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A Escola de Summerhill

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CAPÍTULO 2 A ESCOLA ENQUANTO ESPAÇO PARA A FORMAÇÃO CIDADÃ

2.2 A participação e a representação como referências na organização escolar

2.2.1 A Escola de Summerhill

Considerada como “a escola democrática mais famosa do mundo”15, a Escola de Summerhill é uma instituição privada com um custo relativamente alto16. Atende crianças inglesas e também de outros países. Chama atenção pelo modo com que os estudantes têm liberdade para fazer, geralmente, o que quiser, não há especificamente regras que determinem o que vestir, o que comer, se querem ou não ter aulas; no entanto, essa liberdade só deve prosseguir se não interferir ou invadir o espaço do outro. E ainda pelo modo como os problemas ou conflitos e ainda a criação e a revogação de normas que organizam e orientam a escola são decididas por todos da escola, especialmente os estudantes.

Fundada em 1921, a escola de Summerhill está situada na aldeia de Leiston em Suffock, na Inglaterra. Começou como escola experimental, que tinha como ideia

15 Expressão utilizada na reportagem da Revista Nova Escola (2011), intitulada “Conheça Summerhill,

a escola em que o aluno pode (quase) tudo”.

16 De acordo com reportagem da Revista Nova Escola (2011), os pais dos estudantes da Escola de

Summerhill pagam o equivalente a 10 mil reais por cada um dos três trimestres do ano letivo. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/1508/conheca-summerhill-a-escola-em-que-o- aluno-pode-quase-tudo. Acesso em: maio 2017.

principal fazer com que a escola se adaptasse às crianças e não que as crianças tivessem que se adaptar a ela, como na maioria das escolas pelo mundo. Segundo o fundador Neil (1976, p. 04), o objetivo era fazer uma escola na qual se daria às crianças a liberdade delas serem elas próprias; ele afirma: “Para isso tivemos que renunciar inteiramente à disciplina, à direção, à sugestão, ao treinamento moral e à instrução religiosa”.

Segundo relato de Neill (1976), na escola as crianças eram instaladas por grupos etários, com uma “mãe-da-casa” para cada grupo, os intermediários dormiam num edifício de pedra, os mais velhos dormiam em cabanas. Apenas dois alunos mais velhos tinham quartos particulares. Os rapazes ficavam em número de dois, três ou quatro em dormitórios; o mesmo acontecia com as meninas. Os quartos não eram inspecionados, ninguém recolhia o que eles deixavam fora do lugar. Tinham liberdade e ninguém lhes dizia o que vestir.

A ideia da liberdade da criança consistia na crença de que “a criança, de maneira inata, é sensata e realista. Se for entregue a si própria, sem sugestão adulta alguma, ela se desenvolverá tanto quanto for capaz de se desenvolver” (NEILL, 1976, p. 04). E as aulas dependiam da opção de comparecer ou não, o cumprimento do horário era apenas para os professores.

Sobre os movimentos democráticos na escola de Summerhill, o autor (1976) explica que tudo era decidido coletivamente na Assembleia Geral da Escola, onde cada aluno e cada membro da escola tinham um voto.

Em Summerhill todos têm direitos iguais. Ninguém tem licença para usar meu piano de cauda e eu não tenho licença para usar a bicicleta de um dos garotos sem a sua permissão. Na assembleia Geral da Escola o voto de uma criança de seis anos conta tanto quanto o meu (NEILL, 1976, p. 08).

Governada pelo princípio da autonomia, democrática em sua forma, tudo que se relacionasse com a sociedade, o grupo, a vida, inclusive as punições pelas transgressões sociais, eram resolvidas por votação nas Assembleias Gerais da Escola, em todas as noites de sábado, antes dos bailes. A autonomia da escola não esbarrava na burocracia, em cada reunião da assembleia havia um presidente que era nomeado pelo presidente anterior, o trabalho de secretariado ficava a cargo de um voluntário (a) e a tarefa de fiscalizar a hora de recolher não demorava mais do que algumas semanas entre as crianças. O sucesso das reuniões ficava a depender muito do presidente, da sua energia ou da sua fragilidade em colocar ordem em tantas

crianças. No entanto, existiam questões da vida escolar que não estavam sob o regime da autonomia das crianças, como por exemplo, a organização dos dormitórios, dos cardápios, finanças e contratação de professores; essas tarefas eram de responsabilidade dos fundadores da escola (NEILL, 1976).

