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Antes dos avanços científicos na área da embriologia, era impossível o diagnóstico de ocorrência de fetos anencéfalos. A anomalia fetal era verificada apenas na hora do nascimento ou no momento em que ocorressem eventuais interrupções de gravidez, devido à forte propensão do feto anencéfalo não ter o seu desenvolvimento completo e, por isso, o próprio corpo da mãe tender a rejeitar a continuidade da gravidez.

Stigert (2007) estabelece um parâmetro sobre o desenvolvimento de pesquisas médicas e científicas no ramo e mostra que, embora os estudos embrionários tenham se iniciado em 1950, foi apenas em 1970 que se começou a falar em “pré-natal”. Assim, somente na década de 1980, com a utilização do ultrassom, implantaram-se os processos de identificação de deformidades fetais que, com os avanços da década seguinte, começaram a ser mais precisos. Com a ultrassonografia, a partir das doze primeiras semanas gestacionais já é possível detectar a anencefalia com certeza absoluta de diagnóstico. Após a detecção da anomalia não há na literatura e na prática médica nenhum procedimento que pode reverter a situação, ou seja, ainda não há possibilidade de cura para anencefalia.

19 Recentemente, em março de 2013, o Conselho de Medicina, após anos em silêncio, emitiu parecer no sentido favorável para o aborto em geral até as primeiras doze semanas.

A anencefalia é uma má formação congênita que consiste no não desenvolvimento do sistema nervoso completo, “caracterizando-se pela ausência parcial do encéfalo e do crânio, resultante de defeito no fechamento do tubo neural durante a formação embrionária" (MELLO, 2012, p. 46). É a ausência de cérebro, podendo, às vezes, existir parte do tecido cerebral, sem a presença das meninges e da calota craniana em decorrência de falhas no fechamento da região anterior do tubo neural.

Em sessão de audiência pública realizada em 28 de agosto de 2008, na transcrição compreendida à folha 24 do processo de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 54, o Doutor Heverton Neves Petttersen20 esclareceu que a formação do encéfalo compreende na presença dos hemisférios cerebrais, do cerebelo e do tronco cerebral e afirmou que para o diagnóstico da anencefalia é necessário

ter a ausência dos hemisférios cerebrais, do cerebelo e um tronco cerebral rudimentar. É claro que, durante essa formação, não tendo cobertura da calota craniana, também vai fazer parte do diagnóstico a ausência parcial ou total do crânio" (PETTERSEN apud MELLO, 2012, p. 46).

Ao elencar os ensinamentos de Cochard (2003), Stigert (2007) mostra que, por volta do 18° dia da gravidez, a constituição do sistema nervoso é iniciada e após a constituição do tubo neural há a formação do cérebro e da medula espinhal, os dois componentes do sistema nervoso central. É neste momento do desenvolvimento embrionário que podem ocorrer más formações, incluindo a anencefalia, se não houver o devido fechamento do tubo neural.

Como causas de tal problema podem ser apontadas anormalidades genéticas, fatores ambientais, entorpecentes, enfermidades metabólicas, interação de fatores genéticos e ambientais de deficiências nutricionais e vitamínicas, especialmente a baixa ingestão de ácido fólico. A incidência pode ser maior também em mulheres muito jovens ou de idade avançada. A exposição da gestante no início da gravidez a produtos químicos, solventes e irradiações, e o consumo de tabaco e bebidas alcoólicas também são apontados como elementos capazes de influenciar a má- formação fetal" (FERNANDES, 2007, p. 114-115).

O feto anencéfalo é neurologicamente deficiente, faltando-lhe funções específicas e atribuídas ao córtex e aos hemisférios cerebrais como a sensibilidade, a mobilidade, a consciência, a cognição e a comunicação. “Esta é a condição de um feto anencefálico: ele não

20 Formado pela Universidade Federal de Minas Gerais, com título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela Federação Brasileira das Associações em Ginecologia e Obstetrícia – FEBRASGO. Pós-graduado em Medicina Fetal pelo Hospital King´s College – Londres, à época, Vice Presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Fetal, Diretor da Clínica Gennus – Núcleo de Medicina Fetal de Belo Horizonte e Coordenador do Serviço de Medicina Fetal do Hospital Vila da Serra/Nova Lima.

tem crânio nem cérebro. Logo, não pode ter nenhum tipo de sentimento, porque não há uma estação que processe isso” (GOLLOP apud MELLO, 2012, p. 46).

A anencefalia é uma doença congênita letal e faz com que a morte do feto seja inexorável e peremptória. Quando corretamente diagnosticado, o feto anencéfalo é um natimorto neurológico, dotado de batimento cardíaco e respiração, entretanto sem potencialidade de vida extrauterina em cem por cento dos casos21. Nos dizeres do Dr. José Aristodemo Pinotti22, nos estudos de obstetrícia, há dois diagnósticos que, quando corretos, são indiscutíveis: o óbito fetal e a anencefalia (MELLO, 2012).

Tal como o morto cerebral, o feto anencéfalo não tem atividade cortical, mas possui batimentos cardíacos e respiração. Conforme Gollop, médico que também participou da audiência pública em 28 de agosto de 2008 para prestar esclarecimentos sobre a anencefalia, há uma linha isoelétrica no eletroencéfalo nos portadores da anomalia, rigorosamente igual a pacientes com morte cerebral (MELLO, 2012). Então, pode-se dizer que

a anencefalia é o equivalente ao Estado Vegetativo Permanente (EVP) que implica a perda absoluta da consciência, a afetividade e a comunicação, com conservação dos ciclos sono – vigília, reflexos e movimentos oculares, respiração espontânea, reflexos protetores do vômito e tosse (BAVIO apud STIGERT, 2007, p. 60).

Stigert (2007), tomando por base os conhecimentos de Sebastiani (2005), menciona ainda que, além de todas as intercorrências mencionadas acima, o feto anencéfalo apresenta a ausência do hipotálamo, o desenvolvimento incompleto da hipófase, estruturas faciais alteradas e desconformes, irregularidades nas vértebras cervicais e os nervos óticos, quando existentes, não têm alcance satisfatório. Ademais, é possível dizer que não há cura para a anencefalia, sendo esse um quadro irreversível.

É, portanto, uma situação clínica “que provoca profundas transformações em várias áreas do conhecimento humano” (STIGERT, 2007, p. 61), de forma que se torna necessário um pensamento mais aberto e um olhar mais tolerante para que não se aplique, de maneira equivocada, conhecimentos rígidos e por muito tempo aceitos, mas que já se tornaram obsoletos e inaplicáveis a casos como os de anencefalia.

21 Conceitos retirados em exposições realizadas em audiências públicas da ADPF n°54 pelos especialistas: Dr. Rodolfo Acatauassú Nunes; Dra. Marlene Rossi Severino Nobre; Dr. Heverton Pettersen; e Dr. José Aristodemos Pinotti.

22 Médico sanitarista, especialista pelas Universidades de Florença e Milão – Itália e pelo Institute Gustave Roussy de Paris.