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2   PROBLEMÁTICA: CIÊNCIA E COMUNICAÇÃO 21

2.3   EPISTEMOLOGIA DA COMUNICAÇÃO 46

Os exemplos dados por Kuhn, Popper e Lakatos são em sua maioria exemplos da Física, ao ponto de a filosofia da ciência destes, poder ser denominada de filosofia da ciência física. Assim, para estes autores, o modelo de ciência é o da física e todas as outras são comparadas com esta (e poucos argumentos justificam essa opção).

Uma importante exceção é o debate (ou não-debate) entre Popper e Adorno, e que se transformou no livro A lógica das Ciências Sociais (2004), no qual Popper (e apenas ele) apresenta as 27 teses sobre a lógica das ciências sociais (apesar de não tê-las apresentado durante o debate), assim como um texto crítico sobre o debate que não ocorreu na sua plenitude.

Neste texto, Popper dá poucos elementos para diferenciar a Sociologia (enquanto representante das ciências sociais) das ciências naturais. O seu alvo é justamente a compreensão que os cientistas das ciências sociais têm de que devem imitar os desenvolvimentos das ciências naturais. Estes creem na ciência natural como objetivista e não percebem que a ciência se refere a uma tradição crítica e não a um não- subjetivismo. E que não se refere a uma eliminação dessas características subjetivas, mas sim a diferenciação entre aquelas características que pertencem à pesquisa científica para a verdade enquanto um ideal inalcançável e aquelas que não pertencem.

Como podemos então trabalhar com a estrutura de Programa de Pesquisa para a Comunicação? A Comunicação, enquanto campo científico sofre de diversos problemas epistemológicos que se configuram, em grande parte, como um entrave para a sua construção. Em primeiro lugar, a questão do estatuto disciplinar que recebe abordagens diferentes como: (1) a comunicação enquanto um termo utilizado para se referir a vários saberes que se dedicam ao estudo de um universo empírico em comum como os processos comunicacionais, e (2) a comunicação enquanto uma super-disciplina.

Em segundo lugar, o problema do objeto da comunicação, e em terceiro lugar, a falta de debate epistemológico.

O estatuto disciplinar

O primeiro ponto é descrito por José Luiz Braga (2001), como um dos significados utilizados para a noção de interdisciplinaridade e mostra como a questão da

disciplinaridade da Comunicação pode ser tratada. Este primeiro sentido é o de encarar o campo da comunicação enquanto um campo interdisciplinar. Isso significa perceber o campo, enquanto atravessado por saberes de outras disciplinas. A partir dessa referencia, poderia se dizer que nenhum campo é isolado e que compartilham métodos, dados, e abordagens sem qualquer problema para a sua constituição enquanto um campo.

A segunda noção é a de encarar a comunicação enquanto um espaço de interface “[…] em que um determinado âmbito de conhecimentos se faz na confluência de duas ou mais disciplinas estabelecidas – por exemplo, a Psicossociologia, a Sociologia Jurídica a Bioquímica” (BRAGA, 2001, p. 12).

O terceiro sentido é o que se torna problemático por ser vago e pouco refletido. É o de encarar a comunicação enquanto um terreno vazio e que não pode existir, pois é entrecruzamento de todas as disciplinas humanas e sociais. Pois todas essas tem algo a dizer sobre o tema comunicação, a comunicação vira então um simples tema, um fato do mundo. Parece assim, segundo Braga, que “há um tema que se torna de interesse tão generalizado e com tal acuidade que não consegue mais efetivamente caber nos espaços de cada campo particular ou de algumas interfaces bem construídas” (2001, p. 13).

Braga critica essa posição, pois isto não é nada incomum em relação a outros temas que são tratados por várias disciplinas, mas estes sempre acabam sendo “subsumidos ao ângulo de interesse de cada disciplina” (2001, p. 13), o que não torna impossível a composição de um campo devido a isso.

Esta se configura então como uma não disciplina, problema este que também é referido por Martino (2002). O oposto é caracterizar a Comunicação como uma super- disciplina. Como a comunicação está presente em todas as atividades humanas e todas as disciplinas tocam no mesmo ponto, a comunicação poderia se apresentar como uma super-disciplina, “entendida como uma espécie de síntese e acabamento das ciências humanas e da filosofia.” (2002).

O objeto da Comunicação

“De que comunicação estamos falando” é debate frequente entre aqueles que se dedicam às questões epistemológicas, mas não da maioria de seus pesquisadores.

