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3 FENOMENOLOGIA DA TURBULÊNCIA NOS FLUIDOS

3.3 ESCALAS DA TURBULÊNCIA

A turbulência completamente desenvolvida nos fluidos é compreendida como o conjunto de estruturas turbilhonares cuja escala varia de forma contínua desde certa dimensão mínima até uma máxima, denominadas de escalas da turbulência. Cada escala é vista como uma entidade do escoamento, com características próprias de vorticidade, velocidade, energia, tempo e comprimento.

De forma análoga ao que é feito no estudo de sons, em que o ruído branco é formado pelo conjunto contínuo de frequências temporais, a turbulência completamente desenvolvida é formada pelo conjunto contínuo de frequências espaciais, ou números de onda (k), interpretado como a quantidade de vezes que a oscilação se repete na unidade de comprimento. Cada número de onda pode ser associado a uma escala do escoamento turbulento.

Richardson (1922) introduziu a ideia de energia cinética fluindo através das escalas da turbulência em forma de cascata. Segundo ele a energia cinética turbulenta

é injetada no escoamento através das grandes escalas, que por sua vez é transferida para as escalas intermediárias através de um processo invíscido, até que nas menores escalas do escoamento, denominadas de escalas de Kolmogorov, a energia cinética é completamente convertida em energia térmica por ação da viscosidade. Em escoamentos turbulentos totalmente desenvolvidos, toda energia cinética introduzida é convertida em outras energias, dessa forma, caso o escoamento comece a receber uma quantidade de energia maior, naturalmente o escoamento “fabrica” novas estruturas turbilhonares, ainda menores que as anteriores para assim aumentar a taxa de conversão de energia cinética em térmica, acústica e outras.

A hipótese de energias fluindo das maiores para as menores escalas representa uma simplificação da real interação das estruturas turbulentas, pois, equivocadamente, pode-se entender como um processo linear em que energia flui em uma só direção. Porém ao analisar as equações que modelam os escoamentos turbulentos, observa-se que se trata de um processo não linear de transferência de energias. Dessa forma, as maiores escalas podem transmitir energia para as menores que por sua vez retransmite para uma escala intermediária mas, em média, observa- se que a direção principal de transmissão de energia é das grandes para as pequenas escalas.

A ideia do processo não linear de transferência de energias é demonstrada na simulação de uma camada de mistura temporal com fluidos de massas específicas

diferentes, apresentada na figura 3.6a. Observa-se que as instabilidades de Kelvin-

Helmholtz de maior escala são constituídas de escalas menores, que por sua vez, são formadas por escalas ainda menores. Contudo, é possível um olhar sob o ponto de vista inverso, em que as menores escalas formam as escalas intermediárias, que por sua vez constituem as maiores escalas. Na verdade, os dois pontos de vista ocorrem simultaneamente, ou seja, uma escala forma e é formada por outras escalas do escoamento, o que fornece a ideia de não linearidade do sistema. Na figura 3.6b apresenta-se uma tentativa do autor de ilustrar a ideia de energia sendo transferida no escoamento turbulento, onde diferentes escalas do escoamento turbulento, representadas pelas formas em espiral, interagem entrei si transmitindo e recebendo energias de forma simultânea.

Figura 3.6 – Distribuição de energia cinética turbulenta ao longo das escalas do escoamento.

(a) (b)

Fontes: (a) Fontane et al (2008), (b) Autoria própria.

Kolmogorov (1941) identificou, através de uma simples análise dimensional, as menores escalas que podem existir em um escoamento turbulento completamente desenvolvido, as quais hoje levam o nome de escalas de dissipação viscosa de Kolmogorov. Para definir tal conceito, considera-se uma estrutura turbilhonar de um escoamento com fluido de viscosidade cinemática (𝜈), escala característica (l) e velocidade característica (𝜗). Assim, o número de Reynolds local é definido por,

𝑅𝑒 =𝜗l

𝜈. (3.1)

O termo no numerador traduz os efeitos inerciais do escoamento, ou seja, mede a tendência de uma estrutura turbilhonar interagir com outras estruturas, transmitindo energia cinética através do processo descrito anteriormente. O termo no denominador exprime os efeitos viscosos, os quais transformam energia cinética em energia térmica e também é responsável pela difusão viscosa de energia cinética.

