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O aluno surdo aprendendo uma LE na escola inclusiva

2.2 A escola inclusiva no Brasil

A educação hoje é reconhecida como direito de todos e como condição primordial para o pleno desenvolvimento da criança. Como é um direito de todos, também é direito dos surdos.

Embora já se discutisse um modelo menos restritivo de escola desde a década de sessenta, até o final da década de setenta, o ensino do aluno surdo e demais alunos que apresentavam problemas de aprendizagem seguia um sistema de ensino diferente das escolas regulares e acontecia em um ambiente separado representado por instituições públicas45, como o INES46(só pra surdos), e privadas47 como o Instituto Pestalozzi e APAE48. Os responsáveis pela educação dessas pessoas acreditavam que as condições de aprendizagem seriam melhores se estivessem em um lugar apropriado para eles e junto aos alunos que tivessem problemas, estabelecendo, assim, uma classificação curiosa: por não serem ‘iguais’ aos demais, deveriam ser agrupados separadamente. Mas se por um lado foram agrupados como ‘desiguais’, por outro foram vistos e tratados como iguais, e as diferenças impostas pelas condições adversas que cada aluno trazia consigo foram negligenciadas.

Em seguida, com uma proposta mais democrática e compatível com o modelo idealizado já na década de sessenta e que também estava sendo difundido em outros países, se decidiu pela transferência do surdo e dos outros alunos para a escola regular, visando uma inserção social, que defendia a oferta das mesmas oportunidades para todos os alunos, contanto que eles conseguissem se adaptar às exigências da escola. Foram criadas classes

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Aquela que é oficial, mantida e controlada pela União, estados e municípios, gratuita, isto é, custeada pelos impostos.( Jannuzzi,1995a apud KASSAR,1998)

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INES: Instituto Nacional de Educação de Surdos. Foi criado sob a denominação de Instituto Imperial dos Surdos-Mudos* e foi a primeira instituição criada para a educação de surdos. SOARES (1999), baseada em RIBEIRO (1986), data a criação desse instituto em 1856 sob ordens de D. Pedro II. ( Para obter uma descrição mais detalhada sobre a fundação desse instituto sugerimos Soares (1999), “A educação do surdo no Brasil”. * Surdo-mudo, forma equivocada como muitas pessoas designam os sujeitos surdos, visto que a surdez, por si só, não implica mudez. Os surdos possuem a capacidade de falar.

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(Ou particular), é administrada por pessoa física e/ou jurídica, como associações religiosas, filantrópicas, comunitárias ou empresariais, podendo ser paga ou gratuita.(Jannuzzi,1995a , apud KASSAR,1998)

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APAE: Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais*. (*excepcional- termo utilizado nas décadas de 50, 60 e 70 para designar pessoas com deficiência mental).

especiais49 e a esse movimento deu-se o nome de Integração, que resultou na criação de um espaço separado para esses alunos dentro da escola regular.

Segundo TARTUCI (2001), reduziu-se a distância entre as crianças que passaram a estar no mesmo espaço do outro, mas não foram proporcionadas as mesmas possibilidades a todos os alunos. O aluno surdo tinha acesso à escola, mas continuou privado da aprendizagem uma vez que as atividades eram centradas na oralidade (PELUSO, 1996).

Nas décadas seguintes, algumas linhas de ações apoiadas em diferentes documentos como a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, a Conferência Mundial de Educação para Todos, de 1990 e a Declaração de Salamanca, de 1994, começaram a dar um novo rumo para a educação. No Brasil, com a abertura política nacional que fortalecia a idéia da valorização da identidade do indivíduo, principalmente no aspecto social, começou-se a questionar também essa valorização do indivíduo no âmbito escolar.

Várias ações políticas se concretizaram em forma de leis que delinearam um novo paradigma educacional que passou, então, a valorizar as diferenças de cada aluno propondo uma educação de qualidade, onde todos os alunos pudessem aprender juntos com o apoio necessário e com suas necessidades educacionais atendidas visando o seu êxito na escola e por conseguinte em todos os âmbitos da sociedade. A esse paradigma educacional deu-se o nome de Educação Inclusiva, que é parte de um movimento mais amplo, a Inclusão.

O Brasil, como signatário de vários documentos internacionais que defendem a inclusão, tem feito muito no âmbito governamental para assegurar ao surdo a sua inclusão na escola e em outras áreas. A política de cotas50 nas empresas, nos concursos e nas universidades é apenas uma demonstração do quem vem sendo feito pelos governantes na

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Classe especial:”sala de aula em escola de ensino regular, em espaço físico e modulação adequada. Nesse tipo de sala, o professor da educação especial utiliza métodos, técnicas, procedimentos didáticos e recursos pedagógicos especializados e, quando necessário, equipamentos e materiais didáticos específicos, conforme série/ciclo/etapa da educação básica, para que o aluno tenha acesso ao currículo da base nacional comum. Ela pode ser organizada para atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos cegos, de alunos surdos, de alunos que apresentam condutas típicas de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos e de alunos que apresentam casos graves de deficiência mental ou múltipla. Pode ser utilizada principalmente nas localidades onde não há oferta de escolas especiais; quando se detectar, nesses alunos, grande defasagem idade/série; quando faltarem, ao aluno, experiências escolares anteriores, dificultando o desenvolvimento do currículo em classe comum”. (Direito à Educação, 2004 p.343)

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tentativa de garantir às minorias e aos menos favorecidos social e economicamente as mesmas oportunidades no âmbito profissional e educacional.

A lei é uma garantia legítima que assegura uma conquista, embora muitas vezes constatemos uma enorme distância entre o que diz o texto da lei e a realidade na qual esta deveria se aplicar. E mais, sabemos que nem tudo pode ser resolvido através de leis.

A inclusão hoje é vista como algo democrático, e nas escolas, democracia significa acolher todos os alunos. Mas fazer inclusão social não pode significar somente incluir qualquer aluno, seja ele surdo, cego, com paralisia cerebral ou outra característica singular, na escola regular, mas provê-lo de condições que assegurem a ele o direito à educação, e não somente o direito de ir para a escola.

Sob a perspectiva da inclusão, somos todos diferentes, e a deficiência não deve ser concebida como fraqueza ou falta de algo. Desta forma, torna-se imprescindível um planejamento educacional orientado para os pontos fortes da criança (GÓES, 1999), a capacitação dos professores, de todos os envolvidos no processo de ensino da criança e prover as escolas com recursos necessários para que possam receber, devidamente, e com dignidade aqueles alunos. Na realidade, ainda se observa a falta do cumprimento das leis.

A inclusão justa e verdadeira acontecerá quando as diferenças de cada indivíduo não forem esquecidas nem desconsideradas, mas respeitadas. Respeitar não é tratar como igual aquele que é diferente e que busca de forma diferenciada atender seus anseios. Segundo Tartuci (2001), o tratamento igual aos diferentes acaba por se constituir na pior forma de injustiça.

Por fim, a iniciativa de inserir o aluno surdo nas classes de ensino regular é justificada, por vezes, em termos de uma visão de integração, enquanto oferta de oportunidades educacionais uniformes e de tratamento do diferente como igual. Entretanto autores como SÁNCHEZ (1990) e FERREIRA-BRITO (1993) argumentam que essa solução é ilusória, e que são necessárias condições educacionais diferenciadas (GÓES, 1999). Ao surdo, não basta somente assegurar o seu acesso à escola e reconhecer a língua de sinais como sua língua. É preciso que haja uma ação que unifique o seu acesso à escola e, através da

língua de sinais, ele tenha também acesso à aprendizagem. E o acesso à língua não depende somente da escola.