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CAPÍTULO 3 – A ANÁLISE DOS DADOS

3.9. OS EPISÓDIOS

3.9.5. EPISÓDIO V: O ENSINO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Após as discussões relacionadas aos dois textos propostos, chegou o momento de congregar as ideias debatidas e a inserção do conhecimento científico. Nesse sentido, a proposta foi realizada com a leitura de toda a classe em conjunto de uma bula de agrotóxicos. Os conteúdos científicos explorados nessa primeira atividade direcionada foram: unidades de medida, massa, volume e densidade.

Nossos objetivos gerais para esta atividade foram possibilitar aos alunos o desenvolvimento de noções sobre partículas que compõem o átomo, por meio da discussão do conceito de densidade (em nosso caso, do agrotóxico Thiovit Jet), uma vez que este conceito diz respeito ao tamanho molecular. Primeiramente

118 analisaríamos as grandezas físicas apresentadas na descrição do produto, depois as suas unidades.

Na medida em que a atividade de leitura foi desenvolvida, as discussões sobre o conteúdo científico tornaram-se pouco proveitosas quando comparadas às discussões anteriores. Em outras palavras, os processos de falas e discussão foram direcionados para o esquema de “perguntas e respostas” para a construção de conceitos científicos.

Ainda, a participação dos alunos tornou-se mais restrita nessa etapa da sequência didática. Interpretamos esses fatos de acordo com as relações opressoras as quais os alunos têm sofrido durante toda sua experiência. A fim de ilustrar como se deu o processo, apresentamos os turnos de falas:

Prof. Bru: Legal. A Aluno 09 disse que o enxofre é fundamental para os

seres vivos. Se ele é fundamental para todos os seres vivos por que ele é utilizado para matar ácaros na plantação? O ácaro é um ser vivo.

Aluno 23: Porque quando ele é usado com algum componente químico ele

vira tipo um veneno.

Luis: Vamos pensar em uma outra situação: todo mundo sabe sobre os

sucrilhos Kellog’s. Tem alguns que, na embalagem, está escrito “com ferro”. Esse ferro é o mesmo ferro da carteira que vocês usam na escola?

80 Aluno 08: Eu acho que é. Aluno 10: É sim.

Luis: Então, o Aluno 23 disse que o enxofre combinado com outros

elementos químicos pode ser prejudicial aos seres vivos, mas, por exemplo, vocês saem por aí comendo ferro? Não né?! Por que vocês sabem que isso faz mal?-. Mas quando você come o ferro no sucrilhos ele não faz mal. Às vezes o enxofre, pode fazer mal.

Aluno 03: Se comer bastante ferro faz.

Luis: Legal Aluno 03. Talvez o enxofre em excesso faça mal.

Prof. Bru: Será que 1kg é 1 litro? Para a água isso é verdade. Mas e para o

nosso Thiovit? O que vocês acham?

81 Aluno 03: Não sei professor.

Prof. Bru: O que é litro? Litro mede o quê? 82 Aluno 23: Litro mede o que é líquido.

Prof. Bru: Então não dá pra medir, por exemplo, 1 litro de areia? 83 Aluno 13: Não

Aluno 08: Você pode pegar um litro de areia, mas quando pegar o peso vai

dar mais.

Prof. Bru: Então espera aí. Então dá pra pegar litros de coisas que não são

119 Aluno 14: Dá.

Prof. Bru: E sólido, também dá? Aluno 08: Dá

Prof. Bru: E gás?

84 Aluno 08: Também deve dar, se o sólido dá.

Podemos notar nesses trechos apresentados, que embora ocorresse um diálogo para a construção de um conhecimento científico, a participação dos alunos foi restrita em alguns momentos e se limitou ao processo de “tentativa e erro”, como visto nas UAs 82, 83 e 84.

Ainda referente ao estudo de conceitos científicos, as atividades foram direcionadas a problematizar e estudar como ocorre a aplicação do agrotóxico. O problema inicial exposto foi sobre as gotas que saem do pulverizador do produto e como acontecem as interferências externas relacionadas ao fenômeno. Nesse sentido, a problematização desse fato buscou congregar mais a discussão realizada anteriormente.

