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2.2. A resposta da produção agrícola

2.2.2. Escolha da forma funcional

As propriedades da função de lucro, mencionadas na seção anterior, não eram específicas de uma forma funcional, mas gerais para qualquer função de lucro e comumente aceitas como válidas na literatura econômica: contínua, duplamente diferenciável, convexa e fechada nos vetores de preços no quadrante não-negativo; estritamente crescente nos preços dos produtos; estritamente decrescente nos preços dos insumos; e linear-homogênea nos preços de insumos e produtos.

Entretanto, a escolha de certas formas funcionais implica a imposição de outras propriedades e poderá dificultar a análise ou comprometer o objetivo do estudo, como, por exemplo, utilizar a função de produção com tecnologia Cobb- Douglas, que, implicitamente, impõe uma elasticidade de substituição unitária

entre os fatores. Caso os testes dessa hipótese não confirmem ex-post a elasticidade unitária, os resultados ficarão comprometidos.

Outra situação que pode ocorrer é que a função verdadeira seja dada por uma aproximação de segunda ordem, como, por exemplo, uma expansão da série de Taylor, ao redor de um ponto específico. Caso a estimação seja feita para um domínio muito extenso, poderá ocorrer estimação que não se comporta como uma aproximação de segunda ordem da função verdadeira. Nesse caso, testes de hipóteses poderiam rejeitar a hipótese de maximização da função, sendo que a função verdadeira poderia estar satisfazendo essa hipótese.

Um sistema de produção poderá ser descrito por funções duais e ser consistente com a maximização de lucros, se mantiver algumas propriedades a serem testadas empiricamente, como, por exemplo, monotonicidade e convexidade (ou concavidade, conforme o caso). Satisfeitas essas condições de regularidade, as relações duais poderão ser utilizadas para testar hipóteses de separabilidade, homoteticidade e forma de mudança tecnológica.

Assim sendo, a análise de formas funcionais adequadas dá-se, principalmente, em função dos objetivos do estudo da produção, que, segundo FUSS et al. (1978), podem ser distribuição, escala, substituição, separabilidade e mudança tecnológica. Tópicos auxiliares que motivem a análise de formas funcionais poderão ser flexibilidade tecnológica, eficiência, homoteticidade e agregação.

De acordo com as características dos resultados, têm-se os principais critérios condicionadores da escolha da forma funcional, como parcimônia nos parâmetros (consistência teórica), facilidade de interpretação e domínio de aplicação, necessidades computacionais, flexibilidade e capacidade de o modelo ser utilizado para interpolar ou extrapolar.

As formas funcionais mais comuns, na literatura econômica, são expansões lineares nos parâmetros que aproximam as funções verdadeiras. Os principais tipos de formas funcionais são mostrados na Tabela 1.

Tabela 1 - Principais formas funcionais em economia da produção Cobb-Douglas logaritmizada:

= + = n 1 i i i 0 a logx a y log CES:

= ρ ρ = + n 1 i i i 0 a x a y Generalizada Leontief:

∑∑

= = = + + = n 1 i n 1 j ij i j n 1 i i i 0 a x a x x a y Translog:

∑∑

= = = + + = n 1 i n 1 j ij i j n 1 i i i

0 a logx a logx logx

a y log Quadrática:

∑∑

= = = + + = n 1 i n 1 j ij i j n 1 i i i 0 a x a x x a y

Fonte: LAU (1978) e FUSS et al. (1978).

A função Cobb-Douglas (CD) é oriunda dos estudos de Cobb e Douglas (1928), citados por LAU (1986), inicialmente para duas variáveis explicativas e, posteriormente, expandida para múltiplos xi. É uma das formas funcionais mais utilizadas, dada a facilidade de transformar as variáveis numa forma funcional duplo-logarítmica (log-log), como mostrado na Tabela 1. Uma das vantagens em se adotar tal transformação é que lineariza a função nos parâmetros, e estes fornecerão, diretamente, os valores das elasticidades. Cobb e Douglas deduziram a expressão sob pressuposições de retornos constantes à escala (linear- homogênea), competição perfeita nos mercados de produtos e insumos, e maximização de lucro pelas firmas. A função CD é limitada, por possuir elasticidade de substituição unitária. Por tudo que foi citado, pode-se afirmar que, para pequenas variações nas variáveis independentes, ela será sempre uma boa aproximação da função verdadeira. Em outras situações, a qualidade das estimativas passa a ser questionada.

