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Escala Movimento no espaço-tempo dos horizontes das coisas

Capítulo 2. Experiência da percepção e sua espacialidade.

4. Meio constituído, entre lugar e mundo sendo ambos.

4.1. Escala Movimento no espaço-tempo dos horizontes das coisas

O percebido é que me defronta; o seu noema descrito acha-se presente, algo que também me confronta apreendido em “carne e osso”. Mas é pouco chamar esse algo de objeto. Seria o percepiente apenas sujeito? Em vez de uma relação dual, não teríamos, no caso, uma relação escalar? Não sou apenas sujeito pensante (res cogitans) e o percebido não é apenas objeto. A escala, que une os termos numa totalidade indefinida ou inacabada, é o mundo. Como ser-no-mundo, enquanto Dasein, ser aí, tenho uma visada pré- objetiva do que me cerca, correspondendo isso a um espaço e a um tempo. Mas o

ter essa visada comparte com o que sou. Eu a tenho na medida em que existo. E existindo incorporo o que me cerca, dando-lhe sentido, o que significa transcender a situação que ocupo no mundo, situação espacialmente localizada. Mas que espaço é esse senão aquele que meu corpo ocupa? É um espaço convertido àquela medida escalar do mundo, um espaço que eu ocupo”. B. Nunes (2004:273-4).

A noção radical de escala sobre a qual a reflexão de Benedito Nunes212 inicia a seção, refere-se a um corpo que é também consciência, desse modo ocupando e transformando coisas e lugares ao tomar posse de seu entorno. Ajudando-nos no caminho que estamos percorrendo em busca do espacial originário, constituído pelo e com os seres humanos, a

escala é trazida por Maurice Merleau-Ponty , explicitamente nesta nota de trabalho, longa

mas muito rica e pertinente, do filósofo213, comentada em seguida:

“É superação da ontologia do Em-si, - e exprime-a em termos do em si – Escala

(graduação): noção projetiva: imagina-se um ser em si descrito num plano em si, onde figura transposto segundo tal proporção que as representações dele em diversas escalas são diferentes ‘quadros visuais’ do mesmo e m si – Dá-se um passo mais suprimindo o Em si modelo: não resta mais do que representações em escalas diferentes. Mas que permanecem na ordem do ‘quadro visual’ ou do em si por inevitável inconseqüência, isso, enquanto não se tiver acesso à problemática da filosofia. – Trata-se de compreender que as ‘visões’ em escalas diferentes não são projeções sobre corporeidades – anteparos de um Em si inacessível, que elas e sua implicação lateral uma na outra são exatamente a realidade; que a realidade é uma membrura comum, seu núcleo, e não algo por trás delas: atrás delas, só existem outras ‘visões’ concebidas ainda segundo o esquema em-si-projeção. O real existe entre elas, aquém delas. O macrofenômeno e o microfenômeno não são duas projeções + ou – engrandecidas com um real em si atrás deles: os macrofenômenos da evolução não são menos reais, os microfenômenos não mais reais. Não existe hierarquia entre eles. O conteúdo de minha percepção, microfenômeno, e a visão em grande escala

dos fenômenos-envólucros não são duas projeções do Em si: o Ser é a sua membrura comum. Cada campo é uma dimensionalidade e o Ser é a própria

212 Partindo das considerações de Maurice Merleau-Ponty , associadas às contribuições de C. E. Reboratti

(2001),

213

“Escala – Significação ontológica dessa noção. Endo-ontologia cf. o absoluto fenomenológico de

dimensionalidade. É, portanto, acessível também através de minha percepção. É ela mesma quem me oferece como espetáculo a transferência de transcendência lateral das ‘aparências’ à essência como núcleo de Wesen (verbal) – os conhecimentos em > ou < escala (macrofenômenos-micro-físicos) são determinação em pontilhado (através de instrumento matemático, i.é., inventário das estruturas) dos núcleos de ser cuja atualidade só a percepção me dá e que não podem ser concebidos senão por empréstimos à sua membrura. É preciso suprimir o pensamento causal que é sempre: visão do mundo exercida

de fora, do ponto de vista de Kosmotheoros levando consigo como antítese o movimento de retomada reflexiva antagonista e inseparável – Não é mais necessário que eu me pense no mundo, no sentido da espacialidade ob-jetiva, o que vem a ser repor-me e instalar-me no Ego uninteressiert – o que substitui o pensamento causal, é a idéia da transcendência, isto é, de um mundo visto na inerência a esse mundo, graças a ela, de uma intra-ontologia, de um Ser englobante-englobado, de um Ser vertical, dimensional, dimensionalidade – E o que substitui o movimento antagonista reflexivo e solidário (a imanência dos ‘idealistas’) é dobra ou vazio do Ser possuindo por princípio um exterior, a arquitetônica das configurações. Não existem mais – consciência - projeções - Em si ou objeto. Existem campos em interseção, num campo dos campos onde as ‘subjetividades’ são integradas, como Husserl indica em Inédito acerca da teleologia e do absoluto fenomenológico, pois que elas levam na sua infra-estrutura uma leistende subjectivität inteiramente apoiada nelas”.

A própria idéia de sujeito como evocação de dependência leva a pensar na justeza de se estabelecer a realidade a partir da relação entre as coisas e os sujeitos que se colocam diante delas. A escala entra no raciocínio como problema com vistas à sua aplicação ao terreno concreto. Cabem alguns comentários sobre a nota de trabalho de Maurice Merleau- Ponty .

A superação de que fala Maurice Merleau-Ponty dá-se pelo movimento. Diz ele que é uma “noção projetiva”, evocando espaço e tempo, que nos leva aos graus da diversidade espacial e temporal, bem como ao movimento das formas espaciais no tempo.

Evoca alguma liberdade do observador, estudioso ou não, ao sugerir a “supressão do

modelo estabelecido”, que em nosso caso é o terreno em tamanho real214. Está, de fato, advertindo para que ultrapassemos as simples representações ou variações vazias, de imagens sem conteúdo, como operações inconseqüentes. Inconseqüência a ser corrigida pela filosofia, reitera Maurice Merleau-Ponty .

As “visões diferentes” não são projeções sobre corporeidades, algo como imagens, 214 Sugestão que é o oposto do ideal de perfeição científico comumente estabelecido, exemplificado pela

brilhante alusão de J. L. Borges ao princípio científico da perfeição, da ciência apresentando-se como tradução, negando seu caráter de aproximação e representação da realidade. Tanto na geografia quanto no Reino do conto de Borges (1995:119).

aparências, figuras açambarcantes de corpos (aqui, as coisas e os corpos-próprios de Maurice Merleau-Ponty ), anteparos de um Em si inacessível, que têm mais a ver com aparências, formatos, invólucros, recipientes platônicos para as coisas da terra, pois as visões em escalas diferentes implicam-se e com significados interdependentes são o Ser ou realidade estabelecida como membrura comum, carne do mundo, e não apenas algo por trás delas; posto que ainda existem outras visões concebidas segundo o esquema em-si-

projeção: as tais imagens vazias ou instrumentais... Ideologia, talvez. O real existe entre as

“visões” e aquém delas...

Passa a não haver hierarquia ontológica, mas, possivelmente, epistemológica: campos ao modo de dimensionalidades. O Ser é a própria dimensionalidade: essência com regiões. Possivelmente, essas implicações laterais das “visões” que são Ser entre e aquém delas, umas nas outras sejam uma pista para resolver a questão dos limites, delimitações “concretas”. Visões, no sentido de imagens, de representação, como cartas ou plantas, por exemplo. Cabe um cotejo com a abertura e o fechamento das coisas com esse questionamento da escala, que parece também nascer junto com o lugar, e demais instâncias do espaço.

Portanto, a noção de meio, no sentido aproximado de Umwelt, leva-nos mais próximos da solução desse problema, pois o entorno (i)mediato serve de parâmetro, como delimitador e, a um só tempo, demonstra os termos / objetos da realidade instituída e constituída (mutuamente produtoras). Está-se falando, então, que da relação espacial que se estabelece como meio surgem, assim, organicamente, não apenas no sentido biológico, os lugares, com seus territórios e suas paisagens de existência, configurando-se sob uma prática e um pensamento escalar os territórios e paisagens. Esse é um dado constituído, daí, fundamental.