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IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO NO PERÍODO 2001-

1.2 Escola Cidadã

[...] é necessário ressaltar que o processo de democratização do Estado, a inversão de prioridades com a crescente inclusão social e melhoria da qualidade de vida concretizam avanços no processo de construção e conquista da cidadania. A cidadania, genericamente definida na ordem jurídica na constituição, pressupõe uma série de direitos que não estão de fato assegurados. Ninguém nasce cidadão. A cidadania é um elemento histórico que envolve um conjunto de direitos e deveres, cujo exercício depende da correlação de forças existentes na sociedade. A conquista da cidadania vai para além do jurídico; é uma questão política que implica na conquista de legitimidade social para um conjunto de direitos, de valores e de relações socioculturais. Cidadania é incompatível com exclusão social. O cidadão é aquele que exerce o direito de acesso ao produto material, cultural, aos valores e representações simbólicas historicamente reconhecidas como patrimônio social. A experiência que vivemos em Porto 47 Alegre é uma dimensão importante, uma referência de prática concreta da construção de um governo democrático participativo e que, dialeticamente, conquista e constrói novos espaços de aprendizado da cidadania (SEVERINO, 1994).

O projeto “Escola Cidadã”, em Porto Alegre, foi um dos desdobramentos dos objetivos do projeto político da Administração Popular, que se localizava na radicalização da democracia e na promoção e formação da cidadania (AZEVEDO, 2000).

Para o autor, quanto à radicalização da democracia, a proposta central da Administração Popular era estabelecer uma relação entre o Estado e o conjunto da população, por intermédio de uma proposta de participação que visava reverter o caráter autoritário e privado do Estado brasileiro, no âmbito da esfera municipal. Logo, democratizar o Estado para a Administração significava também desprivatizá- lo, isto é, reverter a hegemonia dos interesses privados na definição das políticas. Assim, a participação popular redefiniria o conteúdo político do velho Estado privado das elites, transformando-o em instrumento dos interesses da cidadania.

Azevedo (2000) entende cidadania como homens e mulheres capazes de usufruir e partilhar cultural e materialmente da sociedade. Neste sentido, cidadania é definida, por Severino (1994), como a “qualificação da existência dos homens. Trata-

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se de uma qualidade de nosso modo de existir histórico. O homem só é plenamente cidadão se compartilha efetivamente dos bens que constituem resultado de sua tríplice prática histórica, isto é, das efetivas mediações de sua existência. Ele é efetivamente cidadão se pode efetivamente usufruir dos bens materiais necessários para a sustentação de sua existência física, dos bens simbólicos necessários para a sustentação de sua existência subjetiva e dos bens políticos necessários para sustentação de sua existência social.” (SEVERINO, 1994, p.19).

Segundo Severino (1994):

Porto Alegre tem experimentado e praticado uma nova concepção de Estado, que supera visões de Estado nas suas diferentes modalidades e expressões históricas. Trata-se da criação de mecanismos de desprivatização e democratização que colocam o aparelho estatal a serviço de interesses da cidadania. Este processo tem como princípio fundamental, a prática da participação dos indivíduos na construção, na implementação e na fiscalização das políticas públicas (SEVERINO, 1994).

Ao contrário das práticas tradicionais de governo, quando os governantes se adaptaram ao caráter autoritário e excludente do Estado tradicional, o Governo Popular 48 redefiniu o papel do Estado dentro das possibilidades e limites da esfera municipal. Ao invés de decisões tecnocráticas e verticalizadas, o governo municipal estabeleceu um amplo e profundo processo participativo para tomada de decisões. A cidade é chamada à construção coletiva das políticas públicas, envolvendo todas as frentes de atuação da administração.

A transformação do caráter privado do Estado para um Estado público está sendo concretizada com a formação de esferas públicas de decisão não estatal, em que a participação popular induz ações do Estado, atuando na construção e na fiscalização da aplicação das políticas públicas.

Azevedo (2000) afirma, ainda, que o Governo Popular concebe a educação como um processo de formação e desenvolvimento da pessoa humana que interage individual e coletivamente, desvelando dialeticamente a realidade, transformando-a, construindo novas experiências que, sistematizadas por meio da ação-reflexão- ação, produzem novos conhecimentos.

Além dessa concepção, Azevedo (2000) aponta outra dimensão importante da nova concepção de educação que é o seu vínculo com o mundo do trabalho, entendendo este um valor fundamental à sociedade humana, que lega a ação pedagógica à compreensão do funcionamento do sistema produtivo, aos

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instrumentos tecnológicos, à organização da produção, ao acúmulo, produção e distribuição de riqueza.

A construção e a implementação da “Escola Cidadã”, a partir de 1993 (2ª gestão), significou a articulação do projeto educacional com o projeto da Administração Popular. Na primeira gestão, algumas ações democratizantes foram implementadas: a criação das Escolas Infantis (para atendimento de crianças de 0 a 6 anos), o conceito de educação infantil como essencial para o desenvolvimento das aprendizagens características das crianças nesta faixa etária, a criação do Serviço de Educação de Jovens e Adultos – SEJA–, a expansão do atendimento do ensino regular e a sensibilização para a discussão de uma proposta pedagógica. Estas foram medidas importantes, mas, a maioria, limitou-se à democratização do acesso e não se configurou como projeto orgânico vinculado ao projeto global da Administração Popular, nem mesmo como projeto que contemplasse todos os aspectos da educação municipal, não se constituindo numa alternativa democrática e progressista, capaz de fazer contraponto à educação conservadora e tradicional.

