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Episódio 4.1: Composição de experiências coletivas

UNIDADE 1: MOTIVOS E EXPECTATIVAS AO

4.4 UNIDADE 4: O COMPARTILHAMENTO COMO PROMOTOR DE MUDANÇA DE QUALIDADE DAS AÇÕES

4.4.1 Episódio 4.1: Composição de experiências coletivas

Eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. (Saint-Exupéry, 2009, O Pequeno Príncipe)

Ao discutirmos sobre a formação compartilhada de acadêmicos em formação inicial, entendemos que compartilhar está para além de realizar ações em conjunto, pois implica realizar ações que promovam o desenvolvimento dos sujeitos. O compartilhamento pode se tornar condição presente em vivências, estudos, reflexões e experiências formativas relacionadas com a Atividade Pedagógica, fazendo parte de um coletivo, de um grupo. Quer dizer, a formação compartilhada dentro de um projeto com a premissa do coletivo se constitui uma unidade do movimento de formação docente.

Assim, tivemos como objetivo entender quais momentos compartilhados vivenciados no projeto puderam fornecer aprendizagens sobre a docência, para uma mudança de qualidade nas ações. Decorrente disso, as cenas que compõem este episódio têm relação com a coletividade promovida no projeto, no planejamento e no desenvolvimento das ações na escola.

Quadro 31: Cena 4.1.1: A coletividade no projeto.

Descrição da cena 4.1.1: Esta cena apresenta um relato escrito realizado por três das quatro participantes sobre o que mais chamou a atenção das participantes ao participarem do projeto.

1f.Lara: O olhar de três futuras pedagogas e de uma futura professora de matemática. A possibilidade de ensinar matemática brincando. O planejamento no coletivo. As diferentes realidades e dificuldades das crianças. 2f.Marieh: O que mais me chamou atenção foi o nosso coletivo, disponibilidade e colaboração, pois estudar, discutir, aceitar as ideias das colegas, não é uma tarefa muito fácil. Porém, essa parceria e coletividade ficou bem mais acessível de planejar as ações e fazer as discussões dos textos.

Fonte: Dados da pesquisa gravados em vídeo e registro fotográfico.

Esta cena traz um elemento importante para discutirmos o processo formativo de professores: as ações de compartilhamento. Para isso, voltamos a Leontiev (1983), que diz que a atividade dos participantes de um trabalho conjunto é estimulada pelo produto, ou seja, em um primeiro momento pode responder a uma necessidade individual; já, em um segundo momento, é alcançada pela atividade coletiva. Assim,

sus necesidades pueden ser satisfechas no por estos resultados “intermedios", sino por la parte del producto de la actividad conjunta obtenida por cada uno de ellos en virtud de las relaciones de producción establecidas dentro del proceso del trabajo, es decir, de las relaciones sociales. (LEONTIEV, 1983, p.83, grifo no original).

Por isso, ao considerar o projeto com ações coletivas realizadas pela interação entre sujeitos como um modo de aprendizagem sobre a docência, podemos dizer que estes ganham uma nova qualidade, pois isso envolve a compreensão de que, ao fazer compartilhando, aprende-se um modo de realizar ações que terão como objetivo a satisfação de necessidades, não mais individuais, mas dos demais sujeitos participantes da atividade.

Lara (fragmento 1) destaca a importância de compartilhar com uma acadêmica do curso de matemática e de planejar no coletivo. Em relação ao primeiro aspecto, salientamos a importância de se constituírem espaços de discussão entre as áreas do saber, pois, tanto o pedagogo quanto o licenciado em matemática ensinam matemática na escola. Entretanto, o que observamos é que “[...] a explicação mais recorrente, advinda do senso comum, é a de que tais profissionais simplesmente não sabem matemática ou não se interessam em buscar esses conhecimentos” (LOPES; VAZ, 2014, p. 1004). Para romper com a velha discussão, recorrente no senso comum, de que o pedagogo não gosta ou não sabe matemática, por que não pensarmos em espaços formativos onde ambos possam compartilhar e aprender?

Neste sentido, consideramos um fator proporcionado pelo projeto: a possibilidade de acadêmicos de Pedagogia e Matemática o integrarem. A diversidade e a especificidade de cada licenciatura nos indicam que as diferenças de compreensões sobre ensino, aprendizagem,

infância e educação permitiram às participantes partilharem significados que foram se modificando ao longo dos encontros formativos. Corroboramos a afirmação de Lopes (2009, p. 36), quando em sua pesquisa pondera que os sujeitos, ao interagirem, “[...] partilham significados que vão se modificando pela atribuição de diferentes sentidos à atividade; assim, adquirem novos conhecimentos, modificam todo sistema de compreensão do objeto e alteram o modo de ação sobre o mesmo. E isso acontece na busca da satisfação da sua necessidade”.