No caso em que o número de Reynolds é menor que um, tem-se que os efeitos viscosos dominam os efeitos inerciais. Assim, pode-se imaginar que exista uma escala

característica mínima (ℓ𝑑) na qual os efeitos viscosos passam a dominar os inerciais

Pela teoria de Kolmogorov, demonstra-se que a menor estrutura presente em um escoamento turbulento é dada por,

𝑑 = √𝜈

3

𝜖 4

, (3.2)

onde 𝜖 é a taxa de dissipação viscosa do escoamento.

De forma análoga, demonstra-se que as menores escalas de velocidade, vorticidade e de energia cinética são dadas pelas equações (3.3), (3.4) e (3.5), respectivamente. 𝜗 = √𝜈𝜖4 (3.3) 𝜔 = √𝜖 𝜈 2 (3.4) 𝑒 = √𝜈𝜖2 (3.5)

Analisando, por outro lado, as maiores estruturas que podem estar presentes nos escoamentos turbulentos, a quais são compostas por um comprimento (𝐿) e velocidade (𝑈) características. Assim, pode-se definir as grandezas de tempo, vorticidade e energia cinética das grandes escalas, apresentadas nas equações (3.6),

(3.7) e (3.8), respectivamente. 𝑡 = 𝐿 𝑈 (3.6) 𝑊 = 𝑈 𝐿 (3.7) 𝐸 = 𝑈2 (3.8)

Tendo como situação hipotética um escoamento totalmente desenvolvido, pode-se relacionar a taxa de dissipação viscosa nas pequenas escalas com as propriedades inerciais do escoamento das grandes escalas. Para isso, basta perceber que toda a energia cinética injetada no escoamento está sendo consumida pela dissipação viscosa, dessa forma 𝜖 é aproximado pela razão entre as grandezas de energia cinética e tempo das grandes escalas, como apresentado na Eq. (3.9).

𝜖 ≈ 𝑈

2

𝑡 =

𝑈3

𝐿 (3.9)

Neste ponto, é possível manipular as nove equações definidas anteriormente de forma a encontrar relações que dizem muito sobre os escoamentos turbulentos, por exemplo, substituindo a Eq. (3.9) na Eq. (3.2), resulta na relação expressa pela Eq. (3.10) abaixo, a qual pode ser reescrita em termos do número de Reynolds, como mostrado na Eq. (3.11). ℓ𝑑 = √( 𝜈 𝑈3/𝐿) 4 (3.10) 𝐿 ℓ𝑑 = 𝑅𝑒𝐿 3/4 (3.11)

Fixando o valor de 𝐿 na última equação, observa-se que a medida que se aumenta o número de Reynolds, menores são as escalas de Kolmogorov. Esta análise está de acordo com as expectativas, visto que o aumento no número de Reynolds traduz em aumento da energia cinética injetada no escoamento.

Substituindo a Eq. (3.9) nas Eq. (3.3), (3.4) e (3.5), resulta nas expressões que relacionam as escalas de velocidade, vorticidade e energia cinética com o número de Reynolds, dadas nas equações (3.12), (3.13) e (3.14), respectivamente.

𝑈 𝜗 = 𝑅𝑒𝐿 1/4 (3.12) 𝑊 𝜔 = 1 𝑅𝑒𝐿1/2 (3.13) 𝐸 𝑒 = 𝑅𝑒𝐿 1/2 (3.14)

Observa-se nessas equações que a razão entre as grandezas de velocidade e energia cinética das grandes com as pequenas escalas do escoamento são diretamente proporcionais ao número de Reynolds, enquanto que para a vorticidade a relação é inversa, isto é, quanto menor a escala da turbulência, maior a velocidade de rotação de uma partícula sobre seu próprio eixo.

4 GERAÇÃO E PROPAGAÇÃO DE