• Nenhum resultado encontrado

A Escola Clássica, segundo Andrade (1997), cobriu um período de cem anos, que foi de meados do século XVIII a meados do século XIX. Formou-se no período de decadência\transição da ordem feudal e do Estado absolutista para a ordem capitalista e o Estado de Direito Liberal na Europa, período em que a classe burguesa estabeleceu a ideologia do racionalismo que veio legitimar as relações de produção conforme expõe Santos (1979, p. 31):

As classes sociais que surgem no cenário histórico, produzidas pelo desenvolvimento das forças produtivas, romperam as relações feudais de propriedade que as entranhavam, e se estruturam sobre a propriedade privada dos meios de produção e dos produtos do processo de trabalho, valores de uso produzidos para a troca entre proprietários de mercadorias, relacionados no mercado.

Nesse período, o saber clássico e criminológico foi marcado por dois momentos: o filosófico e o jurídico. As obras “Dos delitos e das Penas” de Cesare Beccaria (1764) e “Programa do Curso de Direito Criminal” de Francesco Carrara (1859) foram as publicações mais completas e fiéis da culminação e desenvolvimento da Escola Clássica, bem como dos dois momentos.

Tal escola iniciou um movimento contra o sistema penal vigente, o qual admitia prática de torturas, pena de morte, prisões desumanas, banimentos,

acusações secretas e suplício do corpo30. Frente a este contexto, o movimento classista propôs a humanização das penas. Admitia que o delito fosse uma infração à lei, ao pacto social que estava na base do Estado e do direito. Sustentava que o crime era consequência da vontade livre e consciente do autor e a pena era o castigo justo pelo comportamento reprovável, voluntário e consciente. Além de Beccaria e Carrara a escola clássica contou também com Jeremy Bentham31, Rossi, Carmmignani, dentre outros. Beccaria lançou as bases do direito democrático e rompeu com os moldes inquisitórios do sistema penal anterior. Estabeleceu limites entre a justiça divina e a justiça humana, entre os pecados e os delitos; condenou o direito de vingança e tomou por base do direito de punir a utilidade social; declarou a pena de morte inútil e reclamou a proporcionalidade das penas aos delitos, assim como a separação do poder judiciário e do poder legislativo (BECCARIA, 1983).

[...] O fundamento do direito de punir reside no contrato social, ou seja, o homem devendo viver em sociedade, condição de sua existência, percebeu ser essencial que cada indivíduo sacrificasse parcela de sua liberdade ao domínio público, a fim de garantir sua segurança e tranquilidade à sociedade. Portanto, essa parcela de liberdade cedida ao domínio público é o que dá o direito de punir, porém deve ser proporcional e não tirânica. Afirmava que a pena deve intimidar e recuperar o delinquente, atingir mudanças subjetivas, do contrário os delitos se repetiriam (ibidem, p. 14).

O classicismo penal não se deteve na análise da pessoa do criminoso, porque nele não visualizou nenhuma anormalidade em relação aos demais homens. Ao contrário, partindo da premissa de que todos os homens, graças à sua racionalidade, são iguais perante a Lei e podem, por isto, atuar responsavelmente,

30 Na Idade Média se utilizava o corpo do condenado como objeto da pena, esta passagem pode ser

observada com detalhes no livro “Vigiar e Punir” de Foucault (1981) que apresenta a natureza política do poder de punir através do ritual público de dominação do terror. O objetivo da pena pública era mostrar para o restante da população o poder do soberano. Portanto, o processo medieval era inquisitorial e secreto, a partir de um interrogatório sob tortura para fazer o réu confessar o crime, porém, a execução da pena era pública, a fim de, por meio do medo, impor o controle à sociedade.

31 Jeremy Bentham (1748-1832), filósofo e jurista inglês também ganhou destaque na Escola

Clássica com a invenção do modelo do Panóptico (modelo de prisão). A orientação filosófica da obra citada de Beccaria apresentou duas dimensões críticas do antigo regime de justiça penal. Primeiro, ressaltou o obscurantismo das leis penais, a arbitrária e desigual aplicação das mesmas, as bárbaras penas e o processo penal inquisitivo, secreto e não garantidor da defesa do acusado. Segundo, permitiu a “formulação programática dos pressupostos do Direito Penal e Processual Penal no marco de uma concepção liberal do Estado e do Direito baseado nas teorias do contrato social, da divisão de poderes, da humanidade das penas e no princípio utilitarista da máxima felicidade para o maior número de pessoas”. (ANDRADE, 1997, p.49).

compreendendo o caráter benéfico do consenso implícito no contrato social, criminoso será quem, na posse do livre-arbítrio, viola livre e conscientemente a norma penal. A única diferença entre o criminoso e o que respeita a Lei é a diferença do fato (ANDRADE, 1997).

Andrade (ibidem, p.47) caracteriza a Escola Clássica a partir de sua unidade ideológica e metodológica, pelas suas promessas e postulados, bem como pela consideração do fato-crime no centro do classicismo. A unidade ideológica decorreu do empreendimento de uma vigorosa racionalização do poder punitivo contratualmente fundado, em nome da necessidade de garantir o indivíduo contra toda a intervenção estatal arbitrária. “Daí por que a denominação de “garantismo” seja talvez a que melhor espelhe o seu projeto racionalizador”. Por sua vez, a unidade metodológica projetou a concepção racionalista32 de Ciência para o campo penal, orientada por uma concepção mecanicista do universo e pelo método racionalista, lógico-abstrato ou dedutivo de revelação de seu próprio objeto, a saber, a origem natural e predeterminada do Direito Penal. O fundamento de punir encontrou sua legitimidade em uma realidade preexistente, não como produto histórico, mas como em Beccaria, no contrato social, e em Carrara, na lei divina. “Dá-se a ligação entre teoria penal e sistema racional, sendo o Direito Penal concebido como um sistema dogmático, baseado sobre conceitos essencialmente racionalistas” (ANDRADE, 1997, p.48). A promessa efetuada de segurança jurídica, instaurou um regime estrito de legalidade (penal e processual penal) que buscava evitar toda a incerteza do poder punitivo e ao mesmo tempo em que promovesse a sua humanização e instrumentalização utilitária. Os postulados fundamentais referiam-se à responsabilidade penal, fundamentada na responsabilidade moral originária no livre-arbítrio; ao crime, tido como ente jurídico pelo fato de consistir na violação de um direito; ao criminoso, referenciado como aquele que, em posse do livre-arbítrio, viola livre e consciente a norma penal; à pena, baseada nas funções retributiva e utilitária, ou seja, como um justo e proporcional castigo da sociedade sobre o culpado por merecimento e preventiva pelo impedimento do aumento de crimes.

32 Segundo esta concepção científica, a visão de mundo é tida como um sistema ordenado regido

por leis universais e necessárias, que o homem é capaz de compreender. A Ciência é concebida, assim, como a adequação da razão subjetiva do homem à razão objetiva do universo. (BOBBIO, 1980 apud ANDRADE, 1997).

A partir da década de setenta do século XIX o programa da Escola Clássica de combate à criminalidade encontrava-se em crise, sendo acusado de não ter cumprido suas promessas e apenas ter diminuído as penas, sendo assim, os fatores históricos e teóricos da época propiciaram o surgimento da Escola Positiva na Itália, quando as funções do Estado caminhavam para o intervencionismo na ordem econômica e social (BISSOLI FILHO, 1997).