Sobre a função da autonomia de Summerhill, o autor (1976, p. 43) afirma que ela não servia apenas para as leis, mas também para discutir os fatos sociais da comunidade:

Ao início de cada novo período escolar são feitas as regras relativas à hora de recolher ao leito, através de votação. Vai-se para cama conforme idade de cada um. Depois, vêm as questões de comportamento geral. São eleitas as comissões de esporte, as do baile – essas duram até o fim do período – as de teatro, nomeiam-se os fiscais do horário de recolher, e os do centro da cidade, isto é, os que fazem o relatório de possível comportamento vergonhoso dos alunos fora dos limites da escola.

As assembleias eram orientadas da seguinte forma: no início de cada período, um presidente era eleito apenas para uma assembleia. Quando esta terminava, ele nomeava seu sucessor e assim continuava até o final do período. Em Summerhill não havia hostilidade ou atitude desafiadora por parte de algum aluno que foi punido pela assembleia por cometer infração. Neill (1976, p. 46) explica:

Essa lealdade dos alunos de Summerhill para com a sua própria democracia é espantosa. Não há nela nem medo nem ressentimento. Vi um rapaz passar por um longo julgamento, referente a certo ato anti-social, e vi quando foi sentenciado. Muitas vezes, o que foi sentenciado é eleito presidente para a próxima assembleia. O senso de justiça que as crianças possuem nunca deixa de me maravilhar. E sua capacidade administrativa é grande. Como educação, a autonomia tem grande valor.

Dessa forma, o autor revela que a autonomia construída nos espaços de Summerhill favorecem o desenvolvimento do estudante de forma tal que embora ainda não tenham adquirido os conhecimentos formais (currículo) eles são capazes de desenvolver atividades e discursos com bastante desenvoltura:

O benefício educacional que a prática cívica fornece não pode ser mais louvado do que merece. Em Summerhill, os alunos lutariam até a morte pelo seu direito de ter governo autônomo. Na minha opinião, a Assembleia Geral da Escola, feita semanalmente, tem mais valor do que toda uma semana de currículo sobre assuntos escolares. É excelente teatro para fazer prática de oratória, e a maior parte das crianças fala bem, e sem constrangimento. Muitas vezes ouvi discursos bastante sensatos, proferidos por crianças que não sabiam ler nem escrever (NEILL, 1976, p. 50).

Embora a Escola de Summerhill tenha sido criada há muitos anos, ela apresenta uma concepção e uma prática de educação que ainda hoje nos parecem

revolucionárias e bastante desafiadoras. Estamos no séc. XXI e as escolas, de um modo geral, se caracterizam como instituições disciplinadoras e autoritárias, presas a um currículo descontextualizado, com espaços reduzidos e por vezes não autorizados à presença dos estudantes, salas de aulas com fileiras de carteiras, horários rígidos de entrada e saída ou de início e término de aula, provas como instrumentos de tortura e poder, ensino por meio exclusivo dos livros, castigos e prêmios etc. Sobre esse tipo de educação, Neill (1976) afirma:

Toda outorga de prêmios, e notas e exames, desvia o desenvolvimento adequado da personalidade. Só os pedantes declaram que o aprendizado livresco é educação. Os livros são o material menos importante na escola. Tudo quanto a criança precisa aprender é ler, escrever, contar. O resto deveria compor-se de ferramentas, argila, esporte, teatro, pintura e liberdade. A maior parte do trabalho escolar que os adolescentes fazem é, simplesmente, desperdício de tempo, de energia, de paciência. Rouba à juventude seu direito de brincar, brincar e brincar: coloca sobre ombros moços cabeças velhas.

Quando eu falo a estudantes de escolas normais e universidades, fico quase sempre chocado com a falta de qualidades adultas daqueles garotos e garotas recheados de inúteis conhecimentos. Sabem muito, brilham em dialética, podem citar os clássicos, mas em sua maneira de encarar a vida muitos deles são crianças. [...] Falo-lhes de um mundo cujo conhecimento lhes foi negado, e que eles continuarão a desconhecer. Seus livros escolares não tratam do caráter humano, do amor, da liberdade, ou da autodeterminação. Assim, o sistema continua tendo por alvo apenas os padrões do ensino livresco: continua separando a cabeça do coração (NEILL, 1976, p. 24).

Nesse sentido, considerando a necessidade de enxergarmos e compreendermos os estudantes como seres capazes de se desenvolver com autonomia, e que estejam preparados para uma vida plena, temos que pensar na escola como espaço de participação e democracia. Se a experiência da participação estudantil nas decisões sobre as normas de organização e funcionamento da Escola de Summerhill fosse algo impossível de se realizar, essa escola provavelmente nos dias atuais estaria com suas portas fechadas, no entanto, ela continua funcionando, e desde 1921 demonstra a importância e a necessidade dos estudantes serem compreendidos como sujeitos participativos, capazes de conviver e interagir em coletividade, com liberdade e com respeito pelo outro.

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