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3 AS COMUNIDADES TRADICIONAIS POR ELAS MESMAS

08 Só que, a gente tem sempre uma esperança que este conhecimento vai ser levado, mas que, de alguma forma, ele vai ser transformado, e retornar em uma coisa boa pra comunidade Porque a gente às vezes

3.3 MEMBROS UNIVERSITÁRIOS DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS E AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO

3.3.1 A escolha do curso

Um dos impasses que as CT enfrentam em relação aos demais segmentos da sociedade se encontra justamente no campo semântico. Este campo do sentido é constituído tanto da visão de mundo destas comunidades, quanto de suas práticas e experiências em seu modo de vida, principalmente no que diz respeito ao seu território e a sua ancestralidade. A escolha pelo curso no ensino superior, para os membros desta comunidade, será envolvida por suas condições de luta e existência. Apresentamos estas escolhas com exertos enumerados, abaixo:

Minha mãe é o tesouro que tenho da minha vida. Mas eu tenho irmãos, eu tenho sobrinho, tenho primo, tenho amigos, tenho pessoas que nasceram comigo, tenho pessoas que me viram nascer, tenho pessoas que eu vi nascer que eu preciso ajudar. E o curso de direito, acredito que era, e hoje eu tenho a plena a convicção que é o curso certo. Eu tenho uma preocupação com pescadores, porque minha vida até vinte e um anos foi isso. Eu sei o que é acordar às três da manhã, independente de como o clima está para sair para pescar. Eu não me nego, eu não abdico de tudo que passei, na verdade, eu me fortaleço. Saber que eu pedia uma “lapi”, porque eu nem sabia falar lápis para escrever, é algo que hoje me nutre e alimenta, me prepara para as adversidades que o mundo apresenta. E saber que a minha missão se tornou muito maior, a partir do conhecimento que eu adquirir, que eu me propus adquirir. (Pedro Garcia curso de Direito/UFBA, SFP, outubro/2014 –

De certa forma, foi generalizado a intenção, o desejo e o compromisso de oferecer com sua formação um retorno e transformação para a situação de sua comunidade.

O que me motivou foi justamente poder voltar pra minha comunidade e contribuir de alguma forma pra mudar aquilo que eu via que não estava funcionando na educação, por isso mesmo que eu escolhi a licenciatura porque desta forma eu poderia contribuir, assim como eu cheguei lá com certa dificuldade, se este quadro se reverter muitas outras pessoas podem chegar também né? E podem chegar não somente por essas politicas de cotas. (Jailson Santos, Licenciatura em Matemática/UEFS, STI, 2014 –

enxerto 02).

Eu sempre tive isso comigo né, eu sempre participei das, das coisas coletivas então eu disse: é o social, comigo é o social. Por outro lado eu tive a experiência de trabalhar os dois dias na creche gostei da experiência de pedagogia, de pedagogo, e tudo aqui, e, estou pensando até em tentar o vestibular para a UEFS, mas, estou no divisor ai né, porque duas paixões, pra mim, os dois lados... Tenho o setor empregatício, tem o INCRA, tem a Fundação Palmares, ó, tudo haver com... (Izabelli Santos estudante de Ciências Sociais/UFRB, SFP, 2014 – enxerto 03).

A maioria dos universitários que decidiu cursar licenciatura na Universidade, o fez almejando atuar na própria comunidade e também contribuir para a mudança nas condições de estudos de seus conterrâneos, mas ainda havia motivações ligadas às questões de luta da comunidade conforme enxertos 01, 03 e 04.

Outras motivações expressadas pelos universitários da área de saúde foram que além de se identificar pela área, havia necessidade no hospital da comunidade, pois os profissionais de saúde vinham de foram e não tratavam bem a população. Eu pude perceber logo no primeiro contato com a CT STI, quando uma funcionária do hospital – a qual, mais tarde souber não pertencer à aquela comunidade - havia me dito que a maternidade e o hospital iria fechar porque a população procura problema com os médicos.

Tanto a escolha no curso de licenciatura quanto nos cursos na área de saúde, para os membros das CT, tem a intenção, também, de divulgar a cultura da comunidade: as práticas e o valor que ela tem e que as pessoas não sabem. No primeiro Seminário a presença Indígena e Quilombola no Ensino Superior (SPIQES), realizado na UEFS em 2014, em uma das rodas de discussão – Identidade e ancestralidade – perguntei a uma estudante indígena se nas aulas havia espaço para ela falar das práticas de saúde de sua comunidade, e como era quando ela ia para sua aldeia. Ela responde que precisa aprender por conta do mercado de trabalho, que se ela for trabalhar na cidade será assim mesmo, mas que ela sabe que na aldeia dela, muitos coisas alí já não vão servir, porque lá é diferente. Ela não vai impor na aldeia dela o que ela

aprende na faculdade que ela sabe que os membros da aldeia dela vem com aquilo já a muito tempo, e não vão mudar assim, e muita coisa vem funcionando muito bem sendo diferente do que ensina na faculdade. Na aldeia dela ela vai respeitar as práticas de lá. Então perguntei a ela se na Faculdade ela consegue contribuir para o estudo na área de saúde compartilhando as práticas de saúde da comunidade dela. Ela disse:

Não dá porque é diferente. Não faço isso porque envolve muita coisa. Cada comunidade é diferente.[...] Não, na aula não dá, só se for em um seminário, para divulgação de algum modo de fazer ou outro, mas para ensino não pode, porque é diferente e envolve a ancestralidade da comunidade. A gente vê que mesmo entre os indígenas muita coisa é diferente. (Estudante Indígena, do curso de Enfermagem/UEFS, SPIQES/nov/2014).