As pretensões voltadas ao conhecimento científico foram dirigidas para o desenvolvimento dos conceitos de átomos, moléculas, partículas elementares, ordens de grandeza e modelos atômicos, visto que a problematização por meio da bula foi ineficaz. Nesse sentido, nossas pretensões se voltavam a expor elementos que percebemos que os alunos mais tinham interesse em discutir. Dessa forma, ao estudarmos sobre a aplicação do agrotóxico, buscamos relacionar as ações da aplicação com a ocorrência de fenômenos físicos, para assim direcionarmos a necessidade de conhecimento do conceito de átomo.

Luis: Aluno 23, o que significa o número atômico do enxofre ser 16? 85 Aluno 23: Putz, professor. Deixe eu ver. 16 elétrons e 16 prótons?

Prof. Bru: Quase isso, Aluno 23. 86 Aluno 09: 8 prótons e 8 elétrons?

Prof. Bru: Ainda não...

87 Aluno 03: O número atômico seria a quantidade de átomos que o elementos têm? Luis: Mas então o que é átomo?

88 Aluno 13: Ter a ver com células?

Prof. Bru: Então, o átomo tem a ver com células, pessoal? Aluno 01: Não.

Prof. Bru: Por quê? Aluno 01: Não sei ué.

120 Luis: O que é célula, então?

Prof. Bru: Mas então, eu não sei o que é átomo e molécula. Aluno 23: Átomo é a menor coisa que existe.

Aluno 08: Os átomos compõem as moléculas.

Aluno 23: Mas não tem como ver as moléculas dos átomos.

Prof. Bru: Gente, a gente precisa ver então o que é célula, átomo e

molécula.

Aluno 23: O átomo é a molécula de Deus. Prof. Bru: Vamos com calma, pessoal.

Aluno 03: Os átomos podem ser a menor parte de uma molécula?

Luis: Então, gente, temos outra proposta. O Aluno 03 disse que átomos

formam as moléculas. Daí, Aluno 03, aquele desenho do H2O significa o quê?

Aluno 03: Duas moléculas de oxigênio e uma de hidrogênio.

Luis: Mas, se uma molécula é feita de átomos, isso aqui (apontando para a

letra H de hidrogênio) é o quê?

Aluno 03: O hidrogênio. Luis: E o hidrogênio então é... Aluno 03: Um átomo?

Aluno 13: É um átomo.

Nestes dois últimos trechos notamos que os padrões de “perguntas e repostas” e de “tentativa e erro” (UAs 85, 86, 87, 88) se mantiveram. Entretanto, um fato ocorrido durante a discussão do conhecimento científico destoou dos demais e ganhou destaque:

89 Aluno 08: Nossa, vocês só fazem perguntas, não tem resposta não?

Aluno 01: Vocês fizeram UNESP, né? Em vez de ensinarem enxofre, vocês

poderiam ensinar mandingas para gente passar na UNESP também.

Prof. Bru: Mas o que a gente está vendo aqui? Que a gente tem que criticar

tudo, pensar em tudo, discutir. Olha quanta coisa saiu o agrotóxico.

Luis: Em algum momento a gente falou algo direto para vocês? Aluno 23: Não.

Luis: Quem está chegando às conclusões? 90 Aluno 18: Nós.

Nas Uas 89, 90, notamos que o Aluno 08 e o Aluno 18 reconheceram algo de diferente nas práticas efetuadas em sala de aula. Como consequência desse reconhecimento, a reflexão proporcionada gerou uma expansão no modo de leitura do mundo, no que se refere à qualidade de reconhecimento das ações que

121 ocorreram na sequência didática. Nesse sentido, a valorização do processo de aprendizagem fez-se presente o que permite inferirmos que a formação do aluno ao se perceber como sujeito participante da própria construção do conhecimento é muito válida.

À medida que se identificou tal processo, essa etapa da formação sugere-nos que se o reconhecimento de desenvolvimento pessoal é presente, o reconhecimento das outras esferas participantes da discussão também foi relevante para o aluno. Em outras palavras, a formação do Aluno 08 em relação aos problemas reconhecidos na própria formação, constitui-se, também, em um processo de articulação e congregação do desvelamento das questões debatidas na sequência didática. Contudo, não podemos afirmar que o aluno conseguiu superar os obstáculos e progrediu para uma intervenção no mundo, uma vez que uma análise e avaliação deste tipo não são possibilitadas devido às limitações de investigação. Tal situação remete-nos a categoria de formação dos alunos atrelada ao reconhecimento dos problemas além da DC.

De forma geral, reiteramos que, embora a participação dos alunos tenha sido reduzida, as propostas da sequência didática, no que confere também à construção do conhecimento científico foram validadas pelos alunos em seu processo de formação.