A função Elasticidade Constante de Substituição (cujo formato é da CES, da Tabela 1) foi introduzida nos estudos de Arrow et al. (1961), citados por

LAU (1986). A CES também é linear-homogênea e exibe retornos constantes à escala. Embora seja não-linear nos parâmetros, apresenta algumas vantagens sobre a funçao CD, ao permitir uma elasticidade de substituição constante, embora possa admitir qualquer valor (a função CD é um caso específico da CES14). Entretanto, no caso de três ou mais variáveis explicativas, esta função possui severas restrições às possibilidades de substituição15. Em geral, os experimentos com funções de produção agrícolas, do tipo CES, não tiveram grandes vantagens sobre a CD, prevalecendo a maior simplicidade desta última.

As pesquisas começaram, então, a ser direcionadas para formas funcionais mais flexíveis16. DIEWERT (1971) apresentou a função generalizada Leontief (GL), conforme Tabela 1, a qual não impõe restrições à elasticidade de substituição entre xi e xj, e pode representar uma aproximação de segunda ordem de uma função qualquer.

As funções quadrática e transcendental logarítmica (translog) possuem as formas apresentadas na Tabela 1. A primeira foi apresentada por Lau (1974), citado por FUSS et al. (1978), e a translog, por CHRISTENSEN et al. (1973). Ambas são formas mais flexíveis que as anteriores, visto que permitem diferentes graus de substitutibilidade, retornos à escala e satisfazem às restrições teóricas, na maioria das situações. Uma vantagem está no fato de que funções de produção dessas formas terão produtividades marginais como funções da combinação dos insumos para os quais os coeficientes são calculados (MUNDLAK, 1999).

A função quadrática tem a propriedade de ser autodual, ou seja, as funções de produção e de lucro são funções quadráticas. Ela também evita problemas de convexidade global versus local, enquanto a função translog nem sempre satisfaz às propriedades de monotonicidade e convexidade globalmente

14 A demonstração dessa característica poderá ser obtida em SILBERBERG (1990). 15 Ver CHRISTENSEN et al. (1973) e LAU (1986).

16 São flexíveis porque fornecem aproximações de segunda ordem da verdadeira função. Conforme

MUNDLAK (1999), os parâmetros em questão são primeira e segunda derivações. Seus valores

dependerão da combinação de insumos e produtos e portanto diferem entre observações. Conseqüentemente, para grandes variações na amostra, uma aproximação por uma função de coeficientes fixos será errônea.

(mas essas propriedades podem ser testadas para um conjunto específico de preços).

Entretanto, a translog possui as vantagens de oferecer uma aproximação de segunda ordem para uma função de lucro qualquer e de apresentar qualquer valor para as elasticidades de substituição, entre quaisquer pares de insumos e produtos. O fato de a translog ser expressa em logaritmos também é uma vantagem, visto que facilita o cálculo das elasticidades-preço da demanda de fatores e oferta de produtos, a partir das parcelas de lucro (a ser detalhado na seção seguinte).

Pode-se mostrar que a função translog acomoda diferentes formas funcionais citadas anteriormente e tem a vantagem de permitir testes na forma funcional. Basicamente, esta é uma expansão de segunda ordem da série de Taylor, em formato similar ao da função Cobb-Douglas, mas que adiciona termos quadráticos e acomoda diferentes valores para a elasticidade de substituição.

Neste trabalho, utiliza-se a função translog de lucro para estudar os efeitos de políticas econômicas que afetam os preços de insumos e de produtos na agricultura brasileira. Dessa forma, aproveitam-se as vantagens da dualidade, estimando-se as expressões de parcelas de lucro e ainda a flexibilidade da forma funcional escolhida.