Em junho de 2014, na festa de São Pedro em STI, eu sofri de uma Otite, e procurei o hospital da comunidade. Fui antendida por um médico Cubano que foi muito atencioso. Já com relação à técnica de enfermagem eu senti um pouco de tensão, e perguntando a ela sobre como ela estava, se estava havendo alguma coisa ela disse que era porque ela ficava muito vulnerável trabalhando ali, sem segurança, e de vez enquanto entrava um bêbado para procurar problema.

O antendimento da Técnica de enfermagem era como muitas vezes mencionado por outros membros de STI, havia um pouco de hostilidade, e isso aconteceu em outras épocas fora do contexto de festa na Praça. Em outra ocasião, buscando atendimento naquele hospital entendi que havia duas enfermeiras, uma responsável pela ala da Maternidade, e outra responsável pela ala do Pronto Atendimento. Ambas de fora da comunidade, mas só pude conversar um pouco com uma delas. Esta se apresentou muito simpática e pude entender que cada uma cuidava de sua área e prestava contas a seus respectivos superiores, e que foram indicadas pela prefeitura de Cachoeira por gestores diferentes, me parecendo também ter influencia de partidos políticos na administração do hospital.

As escolhas de outros cursos pelos membros daquelas CT continuam seguindo a motivação de contribuir para sua comunidade, ou devido a vínculo com suas ancestralidade:

Não porque antes, assim: eu sempre gostei de imagens sacras, entendeu? Aí eu fiz assim: a história, eu vou falar da história destas imagens né, então como eu queria ter um contato mais próximo, eu fiz assim: então eu vou para Museologia, porque a Museologia tem a técnica do restauro, entendeu? Então eu estarei mais próximo destas imagens. Então eu fiz a escolha, é Museologia então. (Genivaldo, Museologia, STI outubro 2014 – enxerto

04)

Vou direto para Museologia, se não for na UFRB, vou para UFBA, ou Museologia ou história. Porque teve um que me chamou a atenção foi a História da África, que foi aqui na UFRB, só que a gente não podia se escrever porque eles estavam solicitando o diploma. Aí, peguei não fiz. Mas assim, se na história, tiver alguma cosia ligada a África, entendeu, assim da

minha religião, eu vou. Eu vou. E se não tiver eu vou para a área da Museologia mesmo. Assim a área que eu falo, é restauração, que é o que eu quero. (Diamante, outubro 2014 – enxerto 05).

Estes últimos enxertos mostram como é feito a leitura das opções em relação aquilo em que os interessa, o que envidencia o esforço que estes universitário fizeram desde o período da escolha do curso, para terem a motivação necessária para sua formação. E também, que os cursos ofertados pelas Universidades ainda se emcontram muito preso a um interesse hegemônico o que impacta no acesso de universitários destas CT, mesmo havendo uma Universidade em sua região – O Recôncavo Baiano e no Município ao qual fazem parte, Cachoeira.

Outra dificuldade enfretada no processo de decisão pela continuidade de seus estudos e escolha do curso de formação que tocam a vida destes universitários encontra-se no fato de que a escolas públicas em que estudam não fazem esta mediação. Embora esta lacuna não seja privilégio das comunidade tradicionais, visto que na dissertação de Bassuma (2014), seus estudo revelam a lucuna existente na relação escolas públicos e universidades. Segundo a autora, a escola pública não prepara os estudantes para o ensino superior, nem no que tange aos conteúdos basilares que eles precisarão para continuar os estudos, nem no que concerne as políticas de acesso (BASSUMA, 2014).

Assim no caso das CT, se a escola não cumpre seu papel, os estudantes superam esta lacuna mediante o apaio da própria comunidade naquilo que conseguem, e ainda utilizando o cursinho pré- vestibular como uma alternativa e um apoio para auxiliar no acesso a Universidade. Inclusive, foi devido ao cursinho que puderam entender melhor sobre o processo de vestibular, as universidades existentes e seus cursos: “Mas graças a Deus eu consegui, foram sete meses de cursinho e lá eu fiquei sabendo do vestibular da UEFS, e aí quando fique sabendo através dos professores e também da minha amiga fui realizar a inscrição no site, eu não tinha assim muito conhecimento de internet.” (Jade, Licenciatura em Letras/UEFS, STI, 2014).

Em uma das falas foi apontado que muitas vezes, em seu processo de formação, para além das dificuldades já existentes, o profissional agia de forma discriminatória em relação às origens de suas turmas:

E quando ele ia citar um assunto, ele só citava o aluno da rede particular: lembra, fulano de tal, que a gente trabalhou com isso? Porque com a gente, ele não tinha trabalhado com isso. Então a gente ver... Sendo o mesmo professor, não trabalhou né? Não, trabalhou. E aí eu gosto muito da pessoa, eu acho o profissional excelente aqui no cursinho, mas este processo de distinção entre rede pública e rede particular eu critico muito. (Opala , STI, 2014)

O cursinho pré-vestibular se torna importante para este grupo: “naquela época fazer cursinho pré-vestibular, pra mim foi extremamente importante. E eu via a dificuldade, pra mim, quando o professor falava: é revisão, é revisão. Eu vi a dificuldade que eu tive na minha formação.” (Opala, STI, 2014). Muitos assuntos não são abordados no processo de formação, e quando acessa a Universidade, esta dificuldade retorna.

O cursinho pré-vestibular se tornal tão fundamental para este grupo que no I SPIQES, em 2014, um dos membros da mesa principal, presente durante todo o seminário, foi um professor de cursinho vestibular do Sudoeste da Bahia.