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Parte I — Enquadramento à Problemática 3

3   O Erro como disfuncionamento; ou uma oportunidade de melhorar 19

3.2   O Erro em Saúde 24

O erro em Saúde tem sido um foco importante de análise do Ser Humano, já desde Hipócrates ao enunciar um conjunto de princípios de forma a orientar a prática médica e da saúde em geral. Nestes princípios, pode observar-se muitos princípios éticos, mas também,

formas de criar regras de prevenir o erro, no entendimento que o erro é algo que acontece num percurso/projecto que faz desviar do seu fim/objectivo, que no caso da saúde é cuidar.

É também com o mote, “Errar é humano”, que o Institute of Medicine (Kohn, et al., 2000) emitiu um relatório em que o ponto de partida é a constatação de que os erros acontecem e que têm repercussões muito graves, sendo o objectivo, explanado no subtítulo, a construção de um sistema de saúde mais fiável. O relatório refere objectivamente dois estudos, um realizado nos estados do Colorado e Utah e outro no estado de Nova York. Estas investigações revelaram a presença de eventos adversos em 2,9 e 3,7% dos internamentos, respectivamente. De entre estes eventos 6,6% conduziram a morte no primeiro estudo e 13,6% no segundo. Estes resultados levam à extrapolação de que pelo menos 44000 americanos morrem, por ano, devido a erros no sistema de saúde. (Kohn, et al., 2000) Ao aceitar estes dados, assume-se que nos EUA, morrem mais pessoas devido a erros no percurso dentro do sistema de saúde do que em acidentes de viação, cancro da mama ou mesmo SIDA. A extrapolação para Portugal realizada por Martins (2005) afirma que por ano, ocorrem cerca de 1309 a 2916 mortes, devido a erros.

Estima-se que, nos EUA, os custos associados a eventos adversos na saúde, onde se inclui perdas de produção e custos com cuidados de saúde e com a morbilidade, estejam entre os 17 e os 29 biliões de dólares, dos quais os custos com cuidados de saúde representam metade. (Kohn, et al., 2000)

A visibilidade e o enfoque dado às grandes descobertas e avanços da Medicina só são comparados com o destaque com que a sociedade acompanha os escândalos de erros médicos ou de incongruências na Saúde. Este facto, deve-se também, à evolução na capacidade assistencial, e divulgação da mesma, que criou elevadas expectativas na população em torno do seu “direito à Saúde”, e esse paradigma é abalado por informações que revelem números como os estudos anteriores. Embora se tenha investido largamente em mecanismos de acreditação, que permitam garantir aos utentes que os processos desenvolvidos são de acordo com padrões de qualidade, a verdade, é que estes tiveram pouco impacto na diminuição dos erros, quer por não estarem focados nesse aspecto, quer por terem encontrado resistências nas próprias organizações e profissionais. (Kohn, et al., 2000; Bohigas, 1996)

O relatório já mencionado é citado de forma extensiva por todas as publicações que se debruçam neste tema. Neste relatório publicado inicialmente em 2000, o Institute of Medicine

Quality of Health Care in America Committee, formado em Junho de 1998, revela as

conclusões e a estratégia delineada para a melhoria da qualidade nos próximos 10 anos. Assume dois pontos fundamentais na construção da estratégia. Por um lado, não existe uma

resposta mágica e instantânea e que nenhuma recomendação por si só irá resolver o problema. Por outro lado, assume-se que é necessário aumentar o conhecimento e os instrumentos que nos permitem construir um melhor sistema de saúde, nomeadamente as barreiras legais e culturais que impedem a melhoria da segurança nos cuidados. Desta forma, propõe um objectivo audaz de reduzir 50% dos erros ao longo de 5 anos. (Kohn, et al., 2000) No entanto, não se encontra nenhuma publicação que realize esta comprovação.

Kohn, et al. (2000, p. 6), refere que os sistemas de saúde encontram-se uma década atrasados em relação a outras indústrias de alto risco quanto à sua capacidade de assegurar mecanismos de segurança básica. As recomendações para a criação de um sistema de saúde mais seguro estão agrupadas em quatro pilares:

• Determinar a segurança como um foco de atenção, para criar movimentos de liderança, investigação e protocolos que permitam melhorar os conhecimentos e a implementação de medidas;

• Realizar esforços para a criação de sistemas de report obrigatórios que permitam identificar e aprender com os erros e encorajar esforços voluntários com o objectivo de evoluir o sistema de forma mais segura para os utentes;

• Criação de standards e expectativas de melhoria em segurança, através da coordenação de organizações, que se dedicam a esta temática, grupos de utilizadores e grupos de profissionais;

• Criação de sistemas de segurança dentro das organizações de saúde, através da implementação de práticas seguras ao nível da prestação de cuidados. Este nível é o objectivo último de todas as recomendações.

Embora tenha sido referido, em capítulos anteriores, que existem especificidades na estrutura e dinâmica das organizações de saúde, a verdade é que, o acontecimento do erro (na sua forma genérica – modelo do queijo suíço) é semelhante para todo o tipo de organizações. Desta forma, também o estudo específico das inúmeras possibilidades de erros na saúde reflecte as características gerais das organizações e dos processos de erro. Por exemplo, os erros de prescrição revelam falhas ao nível da comunicação e do desenho do sistema, da mesma forma que, um controlador aéreo ao comunicar uma instrução, que é mal interpretada pelo piloto.

No âmbito deste documento não é relevante o descriminar e aprofundar a dissecação dos tipos de erros mais frequentes nas organizações de saúde. Salienta-se como pontos-chave no estudo do erro: a cultura de declaração de eventos; comunicação interpessoal; desenho de

segurança do sistema; interacção homem-máquina e os factores humanos, como sendo os pontos mais comuns de análise dos processos e na construção de processos seguros.

Destacam-se os estudos de Spath, (2000); Fragata e Martins, (2005); Peters e Peters, (2008), e os inúmeros artigos que têm sido publicados recentemente a este respeito com propostas comprovadas de melhoria dos sistemas de saúde, a maioria dos quais importando metodologias de outras organizações que não da saúde.