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Participação em práticas cooperativas: o exemplo da economia

PARTE I – REFLEXÕES SOBRE O JÁ DITO

Capítulo 2 – Cooperação e Educação

2.2 Participação em práticas cooperativas: o exemplo da economia

Solidária

Atualmente vários estudos sociológicos destacam o importante ressurgimento da sociedade civil. Fenômenos como os novos movimentos sociais, as organizações não governamentais (ONGs), os estudos sobre redes sociais e as práticas de economia solidária, que aqui nos deteremos, são exemplos da efervescência do interesse sobre temas relacionados ao que consideramos práticas cooperativas.

Entendemos que a cooperação é imprescindível na formação e manutenção de grupos sociais, o fazer junto é algo que está presente nos grupos. Porém, nem sempre o fazer junto implica na presença de um valor cooperativo, da solidariedade. O valor cooperativo pressupõe um comprometimento com o outro de forma responsável. O valor cooperativo procura promover o bem-viver de todos e ir de encontro às práticas individualistas, competitivas e exploradoras do atual sistema capitalista. É assim, que nem toda a prática que se diz “cooperativa” ou “solidária”, realmente o é, às vezes sob uma fachada de “solidariedade” ou “responsabilidade social”, existe o reforço das formas de opressão do sistema capitalista.

As práticas cooperativas pressupõem a participação coletiva. A participação é construída e estimulada no decorrer do processo específico de socialização. Assim, as motivações para o engajamento nas causas coletivas são extremamente variadas, visto que cada indivíduo interage de maneira diferenciada com o seu meio social34, são estas formas diferentes de interação que caracterizam a autonomia e a criatividade individual para participar ou não.

Nas comunidades, sociedades simples, a participação muitas vezes é compulsória, é pré-reflexiva. Já nas sociedades, ou sociedades complexas, a

34 O meio social é entendido não só como estrutura social, mas também como a conjunção das relações

participação se dá de modo voluntário, exigindo uma alta reflexividade. O conceito de comunidade vai além do de sociedade simples, na linguagem do senso-comum, pode ser identificada com comunidades pobres, ou favelas. Comunidade pode, também, significar pequenos grupos de identificação, no interior de uma sociedade complexa.

Na atual sociedade, a participação produz a identificação do indivíduo com comunidades diversas. A total identificação com uma comunidade é algo negativo, sobretudo quando o indivíduo está tentando descobrir e criar sua própria identidade. A total identificação pode frustrar o desenvolvimento de uma identidade própria, e também pode sufocar inteiramente o indivíduo (Lucas, 1985).

A liberdade dos indivíduos de participarem ou não em grupos ou comunidades que fomentem as práticas cooperativas não se resume a essas questões políticas de poder se identificar com quaisquer grupos. A liberdade está relacionada primeiramente a uma condição material. As pessoas precisam de uma condição econômica mínima para ser livre de escolher participar. Além desse fator material existe a necessidade de acesso das informações, para assim ter clareza das várias possibilidades e suas conseqüências e assim fazer a sua opção. Por fim a liberdade na participação deve respeitar os outros, ou seja, ser ética35.

É acatando esse princípio de liberdade de participação - que considera o aspecto material, político, informacional e ético - que a economia solidária pretende assegurar o bem-viver de todos, através da produção e do consumo solidários, gerindo responsavelmente os recursos naturais e compartilhando as riquezas produzidas socialmente, de modo justo e ecologicamente sustentável. A economia solidária atende a demandas imediatas de consumo e de trabalho e enfrenta estruturas de exclusão econômicas, assim é uma nova forma de produzir e consumir, respeitando a natureza e princípios éticos solidários (Mance, 2000).

Escolhemos a economia solidária como exemplo de prática cooperativa por possuir uma lógica fundada no valor cooperativo. A economia solidária possui uma utopia de transformação social e é uma estratégia que permite uma nova sociedade por meior de práticas econômicas justas. Outro motivo para escolha da economia solidária é que ela tem uma proposta pedagógica que vê a necessidade de socializar o valor cooperativo. A economia solidária ao propor uma nova forma de organização social, requer uma nova mentalidade. Assim, as práticas da economia solidária requerem uma consciência contestadora da ordem vigente e uma sensibilidade (afetos, desejos e vontades) solidária. A sua proposta pedagógica está atenta para isso ao privilegiar a vivência de experiências humanas solidárias, na qual o indivíduo se sente respeitado e acolhido.

As práticas de economia solidária são extremamente variadas. Poderíamos aqui citar alguns exemplos: grupos de produção comunitária, cooperativas e associações de produção; sistemas locais de intercâmbio e sistemas com moedas sociais; autogestão de empresas pelos trabalhadores; comércio solidário e comércio justo internacional; consumo crítico e solidário e grupos de aquisição solidária; financiamento solidário; difusão de softwares livres e tecnologias livres e sustentáveis36.

Os empreendimentos solidários, por sua lógica de ampliar as suas ações solidárias e até mesmo para sua sobrevivência, organizam-se em redes. Uma rede solidária integra grupos de consumidores, de produtores e de prestadores de serviço em uma mesma organização. Todos se propõem a praticar o consumo solidário, isto é, comprar produtos e serviços da própria rede para garantir trabalho e renda aos seus membros. Por outro lado, uma parte do excedente obtido pelos produtores e prestadores de serviço com a venda na rede é reinvestida na própria rede para gerar mais cooperativas, grupos de produção e microempresas, a fim de criar novos postos de

trabalho e aumentar a oferta solidária de produtos e serviços (Mance, 2000)

Por pregar uma nova lógica de relações sociais, uma nova ética é que insistimos no seu papel educativo. A educação solidária não é mera transmissora de conhecimentos indispensáveis ao trabalho criativo ou agenciadora de disposições afetivas para atividades de colaboração. A educação é aqui compreendida como uma das condições necessárias ao exercício da liberdade humana, permitindo não apenas a produção e interpretação de informações e a participação ativa em processos comunicativos, mas a própria autonomia das pessoas e das coletividades, mediadas por inúmeras relações sociais (Mance,2003).

A educação solidária se identifica com uma educação popular. O objetivo das ações educativas populares junto às massas sociais é contribuir para que elas superem a condição de segmento manipulado pela elite dominante e se transformem em povo, atuando coletivamente em organizações populares como agentes transformadores de sua própria condição econômica, política, social e cultural (Mance, 2003). É neste sentido que a próxima seção deste trabalho esta dedicada à escola e à educação popular.

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