povoamento rural correspondente à civitas de Ossonoba veio a ganhar mais força nos séculos III e IV, momento em que as villae cresceram em número e as já existentes receberam remodelações, como o caso de Milreu. Adrian De Man mostra-nos que durante estes dois séculos, “(…) apesar de graves retrocessos na actividade mineira, a oligarquia ossonobense pôde manter um destaque na exportação de conservas de peixe e na exploração agrícola, integrado, de forma comprovada, num circuito norte-africano” (De Man, 2008, pp.323-324). Estes sítios vieram igualmente a adaptar-se às alterações políticas, assim como às religiosas, sendo que este último fator se pode verificar através da identificação de construções de templos cristãos, batistério e enterramentos, ou inscrições em Loulé Velho, Milreu e Quinta de Marim, respetivamente.