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PARTE I – REFLEXÕES SOBRE O JÁ DITO

Capítulo 2 – Cooperação e Educação

2.3 Escola e educação popular

Ao falarmos de economia solidária nos detemos na importância de uma educação solidária e nos remetemos à educação popular. Achamos importante antes de discutir a educação popular, analisar rapidamente a escola, instituição por excelência responsável pela educação.

De acordo com Ariès (1981), foi com o surgimento da instituição escolar que a infância se prolongou e se firmou o conceito moderno de criança. A escola seria uma passagem do mundo infantil para o mundo adulto. Miranda (1984) afirma que a escola funciona como mecanismo de reprodução das classes sociais. A escola não é neutra. A

escola e o saber, por ela transmitido, constituem partes de um todo social definido, e esse todo influencia a maneira como a escola trata os seus alunos. A escola procura transmitir idéias do todo social, e ao mesmo tempo em que fala sobre a sociedade é influenciada por ela.

Aqui nos interessa especificamente a escola pública, já que o Projeto de Animação Cultural (PAC), o qual analisaremos, acontece dentro de uma escola municipal. Beisiegel (1992), através de um estudo partindo das teorias de Paulo Freire, vai caracterizar a educação escolar pública brasileira com os seguintes problemas: “(...) a ‘superposição da escola à realidade’; a orientação excessivamente centralizadora das instituições escolares; o rígido autoritarismo vigente; e o caráter ‘assistencialista’ das atividades” (p. 95).

A não aplicação do conhecimento transmitido pela escola à realidade vivida pelos alunos é vista como uma maneira antipedagógica, na qual os estudantes são levados a memorizar fatos e não a aprender. A excessiva centralização das instituições escolares37 é vista como uma outra forma de distanciar o conhecimento do aluno. Dentro da sala de aula a autoridade do professor muitas vezes é confundida com autoritarismo. O ‘assistencialismo’ ainda é muito presente e alimenta uma relação na qual os estudantes são passivos e meros receptores de conhecimento.

Não faremos aqui uma análise detalhada a respeito do sistema educacional público brasileiro, mas os pontos expostos conseguem, de certa forma, resumir a situação da escola pública no Brasil. Por esses aspectos, podemos considerar que, em sua maioria, a educação formal escolar pública é individualizante e avessa às práticas cooperativas.

Nesse caso a educação escolar é vista como algo unilateral incompatível com a

37 Hoje a própria administração escolar está mais descentralizada, tendo inclusive eleição direta para

cooperação. Vários autores da educação popular38 colocam a educação tradicional escolar como a educação burguesa, por sua natureza antipopular e que tem como características ser elitista, discriminadora, autoritária, repressiva, burocrática, positivista, falsamente apolítica, individualista e competitiva.

Assim o alternativo na educação sempre foi muito mais vigoroso fora dos espaços de educação formal, porém há confiança na possibilidade de construção da escola pública com parâmetros populares. Essa é uma luta dos movimentos sociais e de governos democráticos e populares (Paludo, 2001).

Dessa maneira, a escola não exclui a possibilidade de prática e socialização do valor cooperativo. Há autores que defendem que as práticas de educação popular devem estar presentes na escola. “(...) parece ,hoje, ser consenso a necessidade da intervenção dos educadores populares no âmbito da educação escolar” (Souza, 1998:22).

A aquisição de habilidades básicas para exercer a vida adulta, o que seria a função básica da escola, nesse sentido, deixa de ser individualizante e competitiva passando a ter um forte caráter cooperativo. Ao considerar a dialogicidade, diferentes pontos de vista são expostos e há um esforço para se chegar a um entendimento. “O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu” (Freire, 2002.b;1987:78). Assim, ao diálogo importa o valor cooperativo, isso na medida em que estimula a construção coletiva.

Uma importante contribuição para os estudos sobre a socialização cooperativa na escola é a análise feita da relação aluno-aluno, que seria uma relação de autonomia e cooperativa no sentido que Duveen (1997) dá a essa palavra e que já discutimos. Coll e Collomina (1996) destacam que normalmente os estudos de socialização na escola se baseiam na relação professor-aluno, já que o professor seria o agente educativo e o aluno o destinatário. Os autores desejam ressaltar que os próprios alunos podem servir

como mediadores, em determinadas circunstâncias, e assim ter uma grande influência educativa sob os seus colegas39.

