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7 DEFININDO O QUADRO TEÓRICO

7.1 A Epistemologia Genética

A Epistemologia Genética de Jean Piaget é uma teoria que tem como objeto a inteligência humana. Ou seja, investiga como o ser humano “constrói” o conhecimento no decorrer de seu desenvolvimento.

Segundo Piaget (1980), sua teoria busca distinguir as raízes dos diversos conhecimentos a partir de seus níveis mais elementares até os mais complexos, como o conhecimento científico. Daí o nome epistemologia.

O termo Genética está relacionado com o conceito de gênese e, para Piaget, seria um equívoco associar o conceito de genética à endogenia, porque isso significaria dizer que existe supremacia de um dos estádios de desenvolvimento em relação aos demais. Nesse sentido, vale dizer que o termo genética, na Teoria de Jean Piaget, significa ter presente a necessidade de conhecer todas as fases do desenvolvimento da inteligência no ser humano ou, pelo menos, o máximo possível. Isso demonstra a insistência de Piaget em buscar os primórdios do conhecimento, da lógica no ser humano, uma perspectiva que ele considerava negligenciada pelos epistemologistas.

Piaget preferiu que sua teoria fosse compreendida conforme o fez o American Psycological Association, ou seja, como uma teoria que abordou questões que, até antes dele, eram exclusivamente filosóficas. No entanto, abordada de maneira empírica, possibilitou a constituição da epistemologia separada da filosofia e, ao mesmo tempo vinculada a todas as ciências humanas e, nisso, residia sua natureza interdisciplinar (PIAGET, 1980).

Além de Epistemologia Genética, a teoria de Piaget é denominada também de Teoria Construtivista. Era assim que Piaget se considerava, como um teórico que não concebia o conhecimento como algo predeterminado nem nas estruturas internas do sujeito

(apriorismo), nem nas características preexistentes do objeto (empirismo), cujo conhecimento poderia ser “construído” pela interação entre o sujeito e o objeto do conhecimento.

Piaget (1980) considera que, antes dele, a história do pensamento científico já demonstrava as várias tentativas em transpor a dicotomia apriorismo versus empirismo. Só para exemplificar, ele citou Kuhn e L. Brunschvicg, que já haviam exposto suas idéias acerca de uma epistemologia do devir radical da razão, e J. M. Baldwin, que já havia tratado de uma lógica acerca da construção de estruturas cognitivas, entre outras. Mas foi a Epistemologia Genética que, ao retomar a questão, construiu um método capaz de fornecer controles que remontassem às origens e, portanto, à gênese dos conhecimentos, enquanto a epistemologia tradicional só conhecia os estados superiores.

Construtivismo é, nessa esteira, um conceito associado à construção de estruturas

cognitivas ao longo do desenvolvimento humano do sujeito, na interação com o objeto do

conhecimento. Nesse sentido, estrutura pode ser definida como sistema de transformação do conhecimento mais simples ao mais complexo, uma totalidade composta de unidades.

A estrutura envolve um esquema de ação que pode ser considerado uma organização das ações, por meio de transferência ou generalização, na qual o sujeito busca semelhanças e analogias. Na estrutura, além do esquema de ação, há também a necessidade lógica, que se constitui na busca de uma coerência interior e organização das ações e, um último item, a presença de invariantes, que permite considerar que a estrutura foi construída quando, em conversa com os sujeitos pesquisados, observamos que eles definem um objeto não apenas por suas características físicas, mas pela conservação do conceito (PIAGET; INHELDER, 1995).

Na construção dessas estruturas, é possível perceber mecanismos de cognição, tais como: acomodação (determinada pelo objeto) e assimilação (interiorização da ação, determinada pelo indivíduo). E envolvem fatores de cognição, como maturação (“gessel” – continuação da embriogênese – reflexo de uma maturação interior do sistema nervoso);

papel desempenhado pela experiência (objetos, realidade física); transmissão social, lingüística ou educacional, equilibração (processo ativo, auto-regulador) que tem como

função a adaptação do sujeito ao meio e à organização da própria estrutura (BRINGUIER,

1993).

O método utilizado por Piaget e seus colaboradores para o desenvolvimento da Epistemologia Genética é denominado clínico-crítico. Clínico porque permite esboçar diagnósticos operatórios; crítico, porque não desconsidera que no processo de interação entre sujeito epistêmico e objeto do conhecimento reside a possibilidade de transformação do sujeito em relação ao objeto e do objeto em relação ao sujeito (CARRAHER, 1994).

