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I. 1.3 – O núcleo colonial de Registro

I.2. A escolarização da comunidade nipo-brasileira de Registro: diferentes experiências

I.2.2. As experiências escolares do núcleo colonial de Registro

I. 2.2.3. A escola confessional anglicana

A comunidade japonesa de Manga Larga se localizava no Bairro 4 (Youbu) ou Taquaruçu. A maioria de seus moradores era originária da província de Nagano e chegaram naquela localidade entre 1918 e 1919.

Segundo Kawano (2008), entre os primeiros colonos da localidade, somente o Sr. Kikuzo Ito era cristão, tendo sido batizado em uma Igreja Anglicana pouco antes de vir para o Brasil. Seu irmão Yasoji Ito já havia se convertido ao anglicanismo em 1910, após ter sobrevivido a um naufrágio provocado por um forte tufão. Em 1911, Yasoji entrou para o Seminário Anglicano da cidade de Osaka e após muitos estudos teológicos e trabalhos missionários no Japão decidiu realizar missão evangelizadora no Brasil ao

saber que muitos imigrantes japoneses enfrentavam dificuldades materiais e espirituais na nova terra.

Yasoji Ito chegou ao Brasil em 1923. Seu irmão Kikuzo Ito havia se estabelecido no núcleo colonial de Registro, em 1919, no bairro de Manga Larga, com sua esposa e irmão mais novo. Kikuzo morreu em 1921, mas o irmão Shozo permaneceu na comunidade casando-se com a cunhada.

Yasoji Ito estabeleceu-se como missionário na cidade de São Paulo, mas tendo como referência os irmãos, iniciou seu trabalho evangelizador em Manga Larga, fazendo freqüentes visitas àquela comunidade, a partir de 1923. Ao longo dos anos o missionário japonês foi convertendo algumas famílias. Em 1927, a família Ikegami doou um terreno para a construção de uma Igreja Anglicana. A família havia se convertido àquela religião após a cura inesperada da Sra. Assayo Ikegami que estava desenganada pelo médico da colônia. Durante a doença, a enferma contou com o apoio espiritual do reverendo Ito, sempre orando e a confortando. Quando a sra. Assayo se restabeleceu, toda sua família, ela, o esposo e as filhas, aceitaram o anglicanismo e foram batizados pelo missionário Ito. Outras famílias amigas também se converteram e assumiram construir um Templo Anglicano no terreno doado pelos Ikegami.

Foto nº 22 – Igreja Anglicana de Todos os Santos, em Manga Larga, em 1933 – Fonte: AC20

A foto nº 22 retrata a Igreja Anglicana construída entre os anos de 1927 e 1929, pela comunidade japonesa de Manga Larga. Na frente da Igreja está o Reverendo Paulo Kyoshi Iço, o primeiro ministro anglicano a residir na comunidade. Nesta foto podem- se observar algumas características da arquitetura tradicional japonesa adaptada aos materiais locais. Segundo cartão postal produzido pelo IPHAN (2008a), o templo

“apresenta grande riqueza de detalhes construtivos: estrutura independente em madeira encaixada, paredes de taipa de mão e pilares de tijolos maciços que a suspendem do chão. O acesso se dá pelo guenkan, onde eram retirados e deixados os sapatos. O telhado tem desenho irimoya33”.

O prédio religioso, hoje tombado como patrimônio histórico nacional, também foi utilizado para a educação escolar das crianças da comunidade. Segundo Kawano (2008):

33Guenkan: elemento da arquitetura japonesa, vestíbulo ou varanda de entrada onde são deixados os sapatos; telhado irimoya: cobertura de telhado típica oriental, com 4 águas formando um frontão

O templo era usado nos dias de semana para a educação bilíngüe das crianças, assim como era lá que se ensinavam os deveres escolares a todas elas. Assim, os pequenos e os jovens estavam literalmente todos os dias na igreja.

Em relação à alfabetização em japonês, quem ensinava os adolescentes era Kumajiro Ikegami, com material didático vindo do Japão. Antes das aulas de sábado, Ikegami reunia os jovens e crianças e dirigia a Oração Vespertina na igreja.

Uma pessoa muito importante para os japoneses e seus filhos foi Antonio Cupertino de Lara que chegou em 1932 para morar com sua família em Manga Larga e dar aulas de português. (Kawano, 2008, p.103-104)

Para o funcionamento da escola, os moradores da comunidade fabricaram carteiras utilizando técnica da marcenaria japonesa que se caracteriza pelo encaixe das peças de madeira, sem utilização de pregos. Essas carteiras, bem como o prédio, são um dos poucos documentos materiais das escolas japonesas da região.

Foto nº 23 – Carteiras escolares fabricadas pelos moradores do Bairro de Manga Larga utilizando técnicas da marcenaria japonesa. Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora. 2012

Não há registro preciso do início da escola na localidade, certamente depois da construção do templo, em 1929. Fazendo parte do Bairro 4, a comunidade podia contar com a ―escola compartilhada‖ daquele bairro, que havia sido criada em 1923, mas dada

a extensão desses bairros rurais, as distâncias não eram pequenas – entre a Igreja de Manga Larga e a escola do Bairro 4 havia cerca de quatro quilômetros de distância . O Sr. E. Na. (nissei, nascido em 1920), contou que antes do surgimento da escola particular da igreja não teve condições de estudar:

SO – O Sr. me disse que o pai do senhor era diferente, que ele não fazia questão que os filhos estudassem japonês?