Em 1993, começou-se a discussão da educação a partir do conceito de democratização do Estado que orienta a administração municipal. Tratava-se de democratizar o Estado também na esfera educacional.

Era necessário "desprivatizar" a escola estatal municipal, a fim de substituir o seu conteúdo, a sua concepção hegemonizada pelos valores e interesses privados e de seus usuários. Era necessário, portanto, criar na educação, uma esfera pública, não estatal, que possibilitasse à cidade discutir e influenciar a construção da política pública para a educação. Em outras palavras, por meio da criação de mecanismos e de espaços de participação, iniciou-se, na segunda gestão, a transformação da escola estatal municipal em uma escola pública municipal. Começava-se a operar na educação a metamorfose política que a administração municipal vinha realizando por intermédio do Orçamento Participativo da Cidade, ou seja, a transformação do Estado (esfera municipal) em uma instituição realmente pública a serviço da formação, da conquista e do exercício da cidadania.

Neste mesmo período foi proposto à Rede um processo coletivo – “a Constituinte Escolar – com a participação de todos os segmentos da comunidade escolar, com o objetivo de definir princípios que orientassem a construção de uma

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escola não excludente, democrática, emancipadora, formadora de sujeitos históricos, autônomos”, uma “Escola Cidadã” (AZEVEDO, 2000, p.314).

A Constituinte Escolar reafirmou a democratização radical da escola, vista em três dimensões: a primeira seria a democratização na gestão, em que se aprofundou a participação coletiva, transformando as relações de poder, consolidando mecanismos de participação, que possibilitassem a todos os segmentos da comunidade escolar a participação nas decisões administrativas e pedagógicas da escola. Foi instituída a eleição direta uninominal dos diretores e vice-diretores6. Embora a democratização da escola não possa ser reduzida à eleição da direção, é importante afirmar o seu papel decisivo para a redefinição, em favor da democratização das relações de poder no interior da escola. Outro mecanismo apontado por Azevedo (2000) como vital para democratizar o exercício do poder no interior da escola é o Conselho Escolar. Constituído por representantes eleitos (pais, alunos, funcionários e professores) é o órgão máximo da escola, um poder deliberativo sobre assuntos administrativos, financeiros e pedagógicos7.

Para o trabalho da eleição de diretores e Conselho Escolar foram necessários antídotos para combater o clientelismo, o fisiologismo e a troca de favores como instrumento de poder usado por algumas direções.

A segunda dimensão, democratização do acesso ao conhecimento define que a identidade cultural entre a comunidade e as ações pedagógicas ressignifica a escola, contribuindo para a consolidação de uma visão de escola responsável pela garantia da “Aprendizagem Para Todos”.

O ensino fundamental é organizado por Ciclos de Formação. Projeto este que reorganiza os tempos e os espaços da escola, sendo que as ações são planejadas e executadas coletivamente, com o objetivo de garantir o acesso ao conhecimento para todos os alunos.

Existe uma ligação entre a vida cotidiana do educando na sua comunidade (a prática) e a organização do currículo da escola (a teoria), que dá sentido e motivação à aprendizagem. Possibilita que a escola adquira significado para seus usuários e produza conhecimentos úteis:

6 Lei Complementar nº7565 de 1993 modifica a eleição direta para diretores e vice-diretores nas

Escolas Públicas Municipais.

7 Lei Complementar nº292 de 1993, que dispõe sobre os Conselhos Escolares nas Escolas Públicas

65 O conhecimento sistematizado é indispensável à luta popular, mas esse conhecimento deve percorrer os caminhos da prática. [...] pensar a prática de hoje não é apenas um caminho para melhorar a prática de amanhã, mas também forma eficaz de aprender a pensar certo (FREIRE, 1989).

A avaliação não se desvincula do processo de aprendizagem, pois é um processo contínuo e participativo; fonte de reflexão do trabalho do aluno, do professor e da escola; e se subdivide em avaliação formativa (inclui relatório de desempenho individual, autoavaliação e participação dos pais), avaliação somativa (acontece ao final do ano letivo ou ao final de cada ciclo) e avaliação especializada (voltada para alunos que necessitam de apoio especial) (AZEVEDO, 2000, p.317).

Finalmente, a última dimensão: a democratização do acesso à escola se preocupa com a democratização do acesso àqueles excluídos da escola, ou socialmente impedidos de frequentá-la na idade adequada. Para estes, vítimas da exclusão social, a Administração Popular desenvolveu projetos de inclusão, com propostas especificas para cada um deles.

Assim, a “Escola Cidadã” ensina e aprende uma “nova lição”: a prática política conscientizadora, libertadora e radicalmente democrática. O objetivo é o exercício do aprendizado da democracia, não reproduzindo “no interior da escola da escola as relações políticas viciadas, utilizadas pelas elites conservadoras, na grande política para tutelar e manipular o povo” (AZEVEDO, 2000, p.316).