Devido à ambiguidade e abrangência do termo comunicação, muitos também acreditam que a Comunicação enquanto saber científico estuda todos os aspectos do termo.

E sem uma definição clara, quase tudo pode ser considerado comunicação como, por exemplo, o choque entre objetos físicos, ou uma conversa entre pessoas. Este é talvez um dos problemas da ambiguidade do termo, pois não há uma diferenciação clara quando estamos nos referindo ao saber, e quando estamos nos dirigindo aos processos comunicacionais que existem no mundo.

Aqueles que apoiam a perspectiva que a Comunicação não apresenta especificidade e que seria um campo interdisciplinar (no sentido de um ponto de cruzamento, ou sem objeto de estudo) por sua relação com outros saberes, parecem não fazer a distinção entre objeto empírico e análise do objeto de pesquisa. O objeto empírico é interdisciplinar por natureza. Nenhum saber coloca cercas na realidade e a transforma em um lote em que somente um saber pode estudar. Em contrapartida, por análise do objeto, entende-se a ação de análise a partir de um saber definido de um objeto que não é aquele do mundo, mas um objeto de estudo construído, ou seja, o objeto é construído para uma disciplina específica. Discussão esta que está de acordo com o desenvolvimento tanto de Popper e Lakatos, quanto de Kuhn, que descrevemos há pouco. Para Martino:

A diferença parece ser que em todas as demais áreas observa-se a comunicação enquanto processo que faz funcionar alguma outra atividade ou instância de interesse social-humano – a literatura, a linguagem, a política, as trocas econômicas, etc. No campo específico da Comunicação, inversamente, os diferentes objetivos e objetos humano e do social é que seriam percebidos pelo ângulo prioritário da comunicação que os organiza e que deles decorre. Assim, nas demais áreas de conhecimento, ou a comunicação é observada sem ser problematizada; ou então é problematizada em função dos interesses específicos da área. No campo da Comunicação, todo e qualquer fato humano seria problematizável no ângulo comunicacional. (BRAGA, 2001, p.18)

Como diz Martino (2002), “discutir o objeto de estudo de uma ciência não é exatamente fazer uma lista dos objetos que ela pode ou não pode tratar”. Ou seja, não é olhar para o mundo e cercar o empírico e dizer que estes são terrenos, objetos, que a comunicação estuda. É antes uma explicação de que maneira o saber comunicacional olha o mundo. Esse olhar é construído teoricamente, é o seu objeto de estudo.

[…] ele [objeto de estudo] aparece como linha de fuga imaginária e construída a partir de uma diversidade real (as correntes de pesquisa no interior de uma disciplina); de outro lado, ele aparece como o princípio mesmo dessa diversidade, tal como a causa eficiente responsável pela geração dessa diversidade teórica Sua função é fornecer uma base de comparação crítica para as diferentes correntes teóricas, engajando-as num

debate comum, ao invés da simples constatação de diferenças absolutas e incompatíveis. (2002)

Isso leva a outro ponto de discussão, que é a construção e definição de um objeto de estudo traria uma rigidez infrutífera para os estudos da comunicação, uma vez que limitaria o escopo de desenvolvimento destes estudos. Ou seja, a diversidade de abordagens correria risco, uma vez que o objeto de estudo fosse definido com maior clareza. Isso não significa que escolher pela construção de um objeto de pesquisa é uma oposição à diversidade. Um objeto de estudo não precisa ser consensual, podendo haver inúmeras construções de objetos para a Comunicação. Mas é a construção de um objeto de estudo que torna as pesquisas frutíferas, pois ele funciona como um guia para as pesquisas (como visto na proposta de Lakatos).

Na comunicação o quadro de análise de Martino (2002) mostra como a questão do objeto é problemática “Alguns autores falam em morte (F. Rüdiger, Juremir Machado) ou desaparição (Eric Felinto) do objeto.”. E ainda, “Outra variante importante do irracionalismo é o subjetivismo, tal como é desenvolvido pelo prof. Denilson Lopes, em seu texto A Experiência na Escritura: uma estória e um impasse. […] uma defesa da revelação da verdade do sujeito como sendo mais autêntica ou real que a da ciência” (2002).

Apesar desse quadro, que é capaz de desiludir qualquer estudante e pesquisador da Comunicação, alguns autores consideram que o caminho está sendo trilhado mesmo de que de forma lenta. É o caso, por exemplo, de Maria Immacolata Vassallo de Lopes e de José Luiz Braga.