E. Na. – Não, não fez questão, antes dizia que era muito longe para estudar japonês... Tinha um professor japonês, leigo também, e eu freqüentei um ano, em Taquaruçu... Daí surgiu... Foi criada a escola particular pertinho de casa, era um quilometro, mais ou menos, de casa, então... Mudamos para escola particular... Ali estudei português e japonês com o reverendo.

O Sr. E. Na. lembra-se muito pouco sobre o que aprendeu na escola particular

anglicana, não se recordou de ter aprendido conteúdos específicos do currículo japonês, falou apenas do ensino das duas línguas: português e japonês. Porém seu depoimento ilustra bem a afirmação de Suzuki (1995), de que os jun-nisseis e os primeiros nisseis foram os que mais sofreram com a falta de escolas para os imigrantes: as escolas eram poucas, distantes e a necessidade de ajudar os pais na lavoura os obrigavam logo a deixar a escola:

SO – Então, pelo que eu estudei (sobre as escolas japonesas), depois que fechou a escola particular (da Igreja Anglicana) os alunos foram transferidos para o Grupo Escolar do Taquaruçu. O Sr. não foi estudar lá?

E. Na. – Eu não fui, eu já era grande. Mas meu irmão mais novo foi, não é? Minha irmã Hideko não foi, já era grande. Hakushiro, p. ex., tem o diploma do... Como diz?

SO – Grupo escolar.

E. Na. – É, grupo escolar. Eu não tenho nem diploma, só classe dos analfabetos! (rindo).

O Sr. E.Na. também recordou-se que o Reverendo Paulo Iço, o primeiro ministro anglicano a residir na paróquia de Manga Larga entre 1928 e 1942, queria que estudasse para ingressar no seminário anglicano. Mas como o Sr. E. Na. era o filho mais velho, a sugestão não foi aceita por seu pai, pois precisava de sua ajuda no trabalho da lavoura.

Na verdade, mesmo sem concluir o curso primário, o Sr. E. Na. adquiriu os conhecimentos básicos que lhe permitiram superar as dificuldades enfrentadas por sua família nos primeiros anos da colonização. Depois que os irmãos pequenos cresceram, deixou a comunidade se dedicou ao pequeno comércio e mudou para o centro de Registro para garantir melhor estudos para os filhos. No Álbum do 50º Aniversário da Colônia Japonesa de Iguape, aparece como comerciante bem sucedido na cidade de Registro. Segundo sua filha, funcionária pública aposentada, o pai lê diariamente os jornais brasileiros.

O Sr. K.O. (nissei, nascido em 1929) e Sra. R. Na. (nissei, nascida em 1930), ambos da comunidade de Manga Larga não chegaram a estudar japonês na escola daquela comunidade, pois quando completaram a idade permitida para iniciar os estudos daquela Língua, a escola já tinha sido fechada. Lembram-se apenas que foram alfabetizados em português pelo professor brasileiro Antonio Cupertino de Lara. Depois foram transferidos para a Escola do Bairro 4 e contam que percorriam diariamente oito quilômetros de distância (quatro para ir e quatro para voltar) para frequentar a escola estadual. Faziam esse percurso à pé e descalços, pois esse era o costume de todos da comunidade na época.

No caso desses dois últimos entrevistados, as lembranças da escola primária estão muito ligadas à da escola dominical, a qual era presidida pelo Reverendo Paulo Kiyoshi Iço. A Sra. R. Na. lembra-se que o ministro anglicano estimulava as crianças a montarem pequenas peças teatrais encenando as passagens bíblicas. Segundo Kawano (2008), o Reverendo Iço, natural da província de Ibaragi, próxima de Tóquio, chegou ao Brasil como imigrante em janeiro de 1922 e atuou como professor de uma escola japonesa em Bilac, nas proximidades de Birigui, interior do Estado de São Paulo. Em 1924 o imigrante se converteu ao anglicanismo e voltou ao Japão para estudar no Seminário Central do Japão, onde concluiu sua formação religiosa quatro anos depois.

Embora Kawano (2008) afirme que o professor de japonês era o Sr. Kumajiro Ikegami, os Srs. E. Na. e K. O. se referem ao Reverendo Iço como se este último fosse o docente japonês. Sobre o professor de português, Antonio Cupertino de Lara, confirmou-se por meio de conversa informal com uma de suas netas, que o mesmo não tinha formação para o Magistério, mas que era ―professor por suficiência‖, havia sido aprovado em um exame para professores leigos realizado na cidade de Santos.

A partir dos depoimentos colhidos até o presente momento observa-se que a formação religiosa cristã foi muito mais forte nessa comunidade. Como foi visto anteriormente, muitos dos estudantes japoneses da escola católica eram batizados, mas não praticavam a religião. Entretanto os entrevistados da comunidade de Manga Larga até hoje freqüentam regularmente a Igreja Anglicana. Os cultos semanais ocorrem agora em um templo construído no centro de Registro, em 1953; porém anualmente a comunidade se reúne no antigo templo, para comemorar o aniversário da construção da antiga Igreja, hoje tombada como patrimônio histórico nacional.

Foto nº 24 - Igreja Anglicana de Manga Larga em 2009 – Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora