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O envolvimento da comunidade do Cumbe no planejamento e nas decisões acerca da implantação do Parque Eólico Bons Ventos

Mapa 06 – Demarcação dos 3 parques eólicos do empreendimento único do campo de dunas do Cumbe

5.3 O envolvimento da comunidade do Cumbe no planejamento e nas decisões acerca da implantação do Parque Eólico Bons Ventos

Diante de todas as ocorrências analisadas no tópico precedente, contextualizadas no momento do cenário energético nacional que impulsionou a chegada de empreendimentos privados para exploração de energia de fonte eólica na costa cearense, uma das questões mais importantes de serem verificadas diz respeito às comunidades possivelmente atingidas por tais empreendimentos, inclusive estudos internacionais já reconhecem a necessidade de um processo em que realmente exista a colaboração por parte dos atingidos, para tornar a implantação de parques eólicos mais eficaz (WOLSINK, 2007), e, nesse sentido, quanto ao Parque Eólico Bons Ventos, as questões levantadas por esse estudo

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foram: houve ―envolvimento‖ da comunidade do Cumbe durante o planejamento e o processo decisório do empreendimento? Posto de outra forma, se a comunidade do Cumbe (Aracati/CE), que teve o espaço que territorializa diretamente afetado pelo Parque Eólico Bons Ventos, tiver sido efetivamente ouvida, o que teve a dizer sobre o referido empreendimento? Se houvesse equidade ambiental, o uso prioritário que a comunidade do Cumbe daria a um de seus componentes ambientais, no caso, o campo de dunas que a emoldura, seria de local para implantação de um parque eólico – o Parque Eólico Bons Ventos?

De acordo com a resolução CONAMA n° 237/1997, art. 3º, a participação da população afetada por empreendimentos e atividades que causem significativa degradação está legalmente formalizada na previsão de realização de uma ―audiência pública‖62

, obrigatória para discutir o projeto e seus estudos, ou seja, a previsão volta-se aos casos em que tenha de ser realizado EIA/RIMA, uma vez que, por força constitucional, é esse estudo ambiental que se aplica aos casos de significativa degradação.

Percebe-se, pois, que no âmbito do EIA/RIMA, foi expressamente assegurado à sociedade o direito de intervir no procedimento de tomada de decisão, e, assim, tem-se que o princípio da participação popular embasa o EIA/RIMA, o qual é assegurado pela audiência pública.

Nesses casos, a audiência pública servirá para que as observações sobre o projeto que se pretende efetivar, e as contidas no EIA/RIMA, sejam discutidas com os possíveis interessados, notadamente os grupos atingidos de alguma maneira pelo empreendimento, e, depois, a teor do art. 5º da resolução CONAMA nº 09/1987, a ata da audiência pública e seus anexos servirão de base, juntamente com o RIMA, para a análise e parecer final do licenciador quanto à aprovação ou não do projeto, valendo observar que, não havendo a audiência pública, apesar da solicitação de qualquer dos legitimados, a licença concedida não terá validade.

A audiência pública assume papel de destaque no processo de licenciamento ambiental, por viabilizar a participação social, e, em tese, pode influenciar diretamente no seu resultado.

Fala-se ―em tese‖ porque o que se tem percebido, no cotidiano do licenciamento, é que na prática não há, de fato, uma efetiva participação –

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considerando ―participar‖ como tomar parte, acompanhar - posto que, entre outros, os atingidos não conseguem se expressar, ou não têm suas indagações respondidas, e muitas vezes sequer compreendem os termos técnicos e outras expressões que são utilizadas nas audiências públicas (BARAÚNA e MARIN, 2011, p. 96 – 100).

Quanto ao RAS, segundo a resolução CONAMA regulamentadora, não há previsão de realização de audiência pública, mas tão somente de uma reunião técnica informativa (art 2º, III), bem como se prevê a possibilidade de envio de manifestações escritas, independentemente da realização ou do resultado da reunião técnica informativa, no prazo de quarenta dias contados da publicação do requerimento da licença ambiental.

No âmbito do EIA/RIMA, o princípio da participação popular traduz-se, pois, na necessidade de realização de audiência pública, enquanto que no RAS tal princípio é satisfeito com a abertura de prazo para que os interessados apresentem suas manifestações por escrito, pelo que se tem considerado que a ausência de reunião técnica informativa não constitui violação ao princípio da participação popular.

Voltando ao Parque Eólico Bons Ventos, como apontado, o estudo ambiental que embasou o seu licenciamento foi um RAS, e assim, não houve realização de audiência pública para discutir o empreendimento, tampouco se encontrou no órgão ambiental registro de realização de reunião técnica informativa, ou qualquer outra espécie de reunião.

Entretanto, é importante que se perceba que no âmbito do licenciamento, uma das primeiras questões que deveriam ser observadas é quem são os atingidos pelo empreendimento, para lhes possibilitar, independentemente do estudo ambiental utilizado, tomar amplamente parte de toda a conjuntura do projeto, obviamente, antes mesmo de sua aprovação na burocracia estatal, tendo essa participação a característica da imprescindibilidade.

Contudo, a participação popular tem limitado-se, via de regra, a uma consulta feita após o planejamento e divulgação do projeto, sendo primordial uma discussão prévia, por isso a necessidade de se instituir uma ―audiência preliminar‖ no procedimento de licenciamento, antes mesmo da emissão da ―licença prévia‖, já que é nessa etapa que se tem a autorização da localização do empreendimento, uma vez que a viabilidade da implantação de um empreendimento em certo local

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deveria depender, necessariamente, da oitiva colaborativa de grupos possivelmente atingidos.

Na realidade, após a apresentação do RAS do Parque Eólico Bons Ventos à SEMACE - o qual, a bem da verdade, em nenhum momento menciona o Cumbe, muito menos a sua comunidade, numa invisibilidade gritante – esta (comunidade do Cumbe) só veio a ter conhecimento – de forma muito vaga, vale frisar - que seria instalado um parque eólico no campo de dunas que emoldura a localidade, repentinamente, por volta de 2007/2008, através da veiculação no rádio, e de informações soltas na própria comunidade, conforme relatou a liderança comunitária entrevistada. Assim, antes de qualquer consequência pela efetivação do empreendimento em si, pelas lacunas e dúvidas deixadas, a comunidade já tinha sido atingida no seu sossego, ―perdendo o sono‖, como foi expressado por morador da comunidade.

Normalmente, é isso que se tem observado na prática: o cuidado das empresas de não divulgar a existência dos seus projetos em licenciamento.

(...) a compreensão sobre o empreendimento é construída a partir das informações disponibilizadas tardiamente pelo empreendedor. Observa-se em geral todo um cuidado das empresas e consórcios em não divulgar sua existência até o momento em que é obrigado a vir a público (...). (FASE e ETTERN, 2011, p. 154).

Nesse sentido, indagado sobre tais ausências de consideração e informação, um morador do Cumbe comentou: ―é como se a gente não existisse, a comunidade não existisse...‖, não obstante a comunidade não ter como deixar de ser considerada diretamente atingida pelo empreendimento, ainda que se levando em conta unicamente o critério de vizinhança: considerando uma área de influência de 1,5 Km a partir do Parque Eólico Bons Ventos, vê-se a comunidade totalmente abarcada, como ilustra o mapa abaixo.

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