Segundo Goulart (2000), o método clínico-crítico nos permite conversar com os sujeitos de nossa pesquisa livremente a partir de um tema dirigido e, por meio dessa conversa, seguir os desvios tomados pelo pensamento desses sujeitos, a fim de reconduzi- los ao tema, obter justificativas, testar a constância e fazer contra-sugestões. Mas, para tal, Piaget (1997) esclarece que o pesquisador deve desenvolver o conhecimento de como observar, de deixar o sujeito da pesquisa falar, não desviar nada, não esgotar nada e, ao mesmo tempo, saber buscar algo de preciso no diálogo. Isso pode ser verificado nos protocolos para realização de entrevistas e registros de provas clínicas, bem como na indispensável utilização de recursos de filmagens, principalmente no momento de realização das provas.

O método clínico-crítico nos fornece referenciais não apenas para o desenvolvimento de pesquisas científicas, mas também para propostas de práticas pedagógicas que têm sua base teórica na Epistemologia Genética de Jean Piaget. É fato que não há como transpor o método para as experiências escolares, para as salas de aula, ou seja, transformar o método em atividades pedagógicas, mas o método serve de referência para a criação de atividades de ensino cujos princípios formativos se baseiam no construtivismo.

Nesta pesquisa não optamos pela utilização do método clínico-crítico, porque esse método é voltado para pesquisas microgenéticas, ou seja, com apenas um indivíduo ou tríade, principalmente em pesquisas longitudinais. Também não é nosso objetivo verificar a construção de conhecimento, pelos sujeitos da pesquisa, mas suas concepções acerca dos termos ensino e aprendizagem, o que somente é possível com um número bem maior de sujeitos.

Apesar de a Epistemologia Genética não consistir numa Teoria da Aprendizagem, ela nos permite, ao realizarmos pesquisas acerca da aprendizagem humana, conceber o conteúdo como meio, e não como objetivo no processo de construção do conhecimento, uma vez que, para Piaget, desenvolvimento cognitivo está relacionado às ações criativas, transformadoras do sujeito, e isto é muito diferente da ação de copiar (BECKER, 2003).

Nesse sentido, Piaget (apud BECKER, 2003, p. 18) encarece:

Para apresentar uma noção adequada de aprendizagem, é necessário explicar primeiro como o sujeito consegue construir e inventar, e não apenas como ele repete e copia.

A pesquisa acerca da aprendizagem de adultos nos remete aos conhecimentos acerca do estádio cognitivo mais elevado retratado pela Epistemologia Genética, ou seja, “o estádio das operações formais ou operações proposicionais, que pode iniciar a partir dos 11- 12 a 14-15 anos, quando há no sujeito uma transformação do pensamento que lhe possibilita o manejo das hipóteses e o raciocínio sobre proposições destacadas da constatação concreta e atual” (PIAGET; INHELDER, 1995, p. 111).

Contudo, não podemos desconsiderar a presença, em nossos contextos escolares, de adolescentes, e mesmo de adultos, que não conseguem expressar a utilização de mecanismos pertinentes aos acima expostos. Isso foi observado por Malglaive (1995), que, com base nos conhecimentos desenvolvidos por Piaget e Rolando Garcia, formulou duas hipóteses para o problema: a primeira denominada “regressão ao estádio anterior” e a outra “registro de funcionamento”, como descrevemos na parte de delimitação do problema de nossa pesquisa.

Essas exposições dão o tom para os cuidados a serem tomados quando optamos por utilizar a Epistemologia Genética na pesquisa com adultos. Por se tratar de uma teoria que teve como foco central de seus estudos a criança, torna-se necessária a busca de um complemento teórico nos pesquisadores que deram seqüência as estudos de Piaget. É o caso, por exemplo, dos construtos de Rolando Garcia (2002) que associa a Epistemologia Genética à Teoria dos Sistemas Complexos de Prigogine, e das contribuições de Malglaive (1995), que com base na Epistemologia Genética avança sobre as proposições de Piaget ao

associar o sistema de cognição às práticas sociais, por considerar que “ensinar” adultos significa ter presentes aspectos relevantes do cotidiano, como o trabalho.