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3 ELEMENTOS IMPLICADOS NA PESQUISA: FUNDAMENTOS TEÓRICO E

3.2 ESCOLA: ESPAÇO SÓCIO CULTURAL IMERSO EM TRAMAS DE

Analisar a escola como espaço sociocultural significa compreendê-la na visão da cultura, sob um olhar mais rígido, que contempla a dimensão do espaço escolar, do fazer cotidiano, levando em conta os sujeitos que estão inseridos nela, sujeitos sociais e históricos, presentes na história, atores na história. Falar da escola como espaço sociocultural implica, assim, resgatar o papel dos sujeitos na trama social que a constitui, enquanto instituição (DAYRELL, 1996).

É nosso entendimento que a escola, como espaço sociocultural, é espaço social próprio, ordenado em dupla dimensão: por um lado opera a partir de um conjunto de normas e regras, que buscam unificar e delimitar a ação dos seus sujeitos, e por outro, cotidianamente, funciona imersa por uma complexa trama de relações sociais entre os sujeitos envolvidos, que incluem alianças e conflitos, imposição de normas e estratégias individuais e/ou coletivas, de transgressão e de acordos. Processos de apropriação constante dos espaços, das normas, das práticas e dos saberes que dão forma à vida escolar desencadeiam-se, por meio de ações recíprocas entre sujeitos e instituição.

Nessa perspectiva, a realidade escolar aparece mediada no cotidiano. Desta forma, o processo educativo escolar recoloca a cada instante a reprodução do velho e a possibilidade da construção do novo. Esta abordagem permite ampliar a análise educacional, na medida em que busca apreender os processos reais, cotidianos, que ocorrem no interior da escola, ao mesmo tempo que resgata o papel ativo dos sujeitos, na vida social e escolar.

À escola, tomada pela sociedade como instituição única, com seus significados, sentidos e objetivos, tem como função garantir o acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente acumulados pela sociedade, a todos aqueles que dela fazem parte. Tais conhecimentos, porém, são reduzidos a produtos, resultados e conclusões, sem se levar em conta o valor determinante dos processos. Materializado nos programas e livros didáticos, o conhecimento escolar se torna "objeto", "coisa" a ser transmitida. Ensinar se torna transmitir esse conhecimento acumulado e aprender se torna assimilá-

lo. Sendo os objetivos centrados nos resultados da aprendizagem, o que é valorizado são as provas e as notas e a finalidade da escola se reduz ao "passar de ano". Dessa forma, os processos de ensino e de aprendizagem ocorrem numa homogeneidade de ritmos, estratégias e propostas educativas para todos, independentemente da origem social, da idade, e de suas experiências vivenciadas.

Explica-se assim, a forma como a escola organiza seus tempos, espaços e ritmos bem como o seu fracasso. Não podemos esquecer de que os alunos chegam à escola marcados pela diversidade, reflexo de desenvolvimentos cognitivo, afetivo e social, evidentemente desiguais, em virtude da quantidade e qualidade de suas experiências e relações sociais. Muitas vezes, o tratamento uniforme dado pela escola só vem consagrar a desigualdade e as injustiças das origens e condições sociais dos alunos, principalmente quando a escola não compreende essa heterogeneidade como elemento potencialmente capaz de contribuir, no sentido de qualificar as atividades de ensino e de estudo, pela diversidade de experiências e ideias dos sujeitos.

Para Leontiev (1978), nenhum indivíduo nasce homem, mas constitui-se e se produz como tal. Dentro do projeto de humanidade do seu grupo social, num processo contínuo de passagem da natureza para cultura, cada indivíduo, ao nascer, vai sendo construído humano, mais ou menos desenvolvido. Ao mesmo tempo existe outro nível, o das interações dos indivíduos na vida social cotidiana, com suas próprias estruturas, com suas características próprias.

É o nível do grupo social, onde os indivíduos se identificam pelas formas próprias de vivenciar e interpretar as relações e contradições, entre si e com a sociedade, o que produz uma cultura própria. Percebemos, assim, que são nestes contextos interativos que os sujeitos se apropriam dos significados que se lhes são transmitidos e os reelaboram, sob as condições dadas, formando, assim, sua consciência individual e coletiva.

A educação, portanto, ocorre nos diferentes espaços e situações sociais, num complexo de experiências, relações e atividades, cujos limites estão fixados pela estrutura material e simbólica da sociedade, em determinado momento histórico. Nesse campo educativo amplo, estão incluídas as instituições (família, escola, igreja, ...), assim como também o cotidiano. Portanto, os alunos que chegam à escola são sujeitos socioculturais, com um saber, uma cultura, e também com um projeto, mais amplo ou mais restrito, mais ou menos consciente, mas sempre existente, fruto das experiências vivenciadas dentro do campo de possibilidades de cada um. A escola é parte do projeto dos alunos (DAYRELL, 1996).

Essas questões, do nosso ponto de vista, devem ser tomadas como elementos a serem considerados nos processos educativos. De modo a contribuir para o desenvolvimento de posturas e instrumentos metodológicos que possibilitem o

aprimoramento do olhar do professor sobre o aluno, como "outro", de tal forma que, conhecendo as dimensões e diferenças culturais, possam resgatá-las e mais bem compreendê-las. Implica buscar uma compreensão totalizadora desse sujeito.

No embate dessas questões emergem entre nós questionamentos que a muito tempo tem nos inquietando: O que é uma sala de aula? Na condição de educadoras, com alguns anos de atuação junto a estudantes da educação básica, podemos inferir que, no contexto de salas de aula, observam-se alunos interessados e comprometidos e alunos com pouco interesse pelo estudo. Quanto aos professores, alguns mais envolvidos que outros, mais criativos e dinâmicos, outros tediosos, desanimados e sem estímulo. Embora perfis diferentes de professores, atividades de ensino e de estudo terminam sendo muito parecidas: ensinar a matéria, e “dar conta do conteúdo”.

Apoiadas em ideias de Smolka (2009) pensamos que, por trás desta aparente obviedade, existe uma dinâmica e complexa rede de relações entre os alunos e professores, num processo contínuo de acordos, conflitos, construção de imagens e estereótipos, num conjunto de negociações, onde os próprios, alunos e professores, parecem não ter a consciência da sua dimensão. Para Smolka (2009) infelizmente essa rede aparece como relações naturalizadas, óbvias, de qualquer sala de aula. No nosso entendimento, esse fato pode estar relacionado com a não apropriação, por parte de professores, equipes diretivas e alunos, do significado social da escola e da não compreensão da importância dos conhecimentos científicos que nela circulam no desenvolvimento cognitivo dos sujeitos que frequentam a escola.

Outras questões que chamam a atenção se refere ao cotidiano das aulas e à relação com o conhecimento. No dia a dia das relações entre professor e alunos, parece existir dois mundos distintos: o do professor, com sua matéria, seu discurso, sua imagem e o dos alunos, com sua dinâmica própria. Os dois mundos às vezes se tocam, se cruzam, mas na maioria das vezes, permanecem separados. O conhecimento é aquele consagrado nos programas e materializado nos livros didáticos. O conhecimento escolar se reduz a um conjunto de informações já construídas. É um processo de construção de significados, mediado por sua percepção sobre a escola, o professor e sua atuação, por suas expectativas, pelos conhecimentos prévios que já possui. A aprendizagem implica, assim, estabelecer um diálogo entre o conhecimento a ser ensinado e a cultura de origem do aluno. Defendemos a ideia de que a escola pode e deve ser um espaço de

formação plena do aluno, um processo que tem potencial para redirecionar e aprofundar o processo de humanização de todos aqueles que frequentam a escola.

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