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1.3.4 Outras referências

1.3.4.1 Escola de Palo Alto (palo-altismo)

Em meados dos anos cinquenta, alguns teóricos de várias áreas de saber reflectem sobre uma nova teoria da comunicação, sem se fundarem nos modelos telegráficos que então vigoravam. Surge a Escola de Palo Alto (colégio invisível102), mais recentemente apelidada de “Nouvelle Communication”103.

Palo Alto é uma denominação genérica para designar um conjunto de investigadores que trabalhavam em conjunto em Palo Alto, na Califórnia, em torno da teoria da comunicação e das relações entre indivíduos. Nunca houve uma escola propriamente dita, mas unicamente um conjunto de pesquisadores que tinham afinidades comuns nos seus trabalhos: a terapia clínica e as teorias da comunicação interindividual. Entre estes investigadores, os mais conhecidos são Gregory Bateson (1904-1980), Don Jackson (1920-1968), Paul Watzlawick (1921- ), Virgínia Satir (1916-1988).

O iniciador deste trabalho, considerado o pai desta escola, é Gregory Bateson, que era antropólogo, zoólogo e etnólogo. Ele foi muito influenciado pelos matemáticos, que fundaram a “cibernética”, Norbert Wiener e John von Neumann (1903-1957), mas também por Ludwig von Bertalanffy. Foi a mistura de vários saberes que fez a força da Escola de Palo Alto e que trouxe uma nova visão à comunicação. Aliás, quando a teoria cibernética começa a desviar-se do seu intento inicial, os autores de Palo Alto tentam retomá-la e dar- lhe força para não se encaminhar para os domínios da engenharia.

Na base desta escola está a rejeição do modelo de Shannon & Weaver, considerado como inadequado às ciências sociais e um modelo de engenharia, unicamente aplicável ao domínio técnico. Assim, a pragmática psicossociológica dos teóricos de Palo Alto assenta na ideia de que qualquer acto de comunicação deverá ser encarado sob o ponto de vista do seu conteúdo e da relação entre os intervenientes no processo comunicativo, tendo cada indivíduo um papel preponderante a desenvolver, em função dos seus critérios sócio-

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Termo inventado por Derek John de Solla Price (1922-1983). A comunidade desta escola (colégio) era composta por investigadores, que não mantinham contacto físico, não se expondo colectivamente, daí o termo invisível. cf. PRICE, Derek de Solla – Little science, big science. Nova Iorque: Columbia University Press, 1963.

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culturais. Os intervenientes no processo comunicativo não são vistos, portanto, como elementos isolados de onde parte ou chega a mensagem, mas antes como facilitadores do fenómeno social na comunicação, o que, como Winkin104 refere, retoma o verdadeiro sentido da palavra comunicação - participação, comunhão, pôr em comum. Nesta interacção, a comunicação reforça-se e controla-se em permanência, em consequência da multiplicidade de canais em jogo.

A teoria desta escola baseia-se no axioma “é impossível não comunicar”105 para desenvolver uma teoria mais global. A comunicação está aliada ao comportamento dos indivíduos e, como não há “não-comportamentos”, a comunicação é permanente e integra múltiplos códigos de comportamento, em inter-relação.

Carol Wilder106 em entrevista a Paul Watzlawick questiona:

«Wilder: Le premier axiome d'une logique – “On ne peut pas ne pas communiquer”

- a une belle résonance esthétique et évoque les dimensions tacites de la communication; mais certains ont soutenu qu'il repoussait les limites de ce qui constitue la communication au-delà de tout champ d'application utile ou significatif. Watzlawick: Oui, c'est ce qui a été dit. En fait, cela se ramène généralement à la question suivante: “L'intentionalité est-elle une composante essentielle de la communication?” Si vous vous intéressez à l'échange d'information à un niveau que je qualifierai de, conscient, volontaire et délibéré, alors, effectivement, la réponse est

“oui”. Mais si vous adoptez notre point de vue et admettez que tout comportement en présence d'une autre personne est communication, alors il me semble que vous devez aller jusqu'à l'implication de l'axiome.

Wilder: Alors, je vais vous poser la question dans l'autre sens. Existe-t-il un comportement qui ne serait pas communicatif à vos yeux?

Watzlawick: Il est évident que s'il n'y a personne autour de vous, vous allez vous retrouver avec la vieille question: “L'arbre qui tombe dans la forêt fait-il du bruit s'il n'y a personne pour l’entendre?”».

Para esta escola, mesmo um comportamento que esteja direccionado para não comunicar, não é passível de deixar de comunicar, visto que, ao negar-se a comunicação, está-se precisamente a revelar essa indisponibilidade. Sapir, de modo semelhante, também esclarece que o agir individual reflecte um agir comunicacional, mesmo que este não seja evidente: «Toute structure culturelle et tout acte individuel de comportement social

104

cf. idem, ibidem, p. 26. 105

cf. WATZLAWICK, Paul; BEAVIN, Janet Helmick; JACKSON, Don – Une logique de la communication. Paris: Seuil, 1972. p. 46.