Sabemos que somente existir uma necessidade não é suficiente para que se realize uma atividade. É preciso um motivo. Como já discutimos na unidade 1, diferentes foram os motivos pessoais que encaminharam as participantes para participar do projeto como parte de sua formação. O fato de duas das três participantes, inquiridas sobre o que mais lhes chamou atenção no projeto, fazerem menção ao compartilhamento, traz indicativos de que, ao longo dos encontros formativos, os motivos podem ter-se constituído como coletivos. Isso decorre, possivelmente, do fato de terem passado a perceber sua responsabilidade social nesse espaço, pois o desenvolvimento das ações de forma compartilhada foi premissa na organização do projeto, uma vez que só foi possível realizar e desenvolver as ações por meio das interações e ações desenvolvidas entre todos.

Moura (1999) defende que a educação é obra do coletivo, e o professor se constitui no processo de compartilhar. Portanto, com a possibilidade de compartilhar conhecimentos e experiências sobre um objeto comum nesse espaço – a organização do ensino por meio de jogos pedagógicos –, pode-se estar oferecendo a compreensão do trabalho docente no processo de planejar coletivamente.

Marieh (fragmento 2) expressa elementos importantes sobre o ato de compartilhar. Inicialmente ela evidencia que compartilhar com o outro e aceitar suas ideias não é uma tarefa fácil. Reportamo-nos a Petrovski (1984), um estudioso sobre a coletividade na THC, que entende que, quando os grupos realizam uma atividade conjunta, as relações são mediadas pelo seu conteúdo e por seus fins; e, quando isso não ocorre, podemos considerar o grupo como difuso. Ao propor ações na perspectiva de se constituir um grupo coletivo, entendemos que ele

“es un grupo donde las relaciones interpersonales están mediatizadas por el contenido socialmente valioso y personalmente significativo de la actividad conjunta” (PETROVSKI,

1984, p. 37). Ou seja, a realização do nosso objetivo só poderia ser alcançada pelo esforço individual nas atividades conjuntas.

A cena a seguir apresenta algumas ideias sobre a atividade conjunta no momento de planejar as ações para serem desenvolvidas na escola.

Quadro 32: Cena 4.1.2: A coletividade no planejamento.

Descrição da cena 4.1.2: Nesta cena as discussões partem de uma reflexão sobre o momento do planejamento, no qual as falas destacadas, refletem sobre a oportunidade de planejar coletivamente permitida pelo projeto. 1f.Lara: Destaco primeiramente o planejamento coletivo, melhor forma de organizar um ensino compartilhando ideias e conhecimentos com os colegas de trabalho/projeto [...]. Foi um movimento muito rico de trocas de conhecimentos, pois planejar no coletivo acaba se tornando muito mais divertido e "fácil", pois acabamos trocando experiências, cada sujeito tinha um olhar diferente para determinadas ações, contribuindo assim para o planejamento.

3f.Marieh: O movimento de planejar não foi algo muito fácil, ainda mais quando se pensa em planejar com jogo, se tornando uma tarefa mais difícil. Pensar em um jogo até não é problema, o problema é pensar na situação desencadeadora de aprendizagem que será proposto a partir daquele jogo que tem uma finalidade. Mas a partir do coletivo, o ato de planejar se tornou mais “fácil” [...].

Fonte: Dados da pesquisa gravados em vídeo e registro fotográfico.

Esta cena traz elementos importantes para discutirmos o aspecto coletivo do planejamento. Embora não expresse, de fato, situações de compartilhamento, nós a escolhemos por três aspectos: primeiramente porque as leituras e as discussões durante o desenvolvimento do projeto suscitaram reflexões sobre a coletividade no processo de ensino e aprendizagem; e segundo, porque o próprio projeto permitia esse espaço de discussão coletiva de ideias e experiências, no qual as participantes se colocavam como acadêmicas em formação inicial (no papel de alunas) e também como futuras professoras (no processo de formação para a docência); e terceiro, porque, ao responder a um questionamento geral sobre as aprendizagens no planejamento, novamente duas das três participantes se remeteram ao compartilhamento.

A fala de Lara (fragmento 1) mostra a sua compreensão sobre a importância do planejamento com as colegas de trabalho como a melhor forma de organizar o ensino, trazendo indícios de que compreende que compartilhar está para além de realizar ações isoladas. Isso significa que a aprendizagem acontece na interação com outros sujeitos e objetos. Dessa forma, “ faz-se necessário que as ações sejam desenvolvidas por todos, mas que cada um tenha não só a oportunidade, mas o comprometimento de participar” (LOPES et al., 2016, p.25).

Marieh (fragmento 2) expõe a dificuldade em pensar nas situações desencadeadoras de aprendizagem organizadas por meio de jogos pedagógicos para o ensino na Educação Infantil, principalmente, no que se refere à essência do conceito na situação com o jogo. Finaliza sua fala, (re) afirmando o que já apresentara Lara: “no planejamento coletivo se torna mais fácil”. Suas afirmações nos dizem que elas evidenciam que as situações viabilizadas pelo planejamento e desenvolvimento de ações compartilhadas podem garantir mais condições para que as aprendizagens de todos aconteçam e para que o objetivo idealmente proposto se realize. Vemos, assim, que as ações compartilhadas são fundamentais para a formação de processos cognitivos,

em que “a atividade coletiva torna-se uma etapa necessária e um mecanismo interior da atividade individual” (RUBSTOV, 1996, p. 137).