Assim ao enfatizar o caráter dialógico da prática educativa e reforçar a idéia de que a cooperação educador-educando e entre educandos é necessária para a aprendizagem, a escola colabora com a socialização do valor cooperativo. Para a socialização do valor cooperativo é necessário que na escola exista um espaço de debate, que seja estimulada a reflexão sobre si mesmo, sobre os outros e sobre as circunstâncias, e que seja facilitada a introjeção do sentimento de responsabilidade e de busca de participação na construção da vida coletiva. Assim, a educação formal pode e deve estimular práticas cooperativas.

A relação de reciprocidade entre sujeitos diferentes (que assumem juntos o desafio de enfrentar os grandes problemas sociais decorrentes de estruturas econômico- políticas injustas) é também o que constitui essencialmente a proposta de educação popular tal como teorizada por Paulo Freire (Fleuri, 1998).

A educação popular, para nós, é o espaço privilegiado de estímulo à cooperação. A educação popular pode e, em nossa concepção, deve englobar a educação escolar. Então, é possível fazer educação popular nos espaços escolares e é possível fazer educação anti-popular em espaços alternativos. O que caracteriza a educação popular não é o espaço onde ela é desenvolvida, mas sim as suas intenções de superação da realidade de dominação e exploração.

O conceito de educação popular está muito ligado ao seu objetivo político explícito de transformação social, então o educador popular está muito próximo a um militante. A educação popular estabelece relações horizontais, centra-se na realidade

39 “As pesquisas realizadas mostram claramente que a relação entre alunos pode incidir de forma

decisiva sobre os aspectos tais como a aquisição de competências e destrezas sociais, o controle dos impulsos agressivos, o grau de adaptação às normas estabelecidas, a superação do egocentrismo, a relativização progressiva do ponto de vista próprio, o nível de aspiração, o rendimento escolar e o processo de socialização em geral” (Johnson, 1981b apud Coll e Collomina, 1996: 300).

histórica concreta, investe na formação de um novo homem.

Os conteúdos da educação popular consideram o saber acumulado por cada sujeito da ação educativa e o que foi historicamente produzido pelo homem, numa visão dialética e de forma contextualizada. A metodologia pretende ser democrática, participativa e que possibilite a reflexão, a problematização, a investigação e o questionamento.

Dessa maneira o “popular” do conceito educação popular, não tem o sentido de uma educação “para” o povo, nem simplesmente “do” povo, mas sim uma construção “com” o povo de práticas que o libertem. A educação libertadora surge com uma lógica de contestação do regime capitalista. Os movimentos “da libertação” surgiram mais ou menos no mesmo tempo, na América Latina, também como resposta aos regimes militares. A teologia da libertação foi o movimento mais conhecido. Paulo Freire foi influenciado por esse contexto e chama a sua pedagogia de “pedagogia da libertação”.

Segundo Paludo (2001), a concepção de educação popular nos anos 90 parece ganhar novas dimensões que a tornam mais fecunda. Esses processos de construção cotidiana de alternativas já traduzem propostas e projetos políticos mais amplos, como o da economia popular solidária, o qual discutimos na seção anterior, o dos projetos locais e regionais alternativos de desenvolvimento e o de um outro projeto de desenvolvimento para o Brasil.

“Admite-se e deseja-se, nestes novos tempos, que esta concepção de educação popular não seja adequada exclusivamente para os espaços não-formais de educação. Aposta-se na sua capacidade de disputa na rede oficial de ensino, embora se admita que sua ressignificação e fecundidade sejam maiores nos espaços não-formais, visto que muito mais liberta das amarras que prendem os espaços formais e porque exercida por indivíduos que possuem por ela uma opção clara, o que não significa estar, como tudo na vida, isenta de contradições” (Paludo, 2001: 206).

Assim a educação popular tem uma preocupação clara com a transformação social, já a educação não-formal, não necessariamente. O conceito de educação não-

formal, será melhor discutido na próxima seção.

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