106

WILDER, Carol – From the internacional view - A conversation with Paul Watzlawick. Journal of Communication. Vol. XXVIII, nº 1, (1978), pp. 35-45. Cit. por WINKIN, Yves, op. cit., pp. 318, 319.

entraînent une communication implicite ou explicite»107. Reflecte-se aqui o assentimento democrático de Habermas108. O axioma desta escola verifica-se em qualquer situação. É o caso, por exemplo, quando se entra numa dependência bancária, manifestando não querer comunicar com as pessoas circundantes. No entanto, desse modo, já estamos a comunicar essa nossa intenção. A ideia desta escola é deveras radical comparativamente com as outras enunciadas. O humano sabe que não está só e que o mundo é povoado por semelhantes seus que estão em constante interacção. A presença e a ausência do outro, num mesmo lugar e ao mesmo tempo, ou o silêncio e a inacção, tidos como comportamentos, serão, segundo esta escola, um feito significativo, que comunica qualquer coisa, cujo sentido ajuda a compreender o significado das representações de uma expressão linguística, de um gesto ou de uma mímica. Com efeito, qualquer indivíduo vive num conjunto de regras, uma espécie de códigos de comportamentos, e utiliza-as obrigatoriamente na sua comunicação, quer seja emissor ou receptor. Dissociar uma mensagem verbal consciente do seu contexto (nível sonoro, tempo da palavra, proximidade do interlocutor, etc.) torna então totalmente inepta a comunicação verbal e a não verbal. A análise de apenas uma das suas componentes (um gesto ou uma palavra) não apresenta nenhum interesse, porque não permite reconstituir a significação do todo.

Houve, no entanto, um autor desta escola que não partilhou da ideia comum “é impossível não comunicar”. Trata-se de Ray Birdwhistell (1918-1994), que não emprega esta fórmula. Para ele, a comunicação deveria ser vista como um processo, onde cada interveniente se compromete e se empenha em participar. A comunicação, segundo ele, não passaria pela utilização de sons, gestos, etc., ou ainda pela ausência de qualquer uma destas acções. Tal como ele próprio refere:

«Un individu ne communique pas, il prend part à une communication ou il en devient un élément. Il peut bouger, faire du bruit..., mais il ne communique pas. En d'autres termes, il n'est pas l'auteur de la communication, il y participe. La communication en tant que système ne doit donc pas être conçue sur le modèle élémentaire de l'action et de la réaction, si complexe soit son énoncé. En tant que système, on doit la saisir au niveau d'un échange»109.

107

SAPIR, Edward – Linguistique. Paris: Éditions de Minuit, 1968. (Le Sens Commum). p. 92. 108

Sobre este assunto cf. infra, pp. 88 (§ 3), 89. 109

Ray Birdwhistell cit. por WATZLAWICK, Paul; BEAVIN, Janet Helmick; JACKSON, Don, op. cit., p. 68. Publicado originalmente em BIRDWHISTELL, Ray – Contribution of Linguistic-Kinesic Studies to the Understanding of Schizophrenia. In Auerback, Alfred – Schizophrenia: An Integrated Approach. Nova Iorque: Ronald Press, 1959. p. 104, [contribuição entre as pp. 99-123].

A comunicação deveria então assentar na participação, ou seja, deveria ver-se a comunicação como intervenção individual, de fora para dentro, existindo a comunicação e participando os indivíduos activamente nela, independentemente dos conteúdos latentes (inconsciente) ou manifestos (consciente) a que a “Espiral do silêncio” da cientista política Elisabeth Noëlle-Neumann (1916- ) se refere, reforçando os princípios da psicanálise. A análise desta participação é de ordem contextual, tomando em conta a percepção da própria opinião do indivíduo. A ideia é que ele procure evitar o isolamento. Alguns irão calar-se, enquanto outros exprimir-se-ão. Se adicionarmos a tudo isto a pressão dos media, observamos que uma grande quantidade de pessoas não exprimem a sua verdadeira opinião. Interessa verificar, não os elementos da comunicação individualmente e por si só, mas, sim, analisá-los em interacção, para compreender que são estes elementos que permitem formular o contexto em que o indivíduo se encontra inserido e que, como factores externos, influenciam decisivamente as suas atitudes. Um gesto ou uma imagem não são vistos isoladamente, mas sim em grupo e, deste modo, a comunicação está, não na troca do seu conteúdo, mas sim no sistema que viabilizou a troca. A troca deixa então de ser uma transferência de informação, como nos modelos telegráficos, para passar a centrar- se na relação social e simbólica.

A Escola de Palo Alto, despertando os aspectos psicológicos da comunicação, complementa a teoria funcionalista. Com efeito, Palo Alto elabora uma teoria sobre a liberdade e a autonomia, baseada nas orientações que os funcionalistas criaram em torno do humano, como um ser livre e autónomo.