Esta cena nos convida a refletir: Por que planejar a partir do coletivo se torna “mais fácil”? O que essa expressão pode significar? Todas as ações pensadas a ser desenvolvidas no projeto tiveram como premissa um espaço de formação compartilhada. Tanto os textos quanto os momentos de discussão foram orientados por ações em conjunto. Entendemos que, por ter a própria organização do projeto essa característica, quando as participantes expressam que no coletivo é mais fácil pelas possibilidades de interação, de trocas de conhecimentos e experiências, elas dão indícios de que “a cada troca de significados nas ações educativas o sujeito muda de qualidade” (MOURA, 2000, p. 50).

Essas novas qualidades, oriundas desse espaço de formação, podem levar futuros professores a compreensões diferentes em relação ao trabalho docente desenvolvido na escola. Ao interagirem em um espaço coletivo, que lhes permita aprendizagens a partir das relações ali promovidas, cada conhecimento particular possuiu fundamento em uma fonte que foi comum: a aprendizagem sobre jogos pedagógicos para o ensino de matemática na Educação Infantil, que partiu de experiências compartilhadas.

A próxima cena expressa a importância da interação nas ações vividas na escola no processo de interação entre as participantes e a professora regente da turma.

Quadro 33: Cena 4.1.3: A interação no desenvolvimento das ações.

Descrição da cena 4.1.3: Ainda em um momento de refletir e avaliar sobre as aprendizagens envolvidas no projeto, esta cena, apresenta excertos do relato escrito sobre a relação com a professora regente.

1f.Tamy: A professora regente foi de extrema importância, pois ela estava sempre nos auxiliando para conseguirmos, quando encontrávamos alguma dificuldade, sempre disposta a ajudar.

2f.Marieh: [...] a relação dela foi de extrema importância, estava sempre presente, nos auxiliando, e mediando as crianças para que chegassem nas soluções dos problemas propostos. Seu papel foi muito importante para que nosso trabalho fosse concluído sempre com sucesso, acreditando no nosso trabalho, cooperando, disponibilizando a sua turma, e nos proporcionando a troca de conhecimentos e estabelecendo esta relação com as crianças.

Fonte: Dados da pesquisa gravados em vídeo e registro fotográfico.

Esta cena mostra que as possibilidades de compartilhar aconteceram não só nos momentos de estudos e planejamentos na universidade, mas também na escola, nas interações com a professora regente da turma – como uma parceira mais experiente. Quando as situações de ensino não se encaminhavam da forma idealizada, a professora sempre auxiliava na mediação com as crianças, e esse aspecto sempre foi levantado pelas participantes nos

momentos de avaliação, como já observado no episódio três da nossa terceira unidade de análise.

Aprender sobre a docência envolve aproximar-se dos conhecimentos necessários para sua realização na interação com o grupo, ou seja, é pela interação que ocorrem as ações determinantes para a formação do educador (MOURA, 2000). Quando Tamy (fragmento 1) comenta que a interação com a professora regente foi de extrema importância para que os objetivos das ações fossem alcançados, traz indicativos da contribuição do projeto para sua formação: a relação com a escola, com o conhecimento e a troca com os professores atuantes.

Na interação entre professores e professores em formação inicial pode ocorrer um movimento dialético de aprendizagem, pois, quando futuros professores vão para a escola desenvolver ações, podem aprender sobre a docência, do mesmo modo que os professores atuantes podem (re) significar sua Atividade Pedagógica. Neste caminho, reafirma Marieh (fragmento 2) que o papel da professora regente foi de extrema importância para a realização do ensino. Isso mostra que, ao interagirem com a professora em atuação, futuros professores podem significar o trabalho docente, pois tanto as participantes quanto a professora regente, ao organizar e desenvolver as ações com jogos, objetivaram o ensino e puderam requalificar seus conhecimentos.

As três cenas deste primeiro episódio revelam aspectos essenciais nos momentos de ações compartilhadas vivenciadas pelo projeto: a coletividade nos momentos de estudos e reflexões sobre os textos, no planejamento e no desenvolvimento das ações na escola e a interação com a professora. Isso nos mostra que são as interações, organizadas e orientadas por objetivos comuns, que permitem que a

[...] aprendizagem da docência, configurado como atividade humana, se concretize nas ações realizadas com os demais sujeitos, o que nos induz a compreender o compartilhamento como premissa e produto de um espaço formativo no âmbito da formação inicial que vise à mudança de qualidade das ações dos sujeitos envolvidos. (POZEBON, 2017, p. 263).

Como a autora pontuou, vemos que os relatos apresentados neste episódio apontam que o compartilhamento se tornou premissa e produto no desenvolvimento do projeto, uma vez que as ações previstas tiveram como expectativa a realização de ações coletivas e de interação que se consolidaram como um aspecto relevante da aprendizagem da docência.

A Figura 24 ilustra os principais destaques deste primeiro episódio. .

F igur a 24 : S ínt es e do e pi sódi o 1 da uni da de 4. F o n te: S is tem at ização d a au to ra