Para Lopes, a partir de uma perspectiva kuhniana (2003, p.36), a comunicação enquanto campo de estudos está progressivamente ganhando autonomia dentro das ciências humanas e sociais, pois tem “demonstrado a especificidade intrínseca de seu objeto – os fenômenos comunicacionais da sociedade atual” (2003, p. 14).

Parece estranho chamar de propriedade intrínseca se ela é uma construção teórica, e dessa forma, não é óbvia e muito menos definitiva. Os fenômenos comunicacionais não são os fenômenos do mundo, e sim observações teóricas. O mundo existe sem nós, mas o que enxergamos, enxergamos pelos olhos das teorias.

Segundo a autora, essa “autonomização” acontece em paralelo com a constituição da cultura de massa e dos meios de comunicação de massa, que ganham destaque e uma lógica própria. Nesse contexto, que surgiram os cursos de comunicação,

enquanto formação de profissionais para este novo mercado cultural, e ao mesmo um desenvolvimento das pesquisas acadêmicas. A partir dessa perspectiva, poderíamos questionar se a autonomia se faz pela sua institucionalização, pela sua profissionalização, ou se é o debate epistemológico sobre as suas bases é que permite falar em uma autonomização. Para ela,

[…] o estudo dos fenômenos da comunicação dentro da cultura industrializada é o que concebemos como o objeto da Comunicação. Deste ponto de vista caberia perfeitamente a esse campo de estudos a designação de Comunicação Social ou Comunicação de Massa. (2003, p. 14)

Para Braga (2001, p. 15), a discussão sobre o objeto da comunicação é claramente não consensual, mas duas generalizações poderiam ser descritas. A primeira em que o objeto da Comunicação poderia ser tomado como toda e qualquer “conversação” no espaço social. Ou seja, todo e qualquer tipo de interação simbólica e prática que se relaciona com a vida social. A segunda restringe o objeto da Comunicação às trocas simbólicas e práticas relacionadas aos meios de comunicação social.

A primeira opção é a escolhida por Braga, sendo que a segunda recebe suas críticas, em que a escolha pelos meios limitaria o objeto às “questões tecnológicas, ou jurídico-políticas, ou expressivo-interpretativas, ou outras”. O risco é de que um pesquisador vindo de outra área tende a escolher apenas uma dessas questões. Braga tem receio de que a opção pelos meios faça com que outros elementos sociais, igualmente importantes ficariam ausentes de suas observações. O que nos parece no mínimo estranho, pois uma abordagem a partir dos meios de comunicação não significa que as interações sociais são deixadas de lado, uma vez que os meios de comunicação se relacionam justamente com a sociedade.

O problema maior que aparece é que essa lucidez sobre o objeto da comunicação e sobre o estatuto do campo comunicacional não é a atitude comum dos pesquisadores da área, fazendo com que a falta de um debate epistemológico seja o maior sintoma.

Essas dificuldades se dão, não por uma diversidade das discussões, mas principalmente por uma falta de discussão sobre elas. Poucos são os pesquisadores que se dedicam às questões epistemológicas da comunicação6.

Uma das consequências para essa falta de trabalhos sobre os fundamentos da comunicação é a de considerar os trabalhos de comunicação como frágeis comparados a outros saberes. Assim, a grande variedade e quantidade de pesquisas em comunicação não se reflete em uma discussão epistemológica aprofundada da área, ou seja, um fortalecimento das questões primárias da área.

Essa fragilidade e diversidade desembocam em um ceticismo, quanto ao estatuto disciplinar da Comunicação (MARTINO, 2001a). Essa percepção cética se apresenta

(involuntária ou não) em inúmeros autores, como Bernard Miège (2000), que considerada que ainda que o pensamento comunicacional tenha avançado consideravelmente nos últimos 50 anos, o mesmo não é unificado e nem está pronto para isso, a ponto de considerarmos uma disciplina. As desavenças em relação ao objeto de estudo, para o autor, criam um entrave que fica entre limitar o objeto da comunicação ou ampliar todo processo comunicacional. E ainda Rodrigo Alsina (2001, p. 12), que considera a comunicação como pluridisciplinar; Melvin Defleur (1993, p. 12-13) chama a atenção para a natureza interdisciplinar e que alguns consideram como vaga e desnorteante. E o panorama de Armand Mattelart e Michèle Mattelart (1999, p. 11) que situam:

Se a noção de comunicação constitui problema, a de teoria da comunicação não fica atrás. Também ela é produtora de clivagens. Antes de mais nada, o estatuto e a definição da teoria, a exemplo do que ocorre em várias ciências do homem e da sociedade, contrapõem-se vigorosamente de uma escola a outra, de uma epistemologia a outra. Além disso, a designação “escolas” pode ser ilusória. Uma escola pode abrigar numerosos componentes e estar longe de possuir a homogeneidade que seu nome parece sugerir. Enfim, o discurso sobre a comunicação é com freqüência promovido ao estatuto de teoria geral, sem inventário. (MATTELART & MATTELART, 1999, p. 11)

6 Para citar alguns: LOPES, Maria Immacolata Vassalo de. Pesquisa em Comunicação: formulação de um modelo metodológico. São Paulo: Loyola, 1990.; LOPES, Maria Immacolata Vassalo de. Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Loyola. 2003. ; HOHLFELDT, A., MARTINO, L. C., FRANÇA, V. V. (orgs.). Teorias da Comunicação: Conceitos, Escolas e Tendências. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.; FAUSTO NETO, A., AIDAR PRADO, J. L., DAYRELL PORTO, S. (orgs). Campo da comunicação. João Pessoa: Editora Universitária, 2001; BRAGA, José Luiz. A sociedade enfrenta sua mídia: dispositivos sociais de critica mídiatica. São Paulo: Paulus, 2006; FERREIRA, Giovandro Marcus e MARTINO, L. C.. Teorias da Comunicação: epistemologia, ensino, discurso e recepção. Salvador: Edufba, 2007.

Assim, de maneira geral, o conceito de comunicação é aquele em que tudo é comunicação (MARTINO, 2001b). O estatuto disciplinar é aquele de um entrecruzamento

entre diversos saberes, não podendo então ter uma autonomia, ou é o da super- disciplina. O objeto de estudo é aquele representado pelo conceito de comunicação, ou seja, se há um saber, ele estuda tudo, pois a comunicação é tudo. E as teorias pertencentes ao campo comunicacional são as mais diversas possíveis e, frequentemente, os livros de teorias não têm qualquer correspondência e critérios para suas seleções.

Assim, o campo comunicacional configura-se com uma gama diversa de problemas que se resumem em uma falta de atenção ao aspecto epistemológico. Não se trata de terem decidido coletivamente que o campo comunicacional não possui um objeto minimamente definido e também não se trata que discordamos dessas decisões. Trata-se de desistir da tentativa de constituir objetos de estudos e da formação do estatuto sem antes tentar, por não discutir os seus princípios.

Então, o que temos é uma composição de senso comum e conceitos que não são bem desenvolvidos, em sentido estrito, sem que haja a formulação de propostas que possam ser submetidas à crítica, à falsificação, à refutação ou à comparação. O consenso na busca de um objeto de pesquisa único, um sentido único para comunicação, e de critérios únicos para definir quais são as teorias da comunicação, não é nosso objetivo. Mas que existam algumas que possam ser criticadas e que potencializem a função agregadora de campo comunicacional.

Como percebemos nesta breve apresentação dos problemas que se apresentam ao estatuto disciplinar da Comunicação, é difícil esperar que com uma falta de debate epistemológico seja possível de haver critérios mínimos para avaliação de quais são as teorias que compõe a comunicação. Os livros de teorias da comunicação, que seriam os responsáveis por apresentar ao estudante da comunicação uma sistematização e critérios para a seleção das teorias, acabam por não fazê-lo. Até mesmo, correspondências entre teorias entre os livros é problemática. Martino (2006) faz uma extensa sistematização a partir dos destes e percebe que as teorias relatadas pelos livros de Daniel Bougnoux (1999) e Francisco Rüdiger (1998), por exemplo, não possuem nenhuma correspondência entre eles ou com outros autores como Melvin Defleur (1993), ou Mauro Wolf (1995). A dificuldade na sistematização das teorias, colocando-as em

comparação, dá-se também no critério de pertinência estabelecido para definir quais teorias fazem parte da Comunicação (MARTINO, 2006).

A diversidade de propostas cria uma dificuldade para a sistematização das teorias. Não se trata apenas de quantidade de teorias, mas sim porque estão funcionando de forma isolada, em vez de integradas. Se elas funcionam de forma isolada, em que condições podemos confrontá-las?

Segundo Martino, essa dificuldade se apresenta por igual diversidade de nomes como interdisciplinaridade, ferment in the field7 e pluralismo (pluralistic champ). Estas colocam em dúvida a possibilidade de um campo teórico da comunicação.

Então, dependendo da compreensão que temos sobre as teorias, o que chamamos de campo pode ser considerado uma unidade, no sentido forte de uma disciplina científica ou deve ser considerado, num sentido fraco, como apenas uma designação geral, exterior, um rótulo para abrigar teorias circunstancialmente reunidas, mas sem unidade epistemológica (2010, p.3).

Por uma falta de discussão epistemológica interna do saber comunicacional, aponta Martino (2002), acabamos nos apoiando na epistemologia geral para discutir o saber comunicacional. É essa falta de fundamento epistemológico da comunicação nos leva a discutir os problemas da epistemologia da comunicação no contexto de uma epistemologia geral e filosofia da ciência como Kuhn, Popper e Lakatos.

Devido a essa dificuldade, parece-nos importante trazer a discussão destes autores que discutem a epistemologia geral (ou da física, muitas vezes) e problematizar a sua adaptação para o campo comunicacional.

Lakatos para a Comunicação

Então, como podemos propor uma proposta com base em Lakatos para a Comunicação? Parece ser preciso fazer importantes ressalvas com a proposta de Lakatos para lidar com o nosso problema para a Comunicação.

Para Lakatos, uma teoria não é de fato uma teoria única e isolada, ela compõe-se de diferentes teorias e métodos de observação, chamando-se assim de programa de pesquisa. Isso faz mudar a nossa visão de uma teoria da comunicação. Apresenta-se, assim, uma saída semântica e conceitual para uma não dicotomia entre teoria e prática. Uma teoria não é apenas abstração, pois leva em conta métodos de observação, e ao

7 Nome dado a uma edição especial da revista Journal of Communication (Summer, 1983) que se dedicou a discutir a epistemologia do campo comunicacional.

mesmo tempo não é uma teoria isolada, pois estes métodos de observação também estão mergulhados na teoria. A proposta de denominar este sistema de programa de pesquisa é uma saída importante para a percepção de que temos sobre o empreendimento científico.

Como dissemos anteriormente, a comparação entre teorias é um problema considerável e nada é definitivo. Ainda assim, parece ser possível distinguir programas progressivos e degenerativos em um determinado tempo. Aqueles programas que se dedicam mais se defendendo, do que ampliando ou reforçando suas bases, certamente está em maus lençóis no momento, mas não significa que essas anomalias não possam se reverter em novos fatos benéficos para o programa.

O primeiro apontamento é a dificuldade de estabelecer de forma rígida a divisão entre ciência e pseudociência. Para Lakatos, por exemplo, a perspectiva marxista é pseudocientífica.

Thus the early predictions of Marxism were bold and stunning, but they failed. But their auxiliary hypotheses were all cooked up after the event to protect Marxian theory from the facts. The Newtonian programme led to novel facts; the Marxian programme lagged behind the facts and has been running fast to catch up with them. (1977)8.

Não que a perspectiva marxista seja um exemplo claro que situa uma teoria das ciências sociais, mas sua relativa aproximação teórica com o trabalho de Innis e McLuhan induziria a situação de considerar estes como pseudocientíficos também.

Optamos então por nos basear na proposta epistemológica de Lakatos, como um guia para o desenvolvimento de programas de pesquisa. A proposta de Lakatos é uma forma de analisar como a ciência se desenvolveu ao longo da história, muito mais do que uma recomendação de como a ciência deve funcionar. Isso é problemático, pois as perspectivas de Popper e Kuhn poderiam ser analisadas levando-se em conta se suas proposições estão querendo explanar como a ciência deve funcionar (enquanto uma recomendação) ou como a ciência funcionou até então. Por consequência, isto nos conduz a discussão se a proposta de Lakatos poderia servir como um guia para o desenvolvimento para novos programas de pesquisa.

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Assim, as previsões iniciais do marxismo foram ousadas e impressionantes, mas elas falharam. Mas as suas hipóteses auxiliares foram todas cozinhadas depois do evento para proteger a teoria marxista a partir dos fatos. O programa newtoniano levou a fatos novos, o programa marxista ficou para trás dos fatos e foi

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