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CAPÍTULO II – SENTINDO NA PELE

2.3 Escarificando o corpo transgênero

A discriminação cerceia a experiência, mobilidade, vontade e impõe diferentes formas de humilhação, sendo a depauperação permanente, a produtora de intenso sofrimento crônico no cotidiano que se reproduz de geração em geração (MOURA e LOPES, 2014). Já para Goffman (2008) a discriminação é “a situação do indivíduo que está inabilitado para a aceitação social plena”.

Os gregos utilizavam o termo estigma para designar sinais corporais que evidenciavam alguma extraordinariedade ou ainda mau sobre o status moral de quem os apresentava. Na era cristã estes sinais eram vistos como graça divina. Para a ciência médica o estigma é um sinal de deficiência física. Atualmente o estigma está mais relacionado ao sentido depreciativo do que corporal. Alguns atributos e categorias definem a identidade social e as exigências em potencial denominam a identidade social virtual e ainda as efetivamente comprovadas, definem a identidade social real. O estigma de um indivíduo pode anuir à naturalidade de outrem (GOFFMAN, 2008).

Um indivíduo reconhecido como pertencente a um grupo minoritário já se encontra em posição de desvantagem em relação aos demais indivíduos da sociedade em questão, estes pertencentes a grupos majoritários (FLEURY E TORRES, 2010 apud MOURA E LOPES, 2014).

Para Picazio (1999, p.99) o “preconceito é um pré-julgamento, um sentimento ou resposta antecipado a coisas ou pessoas, portanto não se baseia em experiências reais”. É assim com a transfobia. A transfobia é, portanto, um medo e/ou ódio às pessoas trans (LEITE, 2011), fundada no pré-julgamento sem base nas experiências reais.

A expectativa de vida da população trans é de 35 anos de idade, enquanto a da população brasileira em geral é de 74,9 anos (ANTUNES, 2013). Assim, em 2016, a ANTRA discutiu a necessidade de realizar o levantamento dos assassinatos de travestis e transgêneros no país, realizada pela primeira vez no ano de 2017, gerando posteriormente o Mapa dos Assassinatos de Travestis e Transexuais no Brasil, o país que mais mata transgêneros no mundo (ANTRA, 2017).

O risco de uma pessoa trans ser assassinada é 14 vezes maior que um homem gay cis; e se compararmos com os Estados Unidos, as 144 travestis brasileiras assassinadas em 2016 face às 21 trans americanas, as brasileiras

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têm 9 vezes mais chance de morte violenta do que as trans norte-americanas (TGEU, 2017).

O Brasil assegura o primeiro lugar no ranking de mortes de pessoas transgêneras no mundo nos últimos dez anos e somente no ano de 2019 foram 127 registros lançados no Mapa de Assassinatos e 124 confirmados na pesquisa para o Dossiê 2019 da ANTRA, sendo 121 travestis e mulheres trans e 3 homens trans, destes assassinatos apenas 11 casos tiveram suspeitos identificados (8%) e apenas 7% estão presos. A aparente diminuição do número de assassinatos pode ser vista também devida a subnotificação, muitas vezes motivadas pelo não cumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no que tange LGBTfobia como crime de racismo. Este dossiê ainda relata que 99% das pessoas participantes de sua pesquisa não se sentem seguras no Brasil e conclui que a violência direta no dia-a-dia das pessoas trans aumentou em 2019, destacando o levantamento realizado pela Revista Gênero e Número que apontou aumento de 800% das notificações de agressões e o quantitativo de 11 pessoas ao dia (ANTRA, 2019).

Em números absolutos, São Paulo foi o estado que mais matou a população trans em 2019, com 21 assassinatos, contando com aumento de 50% dos casos em relação a 2018; seguido do Ceará; com 11 casos; Bahia e Pernambuco, com 8; Paraná, Rio de janeiro e Rio Grande do Sul, com 7 casos cada; e Goiás com 6 casos. Amazonas, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso e Paraíba aparecem com 5 casos cada; Espírito Santo, Pará e Rio Grande do Norte com 4; Alagoas, Rondônia e Tocantins com 2; e 1 caso em Mato Grosso do Sul, Roraima, Sergipe e Piauí. Não foram encontrados casos reportados na mídia no Acre, Amapá, Santa Catarina e no Distrito Federal. Em 2019, os estados apresentaram aumento nos assassinatos: São Paulo, Pernambuco, Rondônia e Tocantins. Entre 2017, 2018 e 2019, tivemos 466 assassinatos de pessoas trans no Brasil. No ranking por estado, levando em consideração dados absolutos, São Paulo, com 51 casos, aparece em 1º; E em 2º, estão a Bahia e o Ceará, com 40 casos. O Rio de Janeiro, com 37, está na 3ª posição; Minas Gerais, em 4º, com 34 e, em 5º, está o estado de PE, com 28 assassinatos, sendo estes os estados que mais assassinaram pessoas trans no Brasil nos últimos três anos e que, somados, correspondem a 49,5% dos casos. (ANTRA, 2019).

A região Nordeste lidera o ranking com 37% dos casos, seguido da região Sudeste com 30%, Sul com 11%, Norte com 11% e Centro-Oeste com 10%. Sendo a região Sudeste com 10,8% de aumento dos casos em 2019 (ANTRA, 2019).

No dossiê 2019 da ANTRA há ainda a menção sobre o pedido de inclusão de dados sobre as pessoas trans no CENSO 2020 protocolado pela associação a Defensoria

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Pública da União que ajuizou a ação, no entanto não há nenhuma orientação para o CENSO supracitado (ANTRA, 2019).

O dossiê traz ainda o perfil das vítimas, a menor idade foi a de 15 anos, com 59,2% dos assassinatos entre pessoas de 15-29 anos, 22,4% entre 30-39 anos, 13,2% entre 40-49 anos, 3,9% entre 50-59 anos e 1,3% entre pessoas com 60-69 anos, sendo a maior chance de pessoas trans serem assassinadas nas idades entre 15 a 45 anos. O perfil étnico destaca que 82% das vítimas eram pretas ou pardas, 17% brancas e 1% sem informações, em relação ao gênero expressa 97,7% ao feminino e 2,3% ao masculino (ANTRA, 2019).

Nos dados supracitados destaco o alarmante índice de vítimas de transfobia da etnia negra, demonstrando claramente que além da transfobia estas vítimas sofreram o racismo, algo estrutural em nossa sociedade que infelizmente ainda persiste, requer atenção urgente.

“É uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios, a depender ao grupo racial ao qual pertençam” (ALMEIDA, 2018: 25).

Segundo Almeida (2018), o racismo apresenta as dimensões individualista ou seja o próprio preconceito; institucional que confere privilégios e desvantagens em razão da etnia, normalizado através do poder e da dominação e estrutural presente nas relações sociais, políticas, jurídicas e econômicas com certa normalização mantendo a reprodução da desigualdade racial.

O Disque 100 recebeu em 2017 um total de 1.720 denúncias de violações de direitos humanos de pessoas LGBT. Entre estas denúncias, 193 são homicídios. O número é 127% maior que o registrado em 2016 (85 denúncias) (MDH, 2018).

O Pacto Nacional de Enfretamento à Violência LGBTFóbica instituída pela Portaria nº 202 de 2018 durante o governo federal do Presidente Michel Temer é uma proposta para articular ações que vislumbrem o enfrentamento da violência desferida contra a população LGBT+, este pacto é firmado pelo governo federal e governos estaduais/distrital, por meio de Termo de Adesão, para elaboração de ações de maneira integrada e considerando a necessidade do esforço político de cada ente federado para mudança do panorama atual. Até o presente, 13 estados brasileiros dos 27 fazem parte do Pacto: Acre, Alagoas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará,

52 Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia e Tocantins (MDH